u SÃO PAULO – SP – Uma estranha movimentação podia ser observada no Jockey Club de São Paulo, atrás do restaurante “Mercearia de São Roque”, naquela tarde do dia 2 de novembro último. Um grupo de moças, com uniformes iguais, cercavam dois cavalos selados: elas subiam, desciam, brincavam e falavam em voz alta, ajudadas em seus movimentos por várias pessoas. Sim, porque observando o grupo mais de perto, um espectador atento podia perceber, ou talvez apenas adivinhar pelos movimentos delas, que elas eram todas “deficientes visuais” (para usar uma expressão considerada hoje em dia “politicamente correta”). De deficiente elas não tinham nada: como qualquer jovem, elas curtiam a proximidade dos cavalos, rindo e se divertindo com seus acompanhantes.
Tratava-se, de fato, de uma primeira experiência realizada pelo Jockey Club por iniciativa de um de seus sócios, o Adido Cultural da República de San Marino Quagliotti Silvestri Faà. A Diretoria da agremiação atendeu prontamente a solicitação no sentido de abrir um espaço a crianças cegas, para que as mesmas possam “sentir de perto” o que representa fisicamente o cavalo.
O diplomata da cultura, que todos os dias treina seu próprio animal no Clube Hípico de Santo Amaro, ficou interessado num contato entre este outro clube e a “Fundação Dorina Nowill para Cegos” para oferecer a crianças cegas sessões de Equoterapia (denominação esta que define a utilização do cavalo no tratamento de várias síndromes e deficiências, especialmente em crianças e adolescentes). Para se aprofundar no assunto, ele freqüentou o curso básico de equoterapia ministrado em São Paulo pela “Equoliber” (entidade supervisionada pelo Diretor da Escola de Educação Física da Polícia Militar, T.Cel. Yvens Catalano) e sucessivamente recebeu da Associação Nacional de Equoterapia (ANDE – Brasil) a habilitação de Profissional de Equitação na Equoterapia. “A finalidade” – ele afirma – “é separar a Hipoterapia, propriamente dita, da necessidade de qualquer criança normal, cega ou não, de saber o que é um cavalo. Para quem mora na cidade e apenas recebe suas informações numa sala de aula, as noções sobre os animais são somente descritivas e figurativas, hoje divulgadas pela televisão. Mas este acesso visual o cego não pode aproveitá-lo.“
Foi assim que surgiu o projeto de desenvolver uma primeira forma de aproximação e contato do cego com o animal: por outro lado, por coincidência Quagliotti Silvestri Faà veio a conhecer as atividades esportivas realizadas pelos cegos em São Paulo, especialmente o “goal-ball”: trata-se do jogo efetuado com uma bola que emite um sinal sonoro. Após assistir a um treino da equipe feminina do Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos (CESEC), ele comentou o programa a ser realizado com as crianças para as jovens atletas. Motivadíssimas, elas pediram para serem incluídas no projeto. Foi assim estabelecido este laboratório preliminar de aproximação e contato no Jockey Club. A Diretoria do Clube era representada pelo dr. Thomas Wolff, responsável pelo anti-doping: a sua equipe de veterinários, juntamente com a de marketing, forneceram com entusiasmo o apoio necessário à experiência, que se realizou perto das instalações do setor. As “Meninas do goal-ball” vieram acompanhadas do Presidente do CESEC Carlos Eduardo Ferrari e do Diretor de Esportes Elder Maciel Araújo.
O Adido Quagliotti Silvestri Faà dirigiu algumas palavras aos presentes, entre os quais estavam o Cônsul Geral da Itália Ministro Gian Luca Bertinetto e o T.Cel. Yvens Catalano. Após algumas amenidades ele declarou: “Hoje é o Dia dos Finados. O Evangelho de São João, aquele que começa com <<Em princípio era o Verbo, e o Verbo era junto de Deus, e o Verbo era Deus>>, afirma também que o Filho de Deus era a Luz e que a Luz desceu nas Trevas, mas as trevas não a derrotaram. Vocês também, as meninas do goal-ball e os cavalheiros cegos que as acompanham, vocês desceram nas trevas e as trevas não os venceram. No dia em que lembramos a morte, vocês nos iluminam a todos com a maravilhosa luz da alma, formulando assim um estupendo hino à vida. Por isso, eu os agradeço”.
Os presentes ouviram depois alguns comentários sobre os cuidados a serem tomados com os cavalos e sobre o campo visual desses últimos, bem mais amplo do que das pessoas, por terem os olhos ao lado da cabeça; sucessivamente, houve o contato com os animais: uma festa para as meninas e seus acompanhantes, que também ensaiaram a experiência de cavalgar. Os presentes assistiram emocionados ao recreio.
Foram trazidos também, para fins didáticos, alguns objetos típicos da equitação, como capacete, chicote, bridão, taco e bola de pólo, proporcionando o conhecimento tátil desses acessórios. Os rostos expressavam a curiosidade e a maravilha dos envolvidos ao sentir, com a mão, as peças.
O restaurante “Mercearia de São Roque” ofereceu a todos uma farta merenda. O grupo voltou ao pequeno ônibus do CESEC com a típica felicidade de jovens que haviam se alegrado numa experiência rara e singular. Para todos que participaram foi uma lição de vida.