Ailvia Alciati no lançamento de sua candidatura na lista "Civica Popolare", em Curitiba (Foto Desiderio Peron / Arquivo Insieme)

A ideia de criar um “teste de italianidade” para o reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue foi do peruano Gianfranco Bruno Sangalli, explicou ontem a Insieme Silvia Alciati, conselheira do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani All’Estero’, que aparece ao lado do autor como primeira signatária da proposta de mudança da lei que regula a concessão e reconhecimento da cidadania italiana.

Através de e-mail, Alciati respondeu a uma pergunta que lhe foi dirigida no último dia 6 com o mesmo texto que postou em seu perfil do Facebook, depois de ter recebido severas críticas pela iniciativa através das redes sociais. Segundo ela, “ em nenhum momento o documento chegou a ser apresentado ou discutido oficialmente entre os componentes da Comissão América Latina e muito menos entre os membros do CGIE como um todo”. Sangalli não respondeu a pedido de informação de Insieme.

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Pela proposta, o descendente de imigrante italiano interessado no reconhecimento da cidadania por direito de sangue deverá ser submetido a uma “verifica di condivisa identità nazionale” (verificação de identidade nacional compartilhada), mediante “um exame médio de língua e de história italianas, e de conhecimento básico do ordenamento constitucional do Estado”.

Alciati diz que seu nome aparece no documento em função de diversas sugestões que apresentou no bojo da proposta mas que, no caso do “teste de italianidade”, questionou Sangalli acerca da competência dos consulados e das dificuldades para aplicar o exame. “Realmente não pensei no que isso poderia implicar”, diz ela, perguntando-se: “Ingenuidade, a minha?” “Nunca pensei – explica a seguir – que seria julgada por um rascunho de 2016 que até o momento não é nem oficial e nem foi debatida nem mesmo pelos próprios membros do CGIE”.

Tanto Sangalli quanto Alciati foram candidatos a deputado nas últimas eleições parlamentares italianas. Ele, pela coligação “Salvini, Berlusconi, Meloni”, obteve 1.086 votos; Ela, pela coligação “Civica Popolare” (Passione Italia), obteve 2.940 votos. Alciati observa que o trâmite da proposta agora deverá ser dentro da III Comissão do CGIE e assegura: “Compartilho a ideia de que o conhecimento do idioma é fundamental para uma cidadania “plena””.

Antes das explicações de Alciati, o secretário do CGIE para a América do Sul, o ítalo-argentino Mariano Gazzola havia confirmado a Insieme que “efetivamente os colegas Alciati e Sangalli elaboraram uma proposta de mudança na lei número 91 de 1992 mas, porém, é um documento interno que ainda não tem nenhum status, no sentido de que o CGIE não agendou ainda a discussão sobre o tema”. As discussões, no momento, acrescentou Gazzola, estão focadas na consulta à comunidade sobre a proposta de uma nova sistemática eleitoral para os italianos no exterior. Veja a seguir, na íntegra, as explicações de Alciati:

“A primeira Assembleia Plenária do CGIE ocorreu em março de 2016 e nesta ocasião a Comissão América Latina se reuniu pela primeira vez. Logo ficou claro para todos os seus membros que a situação do reconhecimento da cidadania italiana em todo o continente é caótica e por isso iria precisar de uma atenção especial. Foi então sugerido que o grupo começasse a estudar algumas propostas de melhoria para serem discutidas entre o grupo e em seguida poderem ser levadas para um debate mais amplo na próxima Assembleia plenária.

O colega do Perú, Gianfranco Sangalli, logo assumiu a iniciativa de elaborar um primeiro rascunho de alteração da Lei 91 de 1992 sobre cidadania, inserindo sua proposta de criar uma avaliação de conhecimentos gerais sobre língua e cultura italiana. Este rascunho foi enviado aos demais colegas da Comissão América Latina.

Ao ler o texto, solicitei que fossem inseridos o paragrafo 1-bis e 1-ter do Art.1 para que fosse definitivamente excluída a descriminação do reconhecimento aplicada aos filhos de mulheres casadas com estrangeiros antes de 1948, sem que fosse mais necessário recorrer à justiça e à jurisprudência existente para obter este reconhecimento.

Também solicitei que fosse excluído o período temporal para o reconhecimento da cidadania para os descendentes dos Trentinos pertencentes à monarquia Austro-húngara no artigo 18.

Não sou advogada e a cidadania nunca foi minha especialidade, mas acredito que estas duas discriminações não fazem jus ao nosso Direito, por isso pedi que fizessem parte desta proposta de reforma.

E questionei ao Sr. Gianfranco Sangalli sobre a proposta de criação de uma prova de “italianidade” específica, a ser aplicada pelos Consulados, que não teriam a competência para isto, alertando que seria algo totalmente inviável e de difícil aplicação. Compartilho a ideia de que o conhecimento do idioma é fundamental para uma cidadania “plena” e que para isso poderiam ser avaliadas possíveis formas diferentes de comprovação, criando inclusive um caminho virtuoso de fomento ao conhecimento e à divulgação da língua e cultura italiana no exterior, e um incentivo e um estímulo ao próprio governo italiano de se tornar efetivamente responsável por uma política de oferta de instrumentos e ferramentas até mesmo eletrônicas para o aprendizado da língua e da cultura, com uma prova on-line e a emissão de um certificado de conclusão de um curso básico, que poderia ser um dos documentos necessários para ser apresentado e anexado ao processo de reconhecimento da cidadania.

Nenhum outro membro da Comissão América Latina manifestou sua opinião por escrito sobre o documento proposto por Gianfranco Sangalli, pois o presidente da Comissão pediu que deixássemos o assunto para um outro momento, pois o Secretário Geral do CGIE havia solicitado máxima prioridade para a reforma do CGIE e do Comites. Sendo assim, a proposta de reforma da Lei da Cidadania foi “abandonada”. Alguns outros colegas do CGIE amigos do Gianfranco Sangalli também chegaram a ler e assinar este primeiro rascunho e até chegaram a dar alguns palpites. Mas em nenhum momento o documento chegou a ser apresentado ou discutido oficialmente entre os componentes da Comissão América Latina e muito menos entre os membros do CGIE como um todo.

Recentemente o Sr. Gianfranco Sangalli passou da IV Comissão “Língua e Cultura” do CGIE para a III Comissão “Direitos Civis, Políticos e Participação” e levou consigo este primeiro rascunho na reunião interna da comissão e foi colocada oficialmente entre os documentos a serem discutidos pelo grupo. Meu nome havia sido inserido no documento do Sangalli por eu ter sido a única a ter incluído parágrafos e observações. Como não faço parte desta comissão, eu não fui informada sobre isto.

Durante a última Assembleia Plenária do CGIE ocorrida em Roma de 2 a 8 de Julho tivemos a presença do Dr. Ricardo Merlo na abertura dos trabalhos. Em seu discurso ele pediu encarecidamente que o CGIE trabalhasse de forma intensa para apresentar duas propostas de reforma de lei em sua próxima Assembleia de novembro: a reforma sobre o voto dos italianos no exterior e a reforma da lei da cidadania, corrigindo possíveis falhas de ambas. Neste momento a III Comissão “Direitos Civis, Políticos e Participação” então informou já ter um primeiro rascunho sobre a reforma da cidadania e prometeu trabalhar sobre o assunto, estudar melhor e detalhar mais as possíveis sugestões de alterações tanto dentro da própria Comissão bem como em debate mais amplo entre todos os membros do CGIE. E para isso pediu que o rascunho fosse distribuído para todos os membros. Nesse momento o Sr. Gianfranco Sangalli veio me pedir desculpas por não ter me informado e por não ter retirado meu nome de sua proposta. Ele estava ciente de que eu não estava de acordo com a forma em que o teste de conhecimento da língua e da cultura italiana fora inserido na proposta.

Como na verdade a proposta por enquanto não passa de um rascunho que ainda deverá sofrer inúmeras alterações (e que com certeza se um dia chegar a ser apresentada, ainda passará por muitas mudanças em seu texto), eu não pedi explicitamente para que meu nome fosse retirado oficialmente do texto, onde havia sido inserido apenas para constar que eu havia contribuído parcialmente em sua constituição. Realmente não pensei no que isso poderia implicar.

Ingenuidade, a minha? Sim, nunca pensei que seria julgada por um rascunho de 2016 que até o momento não é nem oficial e nem foi debatida nem mesmo pelos próprios membros do CGIE. Mas assumo minha responsabilidade, e o compromisso que assumi junto ao CGIE. Não sou especialista em cidadania (já afirmei isso várias vezes), não trabalho com isso, mas apresentei minha contribuição na elaboração de uma possível proposta a ser apresentada pelo CGIE e minha intenção foi apenas sugerir a correção de algumas descriminações que considero injustas. Não sugeri a prova de língua, mas acredito que seja possível encontrar uma forma para que o conhecimento da língua e cultura italiana possa contribuir positivamente para o enriquecimento cultural da comunidade italiana. Entendo que o documento foi divulgado desta forma, ainda sem correções ou avaliações. Então considero oportuno que a proposta possa ser debatida, criticada e corrigida. Não discrimino a opinião de ninguém. Cada um tem seu ponto de vista. Eu mesma em 17/07/18 encaminhei este documento junto com outros das várias comissões temáticas do CGIE para o mailing que tenho de pessoas interessadas e, como sempre faço, solicitei que todos se manifestassem. Parece-me que muitos, mesmo sem responder ao meu e-mail, já manifestaram sua opinião em mérito nas redes sociais, uns a favor e maioria contrários, focando principalmente a questão do conhecimento da língua. Enquanto pouco se falou sobre as outras duas questões, que correspondem à minha real contribuição ao texto.

Não estou querendo me justificar, mas apenas apresentar a realidade dos fatos, para que possam compreender como são conduzidos os trabalhos no CGIE. O procedimento agora prevê que a III Comissão detalhe melhor a proposta. Em seguida uma proposta mais articulada será enviada para os demais membros e provavelmente os Comites serão convidados a enviar possíveis sugestões de melhorias. Então a III Comissão e o Comitê da Diretoria irão unificar as várias contribuições em um novo texto que será encaminhado a todos e avaliado, para que na Assembleia Plenária possa ser submetido às análises finais e em seguida possa ser encaminhado ao governo. Por isso convido todos a elaborar sugestões e possíveis contribuições para a melhoria do rascunho divulgado.

Alguns chegaram a considerar a proposta xenófoba, outros uma tentativa de impor o ius solis no lugar do jus sanguinis, bem como outras suposições, como a limitação de gerações etc. Teve quem levantou o assunto da naturalização, sem verificar que os estrangeiros em solo italiano que solicitam a cidadania atualmente precisam comprovar conhecimento da língua de nível B2. Todos estes assuntos até o momento não estão contidos nesta proposta em questão. Foram apenas fruto da interpretação do leitor.

Após a participação de outros membros do CGIE e a contribuição dos Comites e de todos aqueles que desejarem sugerir alterações no texto, estes assuntos até poderão ser levantados e serão debatidos oportunamente. Mas até o momento a proposta não detêm estes conteúdos.

Todas as propostas são validas e poderão ser encaminhadas diretamente para algum membro da III Comissão (em italiano, pois não existe nenhum membro Brasileiro nesta comissão que poderá traduzi-lo aos demais), ou se o acharem oportuno, poderei traduzir, intermediar e ser porta-voz de suas sugestões.

Espero ter contribuído para uma maior compreensão da situação. Todos os que acompanham minha trajetória sabem perfeitamente o quanto eu prezo a valorização do potencial que a comunidade italiana no mundo representa para a Itália do ponto de vista social, cultural e econômico bem como a importância que os italianos tiveram no desenvolvimento dos países de destino nos quais se estabeleceram pelo mundo afora, sua história e seu legado. Fico a disposição caso queiram maiores esclarecimentos sobre o assunto”.