• Texto integral da comunicação do Mestrando em Direito Elton Diego Stolf durante o Workshop “Cidadania e Nacionalidade no Direito Internacional”  (27.04.2009), promovido pelo Grupo de Pesquisas em Direito Internacional  do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a coordenação do Professor Arno Dal Ri Jr..O WorkShop é o primeiro de um ciclo de eventos sobre os aspectos políticos, jurídicos e econômicos do fenômeno da dupla Cidadania em Santa Catarina, em particular no que se refere à cidadania italiana.

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Introdução
A determinação da distinção entre nacionalidade e cidadania desperta o interesse dos pensadores da ciência jurídica, porque tais conceitos se confundem na sua classificação e aplicabilidade na diferenciação de quem é nacional ou cidadão de um Estado, sendo difícil definir precisamente o que é nacionalidade e o que é cidadania.

São aspectos distintos que se confundem na composição dos conceitos.

Esta diferenciação e dificuldade em determinar um conceito único têm origem na complexidade em definir o que é uma Nação e o que é um Estado, já que ambos os conceitos determinam o tipo de relacionamento de um indivíduo com um território, com uma comunidade.

Neste texto apresentamos alguns aspectos de diferenciação entre os conceitos de Nação e Estado, demonstrando alguns dos critérios que os Estados utilizam para determinar quem é o seu nacional e a consequente diferenciação entre nacionalidade e cidadania.

Em posição central do ordenamento jurídico italiano, o critério do Ius Sanguinis, literalmente traduzido por “direito de sangue”, é utilizado como critério amplo na determinação do seu nacional, considerando de modo secundário se o nascimento não se verifique na península.
Assim, salientando os aspectos históricos na formação do Estado-nação e também da formação do Estado Italiano, chegaremos a análise da primeira legislação que tange o reconhecimento do status civitatis italiano, ou seja, da nacionalidade italiana pela aplicação do princípio do Ius Sanguinis e alguns motivos da utilização deste critério pela Itália, concluindo que é a nacionalidade que é transmitida aos descendentes de italianos, sendo o exercício da cidadania italiana uma condição intrínseca ao nacional italiano.

1) Nação e Estado: a nacionalidade como critério mais amplo do que a cidadania.

O ideário de Estado-nação emergiu no século XVIII com a pretensão de ser a expressão do povo como unidade homogênea. O termo “Nação” adquiriu grande prestígio durante a Revolução Francesa, sendo utilizado para externar tudo quanto se referisse ao povo. Assim, por exemplo, é que se falava em governo da nação ou soberania nacional, e foi por esse meio que se introduziu na terminologia jurídica o termo “nacionalidade”, indicando o membro de uma Nação, mas tomando esta com o sentido de Estado.

Quando a Nação começou a ser vinculada e identificada com o Estado político, acabou por ser confundida com a existência de um território no qual o Estado exercia a sua soberania, através de um governo baseado na democracia e experiência na observação dos fenômenos sociais. A Nação assume um lugar essencial no processo de constituição da idéia de soberania, constituindo-se como um instrumento de valorização do poder do Estado.

Nesse contexto, formam-se os Estados politicamente organizados, possuindo uma ou várias Nações dentro de um espaço territorial a ele pertencente.

O Estado-nação, portanto, “compreende um elemento político – o Estado – que pode ser descrito sem muita controvérsia, uma vez que é formado por componentes objetivos, mas também um segundo elemento – a Nação – que é decisiva para a legitimação do poder do Estado e permanece igualmente como uma das expressões mais tendenciosas e complexas do léxico político daquela época”

Este Estado-nação idealizado, iluminista, na primeira metade do século XIX, deveria ser estruturado de forma organizada por uma única Nação, um corpo de cidadãos, legitimado pela participação popular (de parcelas da sociedade) como se fossem um tipo de associação, de corporação, com o desenvolvimento de uma cidadania voltada à outorga pelo Estado de direitos civis, como o direito ao trabalho e um inscipiente direito ao acesso à justiça, pressupondo equilíbrio entre as distintas Nações existentes na esfera internacional.

Ao decorrer dos anos outros direitos foram criados pela colocação do homem em uma posição de liberdade econômica diante do Estado, como os direitos políticos, por exemplo, abandonando por completo a noção de trabalho servil que vinha do período feudal, objetivando libertar definitivamente os povos da opressão e do senhorio.

Nessa primeira fase o nacionalismo era identificado com movimentos liberais e radicais, porém não haviam grande apoio da população em nome da qual afirmavam representar.

Já na segunda metade do século XIX ampliou-se os direitos políticos para outros setores da população, claro não ainda para o “sufrágio universal”, mas que de certa forma se estendeu à outros grupos sociais em inédita conquista dos movimentos liberais.

Essa democratização da população fez nascer nesse período o nacionalismo como movimento político, como grupos ideológicos que exautavam as fronteiras nacionais contra os estrangeiros e voltados à expansão do Estado nacional.

A partir de então, aquelas “conquistas” dos direitos civis e políticos dos indivídios pós-revoluções mobilizaram as populações européias em um sentimento de unidade, de identificação com a própria comunidade, com a própria Nação, que a partir da segunda metade do século XIX se identificou em um nacionalismo de base étnico-linguística e cultural, diferente daquela liberal da primeira metade.

Nessa segunda fase, na concepção do grande jurista italiano Pasquale Mancini, existem duas formas de associação humana: a Família e a Nação, estando esta última instrinsecamente ligada à primeira, possuindo elementos característicos da sua autoridade jurídica, da sua legitimidade: “a nação, em sua primitiva gênese histórica, não pôde ser outra que a própria família, a qual se ampliou por descendência e por gerações sobre o território que ocupava ou uma associação de famílias unidas entre si pela religião dos conúbios”(3).

Para ele, os fatores que entram na composição de uma Nação podem ser de natureza objetiva e subjetiva. Os elementos objetivos seriam os fatores reais de homogeneidade racial, a região (elemento geográfico), a língua, os costumes, as leis, as religiões, as instituições, enfim, as condições naturais e histórica das gerações passadas de um povo que adquire a consciência do caminho percorrido por seu espírito.

Porém estes elementos não bastam para constituir inteiramente uma nacionalidade na concepção de Mancini. Em suas palavras, “esses elementos são como matéria inerte capaz de viver, mas em que não foi inculcado ainda o sopro da vida”(4).

Os elementos subjetivos seriam o sentimento de uma alma comum de origem, de um conjunto de indivíduos que preservam as tradições e laços afetivos de consciência comum, ou grupo de descendência comum, sendo suficiente que os indivíduos que a compõem possuam vontade de viver juntos.

Este “sopro da vida” de que fala Mancini nada mais é do que o “espírito vital”, a vontade de estar em comunidade, a conciência nacional; que é o sentimento que a comunidade adquire de si mesma e que a torna capaz de se constituir internamente e de se manifestar externamente. “É aquele “penso, logo existo” dos filósofos, aplicado à nacionalidade”(5).

Nada é mais certo do que este “elemento espiritual” animador das nacionalidades, que dá à comunidade uma “personalidade nacional”. Em seu conceito, a nação é uma “sociedade natural de homens com unidade de território, de origem, de costumes e de língua, configurados numa vida em comum e numa consciência social” (6).

Dito isso, conhecido o conceito clássico de Nação, podemos verificar que o termo “nacionalidade” advém das relações jurídicas geradas no seio da comunidade organizada, constituída politicamente, independente, recebendo uma conotação de ser una e indivisível, considerada “o corpo de cidadãos cuja soberania colectiva constituía um Estado, que era a sua expressão política”(7).

Aqui chegamos ao chamado “princípio da nacionalidade” tão discutido a partir da segunda metade do século XIX, pelo qual “todos os indivíduos que pertencem a uma mesma Nação têm o direito – mas não a obrigação – de viver no interior de um Estado, que lhes seja próprio”(8).

O interessante notar é que a organização nacional não significa organização política em nível de Estado-nação, tanto que os Estados-nações eram constituídos por diversas nações reunidas no mesmo território. Porém a construção dos Estados-nações se aplicava somente a algumas Nações politicamente organizadas, e o consequente “princípio da nacionalidade” criado a partir desta época também tinha aplicação restrita.

Dos séculos XVIII e XIX para o século XX, o modelo de Estado-nação vai se transformando lentamente e a “nação” e o “princípio da nacionalidade” foram os elos, portanto, que conduziram à configuração do Estado daquela época a identificar o seu nacional, a identificar quem eram aqueles que compunham a Nação ou Nações dentro de um espaço territorial pertencente ao Estado, dominando a composição da sua população.

Cabia ao Estado – como organização política de nações, uma competência ampla em definir os seus nacionais através do seu ordenamento jurídico, em contraposição aos estrangeiros – nacionais de outros Estados, definindo critérios juridico-políticos através dos quais o indivíduo estava ligado ao Estado.

Todo o indivíduo, em vista disso, teria um direito a ter uma nacionalidade, ou seja, de ter a sua nacionalidade reconhecida por um Estado, o que mais tarde é traduzido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 como um direito fundamental do homem.

Hoje está consagrado pela prática internacional, tanto jurisdicional quanto convencional o princípio da competência exclusiva do Estado na atribuição da sua nacionalidade aos indivíduos, caracterizando a nacionalidade como o “status do indivíduo em face do Estado”(9).

É ao ordenamento interno de cada Estado, portanto, que compete estabelecer quem é o seu nacional e, embora o elenco de critérios utilizados pelos Estados para atribuir a nacionalidade seja limitado, a escolha de quais desses critérios releva no seu caso concreto é um problema do seu foro interno (10).

Pela conclusão de que a nacionalidade pode ser considerada como sendo o vínculo jurídico-político que une um indivíduo a determinado Estado soberano que lhe outorga direitos e obrigações, e que a atribuição dessa nacionalidade é competência exclusiva do Estado, é possível agora determinar quais são estes critérios ou princípios hoje existentes no âmbito internacional.

A atribuição da nacionalidade por um Estado soberano pode ser de feita pela via originária – sem que o indivíduo tome qualquer iniciativa, ou seja, é adquirida no momento do nascimento do indivíduo – ou pela via derivada – que se adquire em momento ulterior, pela qual o indivíduo faz a opção explícita em adquirir a nacionalidade de um determinado Estado, quando preenchidos os requisitos por este exigidos.

Pela via originária os Estados definiram diversos critérios de transmissão da sua nacionalidade; e pela via derivada, a concessão é feita por meio de naturalização, através da qual o Estado discricionariamente torna o indivíduo requerente um seu nacional.

Os critérios ou princípios de transmissão a título originário, de um modo geral, são os ius sanguinis, ius soli e o critério misto. A norma que tem por base o primeiro princípio, mantém a relação do nacional com o Estado pela filiação, e pelo segundo princípio, faz-se a plena integração dos nacionais nascidos em territorio do Estado. O terceiro congrega nuanças dos dois princípios anteriores.

A escolha de um ou outro critério é feita por particularidades demográficas e políticas de cada Estado, por isto na esfera internacional é grande a diversidade de soluções encontradas pelos Estados na sua aplicação.

2) A Itália e a aplicação do critério ius sanguinis: contexto histórico

A península itálica no período pós-revolução francesa era dominada por inúmeros pequenos reinos, ducados, condados independentes e principados que recortavam geograficamente a península em um grande mosaico político.

No período napoleônico (1799-1815) partes da península – Piemonte, Gênova, Estados papais e Toscana – foram simplesmente anexados à França; sendo que outras regiões foram criadas ou controladas pelo sistema administrativo francês.

Naquela época, a geografia da península era assim definida: Lombardia e Vêneto sob o domínio austríaco; Reino das Duas sicílias pelo domínio da familia Bourbon; a Igreja Católica (Estado pontifício) detinha o domínio sob a Emilia Romanha, Roma, Marche e Úmbria e a Itália central (Parma, Lucca, Modena, Toscana) estava sob o império da familia dos Habsburgos.

A península era tão fragmentada ao ponto do chanceler austríaco Klemens von Metternich, em 2 agosto 1847 proclamar a famosa frase: “a Itália é apenas uma expressão geográfica”.

Esta afirmação do recorte político italiano e também a caracterização dos incipientes Estados-nações da Europa fez despertar também na península um sentimento de unidade italiana, movimentando principalmente a alta elite peninsular, mas também a classe operária.

Como dito anteriormente, a democratização da vida política forneceu amplas ocasiões de mobilização nacional e revoltas populares no melhor estilo nacionalista da primeira metade do século XIX, compondo assim uma primeira tentativa de unificação da península em 1848, que resta frustrada.

A unificação italiana, porém, é oficialmente proclamada em 1861, formado por anexações militares e também pela via diplomática, mas principalmente pela vontade política do reino da Sardenha-Piemonte sob a Casa de Savóia, que era o único Estado realmente independente, nascendo a Itália do Risorgimento, a partir da expansão territorial do reino sardo-piemontês, com a capital em Torino.

Vittorio Emmanuele II, da casa de Savóia, foi o primeiro Rei da Itália unificada, contando com importantes nomes no processo de Risorgimento, como Giuseppe Mazzini (1805-1872), o Conde de Cavour – Camilo Benso (1810-1861) e Giuseppe Garibaldi (1807-1882), cujos objetivos eram de defender a idéia da Itália unificada, inclusive com o sul da Itália a fazer parte do novo reino. Posteriormente o Vêneto foi anexado em 1866 e Roma, em 1870.

Itália já unificada, restava então a construção efetiva do novo Estado e de uma nacionalidade, que passa a adotar a estrutura administrativa e burocracia piemontês, sendo que a partir de 1860, ninguém poderia dizer que a Itália era somente uma expressão geográfica.

Contrariamente aos grandes Estados-nações da Europa, a Itália nasce em 1861 politicamente fragilizada pela forte divisão norte-sul e a imensa divisão cultural entre os mundos rural e urbano. “Contrariamente” porque primeiramente formou-se o Estado – a Itália unificada – para somente depois constituir-se em nação, sendo que a identidade nacional era somente o reflexo das elites urbanas que falavam a língua de Dante e Petrarca, e não do povo, dos camponeses que falavam dialetos e que ainda estavam sob o chamado campanilismo, ou seja, em estreita ligação com a sua comunidade, com as tradições locais e que alimentavam rivalidades até mesmo entre vilas vizinhas.

Neste contexto é importante citar a famosa frase do politico piemontês Massimo Taparelli (Massimo d’Azeglio) – (1792-1866), segundo o qual “Fizemos a Itália; agora precisamos fazer os italianos”, dita na primeira reunião do Parlamento do recentemente unificado Reino italiano, que se referia aos obstáculos para a criação de uma consciência nacional única.

Foi esta, então, a tarefa que o Estado italiano se lançou nos anos seguintes à sua criação, procurando criar uma nação onde, na verdade, nunca existiu uma.
 Nessa época espalhou-se pelas praças das cidades italianas símbolos de identificação nacional, como monumentos  em homenagem à italianidade e estátuas de Dante Alighieri e Giuseppe Garibaldi. A língua italiana (variação erudita do dialeto fiorentino – de Firenze) era obrigatória nas escolas e nas publicações de obras literárias. A história comum italiana estava sendo recuperada pela criação do Archivio Storico nazionale, o  qual reunia os heróis nacionais.

Assim, os elementos nacionais dos Estados-nações da Europa foram usados na Itália já unificada, para criar os Italianos nos moldes nacionalistas do final do século XIX, como a língua comum, a cultura comum e a literatura, sustentando o incipiente Estado-nação italiano.

Este processo de unificação então, leva o nome de Risorgimento para tentar falsear a explicação de que a “Itália” como “Itália-unificada” na verdade sempre existiu, mas estava passando por uma crítica fase de fragmentação territorial e política e que a nação itaiana deveria ressurgir e continuar a existir com os novos elementos da Itália unificada, supervalorizando a nação enquanto tal.

Esta frágil situação se repetia também no mundo da Emigração Italiana, nas comunidades italianas espalhadas ao redor do mundo, onde o campanilismo também predominava. Porém a idéia de consciência nacional italiana estava também vinculada à identidade do país ao qual os descendentes eram provenientes, em uma acepção mais ampla.

Cerca de 26 milhões de pessoas deixaram a península entre 1870 e 1970. Muitos retonaram à Itália, mas cerca de 7 a 8 milhões não (11).

É por este grande deficit demográfico e também pelo reclame nacional ao serviço militar nas vésperas do primeiro grande conflito mundial que se explica a discussão no Parlamento italiano no que mais tarde se transformou na primeira lei nacional que disciplinava exclusivamente a concessão da nacionalidade italiana – a Lei n.° 555, de 13 de junho de 1912; tema antes tratado de modo genérico no primeiro Código Civil italiano, o Régio Decreto n.° 2.358, de 25 de junho de 1865.

3) A nacionalidade italiana

A transmissão da nacionalidade italiana independe do número de gerações posteriores ao italiano emigrante e é imprescritível.

3.1. A atribuição da nacionalidade italiana

A atribuição da nacionalidade italiana pode ocorrer em via originária e por via derivada, por isto é importante traçar desde já uma distinção entre “reconhecer” e “adquirir” a nacionalidade italiana.

Os casos de atribuição da nacionalidade italiana em via originária remetem ao reconhecimento automático através do nascimento do indivíduo filho de italianos e pelo caso específico da adoção de menor de idade, pela aplicação dos já citados critérios do ius sanguinis, ius solis e do critério misto.

Em referência ao descendente de italianos, na verdade, não se obtém, não se adquire a nacionalidade italiana por via derivada, pois ela é transmitida diretamente ao descendente através do já citado critério do ius sanguinis, pelo qual mantém-se o vínculo nacional através das gerações, a título originário, conforme era definido pelo artigo 1° da Lei 555/1912 e atualmente pelo art. 1.1, letra “a” da Lei 91/1992.

Este critério é de caráter extraterritorial, utilizado geralmente por países de emigração e objetiva conceder a nacionalidade ao indivíduo dada a origem de seus genitores, pouco importando o local de nascimento. O ius sanguinis permite a manutenção do vínculo do indivíduo com o Estado de origem pela Lei que sanciona a transmissão da nacionalidade.

Apesar da nomenclatura latina sanquinis, a transmissão da nacionalidade é feita pela filiação, e tal critério vem sendo utilizado desde a civilização clássica e ainda hoje é o sistema predominante na legislação e vários Estados de emigração.

Por esse princípio, portanto, todas as pessoas que possuem um ascendente italiano também são nacionais italianos porque conservam vínculos afetivos com a nação de origem, se nenhum dos indivíduos na linha genealógica precedente tenha renunciado expressamente a sua nacionalidade de origem.

Porém, para que o requerente possa gozar deste status, deve ter reconhecida a sua condição de nacional por autoridade italiana competente, construindo a sua árvore genealógica e fazendo prova documental através das certidões de registro civil (nascimento, casamento e óbito) dos seus antepassados até chegar no imigrante italiano.

A nacionalidade italiana não se perde com o tempo, pois é imprescritível, ou seja, a legislação não prevê o caso do descendente do nacional italiano perder o status por falta de pedido de reconhecimento à autoridade competente: o direito se mantém latente até que seja exercitado por ação voluntária do interessado.

Assim, caso o interessado se encontre em território italiano, deve fazer o requerimento no departamento de registro civil da prefeitura da cidade onde reside, o chamado ufficio di stato civile, endereçando-o diretamente ao prefeito – que detém a qualidade de oficial do Governo competente para reconhecer o pedido; ou, se o requerente for residente fora da Itália, deve encaminhar requerimento pela autoridade diplomática ou consular italiana.

No caso específico de adoção, a título de exemplo, quando a criança é reconhecida por sentença judicial como filho de nacional italiano, reserva-se também à criança o direito à nacionalidade italiana, a ser concedida pela autoridade competente do lugar de residência dos pais, tendo eficácia ex tunc, ou seja, de que a eficácia do reconhecimento do direito retroage até o momento do nascimento da criança, conforme a circular n.° K.60.1, de 11 de novembro de 1992.

Quanto ao segundo caso, de atribuição da nacionalidade italiana em via derivada, refere-se somente quando o requerente não é de origem italiana e faz o pedido de naturalização, sendo a nacionalidade concedida por Decreto do Presidente da República italiana; quando um dos cônjuges é de nacionalidade diversa e adquire a nacionalidade italiana pelo casamento, concedida por Decreto do Ministero dell’Interno, e pelo caso de benefício de lei (ope legis), nos casos, por exemplo, do artigo 9 do Tratado de Latrão (Trattato del Laterano), firmado entre a Santa Sede e a Itália e também, quando o filho de pais estrangeiros nasce em território italiano (aplica-se neste caso o critério ius solis até que o indivíduo complete a maioridade).

Assim, preenchidos os requisitos de lei, realmente se adquire o status civitatis italiano, por concessão da autoridade competente.

3.2. A legislação sobre a nacionalidade italiana

A legislação em respeito ao reconhecimento da nacionalidade italiana tem longa história que data desde o primeiro Código Civil do Reino da Itália.

Abaixo, a título exemplificativo, em ordem cronológica, estão relacionados todos os diplomas legais italianos e algumas jurisprudências que regulam as questões sobre a nacionalidade italiana desde o século XIX, a saber:

  • a) Régio Decreto n.° 2.358, de 25 de junho de 1865 (Código Civil do Reino da Itália);
  • b) Lei n.° 555, de 13 de junho de 1912, revogada pela Lei n.° 91, de 05 de fevereiro de 1992;
  • c) Constituição da República italiana de 27 de dezembro de 1947, com vigência a partir de 1° de janeiro de 1948, introduziu o princípio da igualdade jurídica entre homens e mulheres, transformado em Lei ordinária com a reforma do Direito de família de 1975 (Lei n.° 151, de 19 de maio de 1975);
  • d) Sentença da Corte Constitucional italiana n.° 87, de 09 de abril de 1975, que censurou mecanismos de perda da nacionalidade italiana por mulher que adquirisse a nacionalidade do marido, por casamento;
  • e) Sentença da Corte Constitucional italiana n.° 30, de 28 de janeiro de 1983, reconhece pela primeira vez a transmissão da nacionalidade via materna, em benefício do princípio da igualdade, previsto na Constituição italiana;
  • f) Lei n.° 123, de 21 de abril de 1983; aquisição da nacionalidade por parte do cônjuge estrangeiro;
  • g) Lei n.° 184, de 4 de maio de 1983, relativos a adoção de menores – equiparação destes aos filhos legítimos, também quanto à nacionalidade;
  • h) Lei n.° 180, de 15 de maio de 1986, que modifica o artigo 5° da lei 123/83;
  • i) Lei n.° 91, de 05 de fevereiro de 1992, revogou a Lei n.º 180 e reformou toda a matéria com eficácia ex nunc, ou seja, para o futuro, sem efeitos sobre acontecimentos personalizados e familiares acontecidos durante a vigência da norma anterior;
  • j) Lei n.° 379, de 14 de dezembro de 2000, sobre o reconhecimento da nacionalidade italiana de descendentes de italianos natos em territórios pertencentes ao extinto Império Austro-Húngaro;
  • k) Sentença da Corte Suprema di Cassazione Italiana n.° 4.466, de 25 de fevereiro de 2009, sobre a concessão da nacionalidade italiana aos filhos de mulheres italianas nascidos antes da vigência da Constituição Republicana italiana, ou seja, antes de 1° de janeiro de 1948.

A nacionalidade italiana no começo do século passado era regulada, portanto, pela Lei ordinária n.º 555, de 13 de junho de 1912, que previa a atribuição da nacionalidade pelo nascimento, pelo benefício de lei e pelo ius communicatio, que é a transmissão de direito somente para os filhos de italianos do sexo masculino, repudiando casos de dupla-nacionalidade, imputando a perda do status de nacional italiano em caso de aquisição voluntária de uma nacionalidade estrangeira, casos previstos pelos artigos 8 e 12 da referida lei.

Após várias reformas no tratamento legislativo vistas acima, o reconhecimento da nacionalidade italiana hoje é regulamentada pela Lei italiana n.º 91, de 5 de fevereiro de 1992 e pelas circulares do “Ministero dell’interno italiano” e Decretos do Presidente da República italiana, que disciplinam o assunto em âmbito administrativo.

Na Lei de 1992 mantém a mesma tipologia das formas de obtenção do reconhecimento e de aquisição da nacionalidade italiana da Lei anterior, porém o legislador tentou ao máximo eliminar os casos de perda da nacionalidade, sendo notória a sua intenção em perpetuar ao seu possuidor, o status de nacional italiano, como bem define o artigo 11:

Art. 11.
1. Il cittadino che possiede, acquista o riacquista una cittadinanza straniera conserva quella italiana, ma può ad essa rinunciare qualora risieda o stabilisca la residenza all’estero.

A Constituição italiana de 1948 ao não admitir discriminação entre os sexos, alterou o Código Civil e o direito de família.
A Lei de 1992 pode ser considerada como uma revisão constitucionalmente atualizada da Lei de 1912, tendo em vista a necessidade de adequar o tratamento constitucional com a nova vivência do Estado italiano, confirmando a tendência na perpetuação da relação dos seus nacionais com o Estado de origem.

O acórdão n.° 87, de 16 de abril de 1975, da Corte Constitucional Italiana censurou os mecanismos automáticos de perda da nacionalidade referentes ao caso da imposição da perda da nacionalidade determinada pelo artigo 10, § 3° da Lei n.° 555, relativa a perda da nacionalidade imposta à cidadã italiana que adquirisse o status do marido por casamento.

A nova lei de 1992 faz depender a perda da nacionalidade pela vontade do sujeito interessado, que se manifesta em forma de renúncia ou se deduz do seu comportamento, restando a possibilidade de perda da nacionalidade em limitadíssimas hipóteses, de difícil verificação.

Os procedimentos para a obtenção do reconhecimento da nacionalidade italiana são regulados por circulares do Ministero dell’Interno, que também especificam os documentos que instruem os pedidos para a obtenção do reconhecimento da nacionalidade italiana para os descendentes interessados.

A rede consular italiana no Brasil adotou, em fevereiro de 2002, um “único roteiro” para o reconhecimento da nacionalidade, sancionado pela Embaixada italiana no País, que apresenta a lista completa e especificada de todos os documentos necessários para dar entrada do pedido nas representações consulares, dando uniformidade administrativa em relação aos procedimentos em todos os consulados italianos no Brasil.

Considerações Finais

Estas poucas linhas sobre o tema da cidadania e nacionalidade no direito italiano retratou o difícil contexto histórico na formação do Estato Italiano nos moldes dos Estados-nações do século XVIII, destacando que a utilização do critério do ius sanguinis de forma ampla na formação da nação italiana foi e continua sendo um modo de perpetuar o ideário nacionalista, bem como de manter uma identidade nacional italiana, mesmo além das fronteiras territoriais da península.

A Itália como um país de emigração mantém o vínculo nacional sem limite de gerações, desde a formação do reino italiano, traduzidas por legislações específicas posteriores ao primeiro código civil do reino até a última lei de 1992.

Falamos em nacionalidade como critério mais amplo do que a cidadania, resgatando uma terminologia específica diferente da utilizada no Brasil para tratar do mesmo assunto, já que se trata da nacionalidade que é transmitida aos descendentes, e não a cidadania.

A diferenciação entre aquisição e reconhecimento facilita entender que os critérios utilizados pelo Estado italiano são aplicados pela via originaria e derivada da atribuição do status civitatis, pois ao descendente o critério aplicado é o ius sanguinis, em via originária pelo caráter de reconhecer a condição latente de nacional italiano.

Trata-se o ato de reconhecimento da nacionalidade de um ato administrativo simples – de análise da linha genealógica pela documentação comprobatória, de declaração de vontade por parte do interessado e com o final reconhecimento da autoridade competente.

Por fim e a título exemplificativo, trouxemos ao bojo da discussão a indicação dos diplomas legais revogados e vigentes, comentando alguns aspectos importantes da atribuição da nacionalidade italiana, que através do tempo tem mudado em alguns aspectos importantes, como a igualdade civis entre homens e mulheres advinda com a Constituição de 1948, a possibilidade de descendentes de imigrantes trentinos obterem o reconhecimento da nacionalidade italiana por via originaria, pela lei 379/2000.

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