O primeiro webinar – de uma série de três – sobre as novas propostas de reforma da lei sobre a cidadania italiana promovido por dois grupos de estudos da Universidade Federal de Santa Catarina será realizado na próxima quinta-feira (12/08) a partir das 11 horas, com transmissão ao vivo pelo YouTube. O conferencista convidado é o sociólogo Fabio Porta, ex-deputado no Parlamento italiano pelo PD – Partido Democrático, a agremiação política italiana que defende a inclusão do “ius soli” no ordenamento jurídico peninsular.
Os dois outros eventos da mesma natureza terão como palestrantes o senador Ricardo Merlo, do Maie – ‘Movimento Associativo Italiani all’Estero’, em setembro, e o professor Paolo Grossi, presidente emérito da Corte Constitucional da República Italiana, no mês seguinte.
Os debates, segundo o professor Arno Dal Ri Jr, autor da iniciativa, que será também o moderador, serão reproduzidos numa sala do Youtube (Avdotia ius commune), aberto a todos os interessados. Os interessados em participar dos debates podem se inscrever clicando aqui. O link será enviado ao seu endereço eletrônico do inscrito no dia do evento.
Os eventos são organizados pelo Ius Gentium – Grupo de Pesquisas em Direito Internacional – UFSC/CNPq e Ius Commune – Grupo de Pesquisas em História da Cultura Jurídica – UFSC/CNPq, com a co-organização da Revista Insieme. Terão como debatedores Desidério Peron, Jornalista e Editor da Revista; Daniel Taddone, Sociólogo; Andrey Taffner Fraga, Mestrando na UFSC e Vice-presidente do Circolo Trentino de Rio dos Cedros; e Alessandra Carioni, Professora de Língua Italiana e Vice-presidente do Círculo Ítalo-brasileiro de Santa Catarina.
Para falar sobre o assunto, entrevistamos o próprio autor da iniciativa, o professor Arno Dal Ri Jr, que explica os objetivos dos três debates organizados:
Enfim, a discussão sobre a cidadania italiana envolve também o mundo acadêmico. Quais os objetivos do debate anunciado?
Do ponto de vista teórico, as soluções tomadas pelo ordenamento jurídico italiano para resolver a questão da concessão da nacionalidade sempre foram muito peculiares e emblemáticas das condições em que aconteceu a unificação desse Estado, a partir de 1861, justamente um dos últimos Estados Nacionais europeus. Desde a fundação do Reino da Itália a doutrina sempre foi por um amplo e extenso reconhecimento da nacionalidade através do critério “ius sanguinis”, fenômeno consagrado a partir da emanação da lei de 1912.
Nenhum outro país manteve por tanto tempo um sistema tão vasto, que alcança não só ilimitadas gerações em praticamente todos os cantos do planeta, mas de modo excepcional se estendeu também a descendentes de pessoas de língua e cultura italiana nascidas nos territórios que pertenceram à monarquia austríaca e foram anexados pela Itália através do Tratado de Saint Germain-en-Layé, de 1919.
A Alemanha também possui o “ius sanguinis” como critério principal, mas coloca limites que geralmente fazem com que a concessão não ultrapasse a terceira geração nascida no exterior (somente em casos extremos, como aqueles relativos aos expulsos do país por questões políticas ou por discriminação racial, notadamente no período nazista, a norma apresenta exceções).
Os ordenamentos jurídicos da França e do Reino Unido além de possuírem limitações ao “ius sanguinis”, há décadas adotaram também o critério do “ius soli”. São híbridos, portanto, como também o é o nosso brasileiro.
A generosa tradição que se mantém há mais de um século e alcança os dispositivos da Lei italiana 91/92 se apresenta aos olhos do pesquisador como um âmbito de pesquisa único, assim como a prática cotidiana da aplicação da lei pelos órgãos administrativos e judiciários italianos também compõem um laboratório jurídico interessantíssimo que não possui similares em outras experiências na matéria.
O objetivo dos eventos que estamos organizando é analisar quais os possíveis impactos que as atuais propostas de modificação da legislação sobre a nacionalidade italiana que estão sendo trazidas pelos partidos políticos ao Parlamento podem ter sobre essa antiga tradição de uso quase exclusivo do critério do “ius sanguinis” através de um sistema de reconhecimento amplo e como pode eventualmente se articular a previsão de aquisição pelo critério do “ius soli”, resolvendo uma outra questão bastante significativa hoje na sociedade italiana, ou seja, a presença de indivíduos nascidos no território italiano que, sendo filhos e netos de estrangeiros, mesmo interagindo na sociedade e estando amplamente integrados a essa não possuem a nacionalidade italiana devido a rigidez do sistema.
Do mesmo modo, como resolver a questão ligada ao esgotamento das estruturas consulares diante de um número cada vez mais expressivo de descendentes de quarta, quinta e sexta geração candidatos ao reconhecimento da nacionalidade, mas que perderam por completo os vínculos culturais com o país dos antepassados sem demonstrar interesse em reavê-los.
Embora a proposta do PD no Parlamento pouco tenha a ver com “ius sanguinis”, o debate anunciado não passará ao largo do assunto. É essa a intenção?
A proposta do Partito Democratico está centrada sobretudo na possibilidade de concessão do “ius soli” utilizando modelos que foram estudados através das experiências jurídicas vividas em vários outros países, em particular na França e no Reino Unido, que já algumas décadas antes da Itália receberam fortes fluxos migratórios estrangeiros com a fixação dessas pessoas permanentemente naqueles países. O objetivo principal da proposta do PD se articula em dois níveis, um de direitos humanos e outro ligado à questão econômica. A primeira se pauta pelas ideias de dignidade humana e de justiça social ao tornar cidadãos italianos aqueles que culturalmente já o são, ou seja, os filhos e netos de imigrantes estrangeiros que, mesmo tendo origens diferentes, fizeram uma opção clara e concreta pela vida na sociedade italiana.
O segundo nível da proposta é voltado a absorver de modo definitivo um número imenso de pessoas integradas e com um cotidiano ativo na economia do país que hoje se tornaram fundamentais para a boa manutenção do sistema produtivo.
A questão ligada à ampla e irrestrita generosidade do reconhecimento pelo critério do “ius sanguinis” surge perifericamente neste âmbito e não é dito que deva ser necessariamente resolvida nessa reforma. Existem, sim, pressões de vários campos da sociedade civil e das instituições pedindo que sejam colocados limitações nos dispositivos que hoje são abertos no âmbito generacional, a grande maioria pautada em critérios bastante razoáveis como um comprovado conhecimento intermediário da língua italiana e suas variantes dialetais e/ou a fixação da residência por um determinado lapso de tempo no território do Estado italiano com abertura do processo para quarta geração em diante exclusivamente nos ofícios de registro civil das comunas da península e não mais nas repartições consulares (essas passariam a ficar responsáveis somente pela legalização dos documentos). Em parte as limitações seguiriam aquelas já instaladas nas regras que atualmente regem a concessão da nacionalidade aos cônjuges de cidadãos italianos e também em outras legislações
Como se encaixa nesta questão o direito adquirido e consagrado (mas na prática negado) de milhões de ítalo descendentes enfileirados diante dos consulados italianos que operam no Brasil?
Como a situação ainda está no campo hipotético, sem a presença de uma norma jurídica que a sustente não é possível fazer uma análise mais aprofundada sobre o tema. Em tese possuem direito adquirido todos aqueles que apresentarem um número de protocolo emitido pelas repartições consulares comprovando que o processo de reconhecimento da nacionalidade já foi efetivamente aberto com a apresentação dos documentos e está em andamento na data da emanação da nova lei comportando eventuais modificações no reconhecimento através do critério “ius sanguinis”. Nesse caso é mais difícil que as modificações os alcancem. Aqueles que, ao contrário, estão na fila para ainda apresentar documentos, ou que nem mesmo conseguiram entrar, serão alcançados pelas eventuais modificações.
Os “ouvintes” poderão também participar das discussões programadas e, se sim, como?
Sim, o debate será reproduzido em uma sala do aplicativo YouTube, aberto a todos os interessados.
Como a Universidade encaminhará, na sequência, o assunto?
O projeto desenvolvido pelos Grupos de Pesquisa em Direito Internacional e em História da Cultura Jurídica, ambos da Universidade Federal de Santa Catarina, prevê inicialmente a realização de três eventos no intuito de ouvir seja os representantes dos principais partidos políticos italianos atuantes na América Latina, seja a Corte Constitucional da República Italiana. Para o primeiro evento, marcado para às 11h00 do dia 12 de agosto, está convidado como conferencista principal Fabio Porta, que foi deputado no Parlamento italiano entre 2008 e 2018 e atualmente é coordenador do Partido Democratico no Brasil.
Para o segundo evento, que deve acontecer em setembro, está já confirmada a conferência com o Senador Ricardo Merlo, do Maie (‘Movimento Associativo Italiani all’Estero’ – NR).
Para o terceiro evento, que deverá acontecer em outubro, estaremos convidando o Prof. Paolo Grossi, Presidente Emérito da Corte Constitucional da República Italiana.
Os três eventos terão como debatedores Desidério Peron, Jornalista e Editor da Revista Insieme, Daniel Taddone, Sociólogo, Andrey Taffner Fraga, Mestrando na UFSC e Vice-presidente do Circolo Trentino de Rio dos Cedros, e Alessandra Carioni, Professora de Língua Italiana e Vice-presidente do Círculo Ítalo-brasileiro de Santa Catarina.
Os eventos ficarão a disposição do público interessado nos canais dos YouTube dos Grupos de Pesquisa que os realizarão. Após o término das iniciativas online os Grupos continuaram a monitorar as iniciativas legislativas e administrativas acerca da normativa sobre a cidadania italiana, publicando em artigos e em livros os resultados das pesquisas realizadas, assim como patrocinando a realização de dissertações e teses de doutorado sobre o tema.