u CURITIBA-PR – Uma reviravolta, sem prévio aviso, nos procedimentos para o reconhecimento da cidadania italiana ‘jus sanguinis’ a partir da Itália pode estar fazendo muita gente perder dinheiro e voltar frustrada para o Brasil: é que o governo italiano aboliu a permissão de estada (‘permesso di soggiorno’) de curto período (menos de 90 dias) e, sem esse permesso, os que buscam a cidadania não podem obter o atestado de residência nos municípios italianos – documento indispensável para a entrada dos papéis. Os pretendentes agora só conseguem encaminhar os requerimentos se ficarem na Itália por mais tempo, mas para isso devem se enquadrar nalgum dos casos previstos. Naturalmente, gastando mais dinheiro.

PATROCINANDO SUA LEITURA

A mudança na expedição do ‘soggiorno’, a princípio, nada tem a ver com descendentes de imigrantes italianos interessados no reconhecimento da cidadania italiana. Pelo menos é assim que parece e é enfatizado pelas autoridades. Mas, pelo menos para a América do Sul e, em especial, para o Brasil, onde milhares atravessaram o oceano como turistas em busca da cidadania italiana, a mudança tem conseqüências fatais e está causando outras mudanças sem precedentes: os consulados, antes literalmente atropelados pelas “filas das legalizações”, imediatamente bloquearam os serviços de autenticação de documentos alegando razões “cautelares”. E, ato contínuo, passaram a policiar também as solicitações de ‘soggiorno’ de longa permanência, cientes de que, como ocorre com águas represadas, a demanda acabará rompendo diques e encontrando um jeito de rolar em direção à foz.

Os efeitos colaterais da medida (ela entrou em vigor em 20 de fevereiro, primeiramente através de um decreto-lei) em toda a América do Sul onde o contencioso da cidadania é enorme, já eram de certa forma previsíveis para alguns, incluindo representantes no CGIE e presidentes de Comites, mas estes silenciaram, alegando segredo. “Não posso falar sobre o assunto”, repetiu Gianluca Cantoni, presidente do Comites do PR/SC. Até que os consulados, de forma muito semelhante e quase ao mesmo tempo, resolveram suspender o serviço das chamadas legalizações em meio a informações desencontradas, incluindo algumas que sustentavam o “fim da dupla cidadania”.

Somente em meados de abril é que começaram a ser esboçadas algumas reações. Capitaneadas por uma carta escrita aos deputados e senadores da América Latina pelo conselheiro do CGIE, Claudio Pieroni, de São Paulo, tais reações incluíam também a possibilidade de protestos em praça pública diante dos consulados. “Nós, da América Latina, somos os mais, ou talvez únicos, penalizados com a demora no reconhecimento das cidadanias – escreveu Pieroni aos parlamentares – e a única alternativa para não ficar na fila de espera por 50 anos foi aquela de apresentar o pedido diretamente aos municípios italianos”. Pieroni fala em mais de 500 mil pedidos sem atendimento no Brasil. E volta a argumentar pela necessidade de uma “força-terefa” dentro dos consulados, enquanto pede a adoção de medidas urgentes que restabeleçam o ‘status quo’, isto é, a possibilidade de apresentação pessoal do requerimento aos municípios italianos se a necessidade de longa permanência na Península.

Na verdade, talvez isso nem fosse preciso a prevalecer a informação e o entendimento jurídico da advogada Andrea Girello, de São Paulo. Especialista em processos de reconhecimento da cidadania ‘ius sanguinis’, ela explica que qualquer descendente de imigrante italiano com presumido direito ao reconhecimento de sua cidadania pode entrar na Itália (e ali permanecer por um ano inteiro) com o ‘permesso di soggiorno in attesa della cittadinanza’. Um permesso, entretanto, sobre o qual nenhum consulado falou e seus comunicados bilíngües e que o cônsul Riccardo Battisti, de Curitiba, diz desconhecer por completo.

Paradoxalmente, a reviravolta causada pela supressão da exigência do permesso para períodos inferiores a 90 dias, entretanto, pode ter aspectos positivos também para os que buscam o reconhecimento da cidadania italiana ‘ius sanguinis’. É que, livres das “filas da legalização”, os consulados não terão mais a desculpa até aqui recorrente de que a “coberta é curta demais” para deixar de lado as “filas da cidadania”. E, assim, os que aguardam pacientemente nessas enormes listas – em muitos casos há cerca de dez  anos sem resposta – poderão vir a ser atendidos pela ordem cronológica de entrada, conforme fora prometido à época. Sem gastar – como gastam todos os que vão em busca do direito em território italiano, mesmo em curtas temporadas – enormes somas de dinheiro, para alegria de atravessadores, intérpretes, tradutores, locadores, advogados e companhias aéreas.

Além disso, outros milhares, cujo requerimento sequer foi recebido no correr dos últimos tempos, poderiam, finalmente, dar sinal de que também pretendem a certidão de nascimento como cidadãos italianos que são, de fato e de direito, por princípio constitucional. Sem falar de outros milhares – e é isso que mete medo em algumas áreas da burocracia italiana – que, por descendência pelo lado materno antes de 1948, também poderão pleitear igual tratamento desde que projeto de lei nesse sentido em trâmite no Parlamento italiano seja, aprovado.

Como isso vai ser resolvido, eis a questão. O consulado de Curitiba, por exemplo, continua fechado para novos pedidos, conforme comunicado datado de 20 de março, quando também anunciou-se a revisão da lista de espera que foi retirada, há cerca de quatro meses, do site do órgão na internet. A lista, segundo o mesmo comunicado, “está sendo submetida a uma revisão e atualização e será publicada tão logo seja possível” – uns três ou quatro meses, segundo antecipa.