Dizendo que espera poder voltar ao Brasil, onde foi recebido com “muito calor humano”, o maestro, organista e cravista italiano Fabio Bonizzoni disse acreditar que o Brasil, ao lado da China, são dois países em que, ao contrário do que está ocorrendo na Europa, a música erudita está em franco desenvolvimento. “Nesse momento, na Europa – disse Bonizzoni a Insieme – está havendo um ‘fechamento’. Me parece que estão sendo esquecidos um pouco os valores culturais que estão, substancialmente, na base de toda a Europa”. É necessário, segundo ele, que os governos europeus entendam que “é preciso investir em cultura para poder vencer a crise”. O maestro é considerado um dos principais cravistas e organistas de sua geração. Formou-se em órgão barroco e cravo no Conservatório de Haia. Ele dirigiu dois concertos da Camerata Antiqua de Curitiba (sexta e sábado últimos) na Capela Santa Maria, encerrando o evento “Mia Cara Curitiba”.
Fabio Bonizzoni, que é professor junto ao Conservatório de Trapani e ao Conservatório da Suíça italiana de Lugano, depois de ter sido também professor no Conservatório de Aia, na Holanda, disse ter ficado muito contente com o resultado da experiência realizada em Curitiba. Insieme gravou, com a permissão do maestro, o concerto realizado na noite de 30/05, na Capela Santa Maria, onde a Camerata Antiqua interpretou obras de Arcangelo Corelli, Antonio Vivaldi e Francesco Geminiani – compositores italianos que viveram entre 1653 e 1762. O concerto está dividido em dois vídeos.
A seguir, transcrevemos a rápida entrevista que nos concedeu com exclusividade:
Primeira vez no Brasil?
Primeirissima vez no Brasil. Minha primeira impressão foi de um lugar muito amplo, grande… já a partir do aeroporto se percebe que essa parece uma terra com os horizontes quase ilimitados. E, depois, tive uma calorosa acolhida da genta brasileira.
Como foi a experiência?
Foi um belo concerto. Era muito importante para mim trabalhar com os músicos aqui do Brasil, trocar opiniões com eles e cruzar experiências recíprocas. Fiquei contente com a qualidade atingida. Tivemos dois dias de ensaios intensos e acho que a orquestra cresceu muito nesses dois dias e – me parece – criou-se um bom relacionamento. Por isso, fiquei muito contente. É uma orquestra bastante jovem, ainda que tenha uma grande tradição. A mais antiga, creio, seja a Orquestra Sinfônica do Paraná, que tive o prazer de ouvir num grande concerto.
Virá mais vezes?
Com o relacionamento iniciado, esperamos e fazemos votos que surjam outras oportunidades. Tenho amigos em São Paulo, amigos que trabalham também com a música um pouco em São Paulo e na Itália.
Como está o panorama da música erudita pelo mundo? Poderíamos falar de um “ressurgimento”?
Depende de onde. No Brasil, ouço dizer que existe um bom desenvolvimento da música e das artes tradicionais europeias, assim como também se desenvolvem na China. Nesse momento, na Europa, está havendo um ‘fechamento’. Me parece que estão sendo esquecidos um pouco os valores culturais que estão, substancialmente, na base de toda a Europa. Porém, esperamos que as tendências se invertam e que se volte a entender a importância da força da união que existe em torno da cultura, da música, da arte em geral…. especialmente entre o povo europeu, que, embora a política seja diversa, têm a mesma base cultural. Isso tudo acompanha essa crise de valores, sim, mas esperemos que alguém entenda que é preciso investir em cultura para poder vencer a crise…
E vencer também o rock?
É…. mas também o rock faz parte da cultura ocidental. Menos europeia, talvez mais americana, porém também inglesa. Não creio que se deva vencer o rock. Existem, acredito, outras coisas a serem vencidas no momento. A produção artística, neste setor, também na Itália, seguramente está em crise. Atualmente os governos europeus, particularmente o Italiano, não parece investir muito em cultura. Por isso fico feliz de ver que aqui, no Brasil, existem eventos, como este “Mia Cara Curitiba”, que celebra a cultura italiana em todas as suas formas: o cinema, a dança popular, a música tradicional italiana… ainda que me digam que também o Brasil esteja atravessando uma crise política.
Permanece mais tempo?
Infelizmente, volto imediatamente para a Itália, onde tenho compromissos já marcados para um concerto em Milão, domingo próximo.
Sua especialidade é o Cravo, um instrumento bem antigo!
Sou um apaixonado por Cravo. E por Órgão – são os dois instrumentos que toco. Porém, também aqui vi… existe esse Cravo da Camerata, e me disseram que existe também um Cravo na Universidade. Então, não é muito conhecido, mas existe. Trata-se apenas de desenvolvê-lo. Falaram-me também de uma pessoa que toca teorba e ensina música antiga na Universidade, onde estão se organizando para uma ópera a ser apresentada brevemente.
Então, em termos de música erudita, o sr. vê positivamente o Brasil!
Seguramente, acho que no Brasil exista espaço para a popularização da música erudita… faço votos que sim, mas estou convencido que haja, porque são muitos os jovens brasileiros que vão estudar na Europa e, portanto, parece-me que, se há interesse, não posso pensar que num país como o Brasil não haja espaço… porque o público existe e me parece que a gente brasileira tem a música no sangue… a música, a dança… E, depois, acho que, havendo esse interesse, que é testemunhado por esses jovens que vão estudar na Europa, antes ou depois deve-se dar a eles a oportunidade de poder estudar também aqui. Não que não devam ir à Europa, mas para poderem estudar aqui e, portanto, que mais classes sociais possam aproximar-se da música.
Bem, agora a estrada agora está aberta… como aconteceu, como lhe descobriram?
Isso não sei, porém eu dizia ontem à orquestra que quando chegou-me a proposta de vir aqui para Curitiba, no intervalo de uma semana entre um projeto e outro, pensei de não ir porque era exatamente a única semana livre que eu tinha. Mas vim e estou muito contente de ter vindo. Por tudo: pelo trabalho que fizemos, mas, também pelo calor humano que encontrei aqui. Portanto, espero poder voltar.