“Soubemos pelas páginas da Insieme que o consulado em Curitiba terá nova direção em breve, então uso minhas considerações finais para deixar aqui um apelo para o novo cônsul que vai chegar: dê atenção a esses processos trentinos. Essas notícias de processos sumidos ou desaparecidos nos entristecem muito. Por trás deles existem pessoas, sonhos, famílias… então eu peço que a nova representação que irá chegar dê atenção a isso, tente localizar esses processos, tente entender o que aconteceu de errado, para que eles cheguem a um término, que os requerentes e os círculos tenham uma resposta”.
Mais: “Nós ajudamos a montar esses processos, fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, e gostaríamos de ver isso concluído, e não pela metade. Nos entristece muito saber que, dez anos depois de esgotado o prazo da lei, tem processos parados ou sumidos, e aguardamos uma solução”.
Assim o hoje advogado Andrey José Taffner Fraga, de Rio dos Cedros-SC, que à época era um estudante que se empenhou de corpo e alma no trabalho de voluntariado junto ao círculo trentino local para a organização e encaminhamento dos pedidos de reconhecimento da cidadania italiana na região, encerrou a vídeo-entrevista que concedeu sexta-feira à tarde, à Revista Insieme, dentro da série “20 anos da Lei 379/2000”.
A norma permitiu que descendentes de imigrantes de áreas italianas antigamente pertencentes ao Império Austro-Húngaro pudessem fazer, de forma tardia, a opção de nacionalidade prevista pelo Tratado de Saint Germain, ao término da I Guerra Mundial, em setembro de 1919.
A lei, como se recorda, foi editada em 2000 com o prazo de cinco anos, e teve sua vigência prorrogada até o final de 2010. Mas, uma década após, um volume próximo da metade dos pedidos protocolados (cerca de 50.000 em todo o Brasil) estão inconclusos e, além disso. têm paradeiro incerto. Todos os pedidos dependiam ou dependem de parecer prévio de uma comissão especial e interministerial, estabelecida em Roma, antes de serem deferidos pelos consulados.
Um número não sabido de pedidos estão numa espécie de “limbo”: em Roma, dizem que estão no consulado, ou que não receberam o pedido; no consulado, informa-se genericamente que estão em Roma, num jogo de empurra-empurra que está levando muitos interessados, às vezes famílias inteiras, a gastar dinheiro com advogados particulares ou contratados através de empresas de assessoria que passaram a surgir com o aumento das dificuldades.
O problema maior concentra-se na jurisdição do Consulado da Itália em Curitiba, que se estende pelos Estados do Paraná e Santa Catarina, e cuja população descendente de imigrantes trentinos é a maior fora do Trento, responsável por cerca de 50% dos pedidos apresentados.
No Consulado de Curitiba, o problema é mais grave também porque descobriu-se que a autoridade italiana “esqueceu-se” de legalizar os documentos, praticamente a única coisa que lhe restava fazer depois de receber os processos todos prontos do Círculo Trentino local. Isso obrigou os requerentes a uma nova rodada de atualização documental, incluindo o apostilamento (norma que entrou em vigor bem depois) com, naturalmente, acréscimo nos custos finais de cada reconhecimento.
A situação levou o advogado e ex-presidente do Círculo Trentino de Curitiba, Elton Stolf, hoje residente em Joinville-SC, a bolar um pedido de esclarecimento (tecnicamente chamado de ‘diffida’) que cada interessado, após preencher, deve enviar por correspondência registrada e com AR (Aviso de Recebimento) ao Consulado.
Em seu trabalho como voluntário, Taffner tornou-se um especialista no assunto que nunca deixou de acompanhar, inclusive como advogado, posteriormente. Na vídeo-entrevista, além de comentar sobre o recurso à ‘diffida’, ele relembra tudo o que foi feito por equipes de jovens que se juntaram aos círculos no trabalho dativo de orientar, organizar e encaminhar os processos ao Círculo Trentino de Curitiba que, devido a um acordo com o Consulado, funcionou como uma espécie de central para os dois Estados.
Inicialmente, as informações eram fornecidas aos interessados, quer através do Círculo de Curitiba, quer mesmo através das páginas de Insieme, mas alegando a lei da “privacy” o consulado de um momento para outro silenciou completamente sobre o estágio de cada processo. A falta de informação foi, inclusive, uma das causas que desmotivaram pessoas e entidades que até então se dedicaram à causa.
Ao analisar o papel representativo dos círculos e associações de trentinos – mais de 60 no país –, mais voltadas para questões culturais, como sempre foi desde o início, ele afirma que não houve omissão dos círculos que, cumprida aquela fase, apenas voltaram à sua atuação de rotina.
Mas admite que, diante da situação criada, “esse debate todo que está ocorrendo”, isso poderá levar os círculos a “pensar novamente qual poderá ser sua atuação frente ao problema”. O advento da pandemia do coronavirus, segundo ele, interrompeu muitos encontros que já estavam programados durante esse tempo.
“Os círculos nunca negaram ajuda na questão da cidadania”, diz Taffner, que durante a entrevista ressaltou a importância do trabalho voluntário que se desenvolveu sobre a questão da cidadania, inspirado, inclusive, nas orientações – e atuação inclusive no âmbito parlamentar, hoje ausente – do saudoso diretor da ‘Trentini nel Mondo’, Rino Zandonai, falecido pouco antes do término do segundo prazo da lei.