Lei que concede a cidadania por direito de sangue “é uma grande oportunidade para a internacionalização da Itália”, afirma o deputado Fabio Porta.

u CURITIBA – PR – A proposta de colocar entraves na obtenção do reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue volta à tona, agora, com o início do “mutirão da cidadania” em quatro Países da América do Sul e com a visita ao Brasil e à Argentina do subsecretário Alfredo Mantica, do Ministério das Relações Exteriores do governo italiano, que tem a competência para os italianos no mundo.
Mantica, que amanhã (03.07.2008) chega a São Paulo, repetiu na Argentina, onde iniciou sua viagem à América do Sul, que é favorável à exigência de pré-requisitos para os interessados no reconhecimento da cidadania italiana. Pela legislação italiana em vigor, todo descendente de italiano, italiano é, em todo o mundo e sem pré-requisitos ou restrições, desde que prove a ascendência.
Uma das exigências aventadas seria o conhecimento da língua italiana, além de noções até aqui não bem explicadas sobre a Constituição italiana. Alguns falam também em noções de geografia e de história. O objetivo seria, conforme admite Mantica, evitar o uso instrumental da cidadania italiana, isto é, os que buscam o reconhecimento desse direito apenas para ir aos Estados Unidos ou outros países, mesmo da Europa.
O tema, já abordado por Insieme em diversas oportunidades, volta assim a preocupar milhares de ítalo-brasileiros interessados na cidadania italiana. No Brasil, vivem cerca de 30 milhões de ítalo-descendentes e apenas cerca de 300 mil conseguiram obter o reconhecimento junto aos consulados, onde mais de 500 mil pedidos aguardam processamento. Com o crescimento da demanda, nos últimos anos, alguns consulados, como o de Curitiba, ficaram fechados ao recebimento de novas solicitações. A alegação sempre foi a de que há falta de estrutura e de pessoal.
O “mutirão da cidadania” anunciado no final do governo Prodi, depois da aprovação de recursos orçamentários específicos, prevê uma estrutura capaz de – segundo se anunciou – limpar as gavetas dos processos existentes dentro do prazo de dois anos, ou dois anos e meio. Além do Brasil, o mutirão envolve consulados da Argentina, Uruguai e Venezuela, onde mais de um milhão de pedidos aguardam processamento.

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O deputado Fabio Porta (Foto DePeron/Insieme)

O anúncio de restrições na legislação, neste momento, está funcionando como uma espécie de dique para conter – agora de outras maneiras – a sempre temida “avalanche de pedidos” por parte, principalmente, de setores da burocracia romana. Coisa que, na visão do deputado Fabio Porta, por exemplo, não tem cabimento. “Espero que ele (Alfredo Mantica) não tenha a idéia de mudar a lei porque seria grave, além do governo cortar a verba para os italianos no exterior” – disse o deputado numa recente entrevista à BBC Brasil. “A lei é uma grande oportunidade para a internacionalização da Itália”, acrescentou ele. Outro deputado eleito no Exterior, o ítalo-argentino Ricardo Merlo, também se opõe às mudanças apregoadas.
A matéria publicada pela BBC Brasil, com a assinatura de Assimina Vlahou, é transcrita, na íntegra, abaixo.

Itália estuda dificultar processo de cidadania
De Roma para a BBC Brasil
 
No Brasil, 500 mil descendentes estão à espera do passaporte italiano
O conhecimento da língua e noções básicas da Constituição são algumas das condições que o governo italiano estuda exigir para dar cidadania a descendentes de italianos, segundo um funcionário do Ministério do Exterior da Itália.

Em entrevista ao jornal argentino Clarín, Alfredo Mantica, secretário do Ministério para assuntos ligados aos italianos no exterior, confirmou que o governo liderado pelo conservador Silvio Berlusconi tem a intenção de adotar normas mais restritivas para a concessão da cidadania.
Essa possibilidade já tinha sido levada em consideração pelo governo anterior, de Romano Prodi.
“Não queremos afetar os direitos dos descendentes de italianos, mas a cidadania deve ser muito mais do que um simples reconhecimento ou ato administrativo”, afirmou Mantica, do partido Aliança Nacional, pouco antes de embarcar para a América do Sul, na segunda-feira.
Em visita a Buenos Aires e São Paulo, onde chega nesta quinta feira, Alfredo Mantica deve tratar, entre outras coisas, dos atrasos nos milhares de processos em curso para obter a cidadania.
Mantica disse ao jornal argentino que o pedido de cidadania deveria ser complementado com “cursos de formação para conhecer a língua e a Constituição italianas e os princípios fundamentais da nossa democracia”.
Cidadania ‘instrumental’ – Segundo o Clarín, o secretário teria feito referência ao uso “instrumental” da cidadania. Muitos pediriam o passaporte para ter acesso a outros países da União Européia ou para conseguir mais facilmente o visto para os Estados Unidos.
O representante da Argentina no Parlamento italiano, Ricardo Merlo, eleito no grupo misto da Câmara dos Deputados, se disse “totalmente contrário” à obrigatoriedade de conhecer a língua italiana para ter a cidadania.
Ele é um dos 18 parlamentares, 16 deputados e 6 senadores eleitos pelos italianos que vivem no exterior.
“Não é justo, a cidadania é um direito constitucional que devemos defender sem condições. Temos direito de sangue, reconhecido. Conheço italianos que não falam italiano, como os que moram na região do sul do Tirol, que falam dialeto austríaco. Não há discussão”, disse Merlo à BBC Brasil.
Já o único representante do Brasil no Parlamento italiano, Fabio Porta, eleito pelo Partido Democrata, de centro-esquerda, é mais favorável ao conhecimento do idioma italiano para conseguir o passaporte.
“A cidadania tem que ser ligada a um interesse real de adquirir os próprios valores, língua e cultura, mas isso sem mudar a lei que concede a cidadania”, disse Porta à BBC Brasil.
Lei atual – No entanto, o parlamentar, que vive no Brasil desde 1995, considera “grave” qualquer modificação da atual lei da cidadania, aprovada em 1992.
A legislação se baseia na transmissão da descendência por parte de pai a todas as gerações, sem restrições. Já do lado materno, a nacionalidade é restrita a quem nasceu depois de 1948, quando a Itália igualou direitos de homens e mulheres.
“Espero que ele (Alfredo Mantica) não tenha a idéia de mudar a lei porque seria grave, além do governo cortar a verba para os italianos no exterior. A lei é uma grande oportunidade para a internacionalização da Itália”, disse.
Na avaliação de Ricardo Merlo, existe uma tentativa de mudar a lei atual. “Há um partido no Parlamento que quer mudar a lei para limitar a concessão da cidadania, mas vamos nos opor duramente a isso porque nos parece contra a Constituição”, afirmou.
Segundo informações da embaixada da Itália em Brasília, em todo o Brasil há cerca de 500 mil descendentes de italianos à espera do passaporte.
Pressão – “Há uma pressão muito forte. Só em São Paulo, são potencialmente 5 milhões de cidadãos italianos, nem mesmo a população de Milão chega a essas cifras”, disse à BBC Brasil um porta-voz do Ministério do Exterior italiano.
“Em todo o Brasil, há mais de 20 milhões de descendentes de italianos. É difícil cuidar de todos esses pedidos de cidadania. Não queremos agir de forma rápida e superficial, com uma política de fechamento, mas começamos uma discussão do problema que deve ser resolvido no interesse de todos”, afirmou o funcionário.
O porta-voz do Ministério explicou que qualquer modificação da lei em vigor deve passar pela aprovação do Parlamento.
De acordo com o Ministério, ainda não há uma proposta de lei, apenas uma discussão que deve envolver representantes das comunidades locais e os 18 parlamentares eleitos pelos italianos no exterior.
Segundo Fabio Porta, falar em 5 milhões de potenciais cidadãos italianos é uma maneira “equivocada” de colocar o problema.
“Esses números são usados como alarmismo e terrorismo porque não são reais. O processo para obter a cidadania é complicado e a grande maioria nem tem condições de conseguir a documentação necessária”, disse Porta.