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Aspecto do Pavilhão B da Proeb no momento da abertura da “Festa Cívica da Cidadania Italian a” (Foto DePeron)

u BLUMENAU – SC – O pavilhão B da Proeb foi pequeno para abrigar as mais de seis mil pessoas que compareceram dia 16 (sábado, 16.07.2005) no maior evento já organizado para a coleta de assinaturas de aspirantes à cidadania italiana por direito de sangue (jure sanguinis). O acontecimento movimentou a 12ª Festitália, aberta na noite anterior, e se constituiu numa demonstração de força e de organização dos círculos trentinos de Santa Catarina e do Paraná, liderados pela equipe do presidente do Círculo Trentino de Curitiba, Ivanor Minatti e organizado pelo Círculo Trentino de Blumenau, através do Sr. Danil Anesi. Famílias inteiras provenientes de todos as regiões de Santa Catarina e do Paraná, mas especialmente das cidades do Vale do Itajaí, se reencontraram para o ato cívico há tanto tempo esperado e que na maioria dos casos exigiu demoradas pesquisas acerca da própria história para a reunião da documentação exigida. O ato deu seqüência a um procedimento iniciado em 2003, totalizando já quase 6.700 assinaturas. Num clima de festa, às 7 horas da manhã já era grande o número de pessoas que chegavam para as assinaturas que, pouco depois das 13 horas, estavam todas realizadas.

A solenidade de abertura, assinalada pela execução dos hinos da Itália e do Brasil pela banda do 23º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro sediado em Blumenau, teve momentos emocionantes e contou com a participação, entre outros, do diretor da Associazione Trentini nel Mondo, Rino Zandonai; da presidente da Federação dos Círculos Trentinos do Brasil, Iracema Cani; do consultor da Província Autônoma do Trento no Brasil, José Eraldo Stenico, do representante das Famílias Trantinas no Brasil, Silvio Vitti; do vice-cônsul geral da Itália no Paraná e Santa Catarina, Giorgio Pitolli; do bispo de Blumenau e região, Dom Ângelo Sândalo Bernardino; do presidente do Comites para o Paraná e Santa Catarina, Gianluca Cantoni; do comandante do 23º Batalhão da Infantaria, sediado em Blumenau, Tenente Coronel Edson Oliveira da Silva; dos presidentes do Círculo Trentino de Blumenau e do Lira Círculo Italiano de Blumenau, respectivamente Giovana Panini e Cacídio Girardi, além do presidente do Instituto Fundação Itália, Mirco Pacagnella e de representantes da prefeitura local e do governo do Estado de SC.

Falaram na oportunidade, Ivanor Minatti, pela organização; José Campestrini, agente consular na região pelo Consulado Geral da Itália; Rino Zandonai pela Trentini nel Mondo e, ao final, o bispo Ângelo Sândalo Bernardino para abençoar e pedir que “a espera pelo reconhecimento da cidadania italiana não demora mais que quatro ou cinco anos”.

UM POUCO DE HISTÓRIA – Dando o tom do momento, Minatti explicou que quando, 1920, o Tratado de San German reduziu o tamanho do território do Império Autríaco (ou Áustro-Húngaro), os cidadãos que moravam nas áreas devolvidas à Itália foram convocados para declarar formalmente sua preferência de nacionalidade. Bem antes, há cerca de 45 anos – prosseguiu – iniciara-se o grande êxodo italiano. “Nossos nonnos, bisnonnos já estavam por aqui. Os que saíram da Itália acossados pela fome, pela miséria ou por qualquer outro motivo correlato, nem ficaram sabendo da exigência estabelecida. Não se declararam austríacos, nem Italianos.”

Minatti proseguiu explicando que “hoje, 130 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes em território Brasileiro, temos nós, descendentes, a oportunidade de fazer a opção que eles não fizeram. Estamos aqui – enfatizou – como que em lugar deles para dizer que optamos pela nacionalidade italiana e, assim, abrir as portas para um outro direito nosso de sangue – a cidadania italiana jure sanguinis. Somos italianos porque descendemos da gente italiana, assim como os romanos continuavam romanos mesmo se nascessem nas Gálias.”

Ele lembrou que “esse direito que exercemos hoje não aconteceu de graça. Foram necessários muitos anos de luta, até o advento e regulamentação da Lei  de 14 de dezembro de 2000, que tomou o número 379. Ela permitiu que os que emigraram entre 25 de dezembro de 1867 (data da constituição do Império Austro-Húngaro) até 06 de julho de 1920 (data do Tratado de San German), pertencentes ao grupo étnico-linguístico italiano, optassem pela cidadania italiana.

As declarações precisam ser pessoais e diante da autoridade consular. É por isso que estamos aqui, como já estivemos em outras oportunidades, desde que iniciamos esse trabalho em 2003: primeiro foi Curitiba, depois Joinville, Jaraguá do Sul, Nova Trento, Florianópolis, Rodeio, Santa Maria do Novo Tirol em Piraquara (na Grande Curitiba), Rio do Sul e agora em Blumenau. São mais de 6.600 assinaturas até esta data, considerando as de hoje.”

O coordenador de todo o processo assegurou sua “satisfação de dizer que isso acontece porque os círculos trentinos, com sua capacidade organizativa, tomaram a dianteira e ofereceram uma saída ao Consulado que, sabidamente, não tem estrutura suficiente para o atendimento às demandas. É por isso, inclusive, que estamos pedindo para que o prazo da lei, que vai até 14 de dezembro próximo, seja prorrogado” informou Minatti, para explicar que os processos iniciados com a assinatura de cada requerente vão a Roma, para a análise de uma Comissão Especial e “depois voltam ao Consulado de origem para o procedimento do reconhecimento da cidadania italiana.” Isso com certeza vai demorar algum tempo, explicou ainda, “mas as famílias que assinam estes documentos hoje iniciam, na prática, o processo de reconhecimento da dupla cidadania” Concluindo, Minatti lembrou que “somos brasileiros – e temos orgulho disso – porque aqui nascemos; somos italianos – e igualmente com orgulho – por direito de sangue. É um duplo direito, reconhecido pela Constituição dos dois Países. É uma dupla obrigação, pois não há cidadania sem direitos, de um lado, e deveres ou obrigações, de outros. Entre os deveres está, certamente, aquele de continuar a cultivar nossas origens”.

 

ESTUDAR A LÍNGUA – Exprimindo sua satisfação de, como trentino de origem, estar ali falando em nome do Consulado e, portanto, da pátria-mãe, José Campestrini historiou tempos de miséria durante os quais milhares de italianos foram rechaçados de suas terras nativas mas que, em lugares distantes e igualmente difíceis, souberam guardar o amor à sua cultura num “porta-jóias chamado coração”. “Nossos trentinos jamais cantaram hinos austríacos ou húngaros”, disse ele, mas também não tiveram oportunidade de expressar sua opção pela nacionalidade italiana depois do Tratado de San German porque sequer sabiam aqui da existência de consulados. Mesmo sem o reconhecimento formal, são italianos que dominaram o mundo e que hoje prestam um significativo juramento de amor à cultura e às tradições. “Ser italiano – advertiu – é viver a cultura italiana”. Por isso, admoestou a todos: “Não deixem de estudar a língua italiana”. E de levar, além da constituição brasileira, também a constituição italiana debaixo do braço, pois quem tem direitos também tem deveres”.

O orador que sucedeu Campestrini foi Rino Zandonai. Ele reconheceu, emocionado, o “trabalho importante de tantos” para que chegasse o momento da assinatura e historiou o trabalho da Trentini nel Mondo para que a lei fosse aplicável num momento em que “a Itália não estava preparada e tínhamos problemas de organização”. Disse que atualmente a instituição, que coordena cerca de 240 círculos em todo o mundo, está empenhadas em obter a prorrogação da vigência da lei (para fazer a opção de nacionalidade), cujo prazo a princípio termina em 14 de dezembro próximo, e também no aceleramento dos processos pela Comissão Interministerial sediada em Roma. Segundo Zandonai, uma das comissões do Parlamento já deu parecer favorável à prorrogação. Garantiu que a Trentini nel Mondo está fazendo todo o esforço possível para o atendimento às demandas das comunidades que representa. Ao final, declarou-se orgulhoso pela numerosa presença de famílias: “Vossa numerosa presença nos enche de orgulho. Alcançar o objetivo da cidadania italiana ajuda todos nós a reforçar a unidade entre a Itália e o Brasil, a criar maior relacionamento profissional, de trabalho ou de estudos e, assim, criar novas oportunidades para todos”. No final de seu discurso, Rino homenageou as principais lideranças da comunidade trentina no Brasil presentes no evento.

 

NÃO VAMOS INVADIR A ITÁLIA – O último a falar foi o bispo Dom Angelo Sândalo Bernardino. Iniciou dizendo que italiano fala com o coração, com a boca, mas também  com  as mãos. Observou que é bom ser cidadão brasileiro e cidadão italiano, mas “nós devemos é ser cidadãos do mundo todo” porque assim “não esquecemos a solidariedade e nos lembramos das multidões que sofrem”. O bispo disse ter orgulho de suas origens – de um lado plantadas em Gênova, de outro em Rovigo. Lembrou a herança deixada pelos “nossos avós, baseada no amor ao trabalho, à família e à religião”. “Não há italiano que é italiano verdadeiro que não se agarra a Deus de alguma forma”, disse ele. Em vista das enormes “filas da cidadania” diante dos consulados, fez uma “recomendação com muita liberdade” aos representantes do governo italiano: “Que a Itália, a pátria-mãe, não tenha medo. Nós não vamos invadir a Itália. As dificuldades que eles colocam ao reconhecimento da cidadania é, antes de tudo, por problemas econômicos. Mas, repito, eles não tenham medo. Nós não vamos invadir a Itália. Nós queremos realmente esta cultura ampla, luso-brasileira-italiana”.

Reforçou a recomendação antes realizada por Campestrini, principalmente aos jovens: “aprendam a língua italiana. Que os círculos italianos se esmerem para o aprendizado da língua italiana. Que Deus abençoe a todos, a cada um e a cada família, e que, o reconhecimento da cidadania italiana aconteça em menos de quatro ou cinco anos”, finalizou o prelado.

 

 

Mais de 50 pessoas estiveram diretamente envolvidas na organização do evento. (Foto DePeron)