Autor de diversos livros sobre o jeito ‘talian’ de ser e de falar, incluindo o “Dicionário Português-Talian”, morreu na manhã de hoje em Pinto Bandeira-RS, Darcy Loss Luzzatto, aos 85 anos de idade. Natural daquela cidade, além de escritor, foi professor, tradutor, conferencista e – como gostava de dizer – cozinheiro, tanto que uma de suas últimas obras é sobre “Sabores da Itália”. Ao lado dos também já falecidos Frei Rovilio Costa e Honório Tonial e de outros ainda vivos, foi um dos baluartes da luta pelo reconhecimento e valorização do ‘talian’ como patrimônio cultural nacional. Darcy deixa viúva a esposa Eliza.
“Semo securi che dio ze drio farghe un bel posto intel cel e che nostro mestre Rovilio Costa lo ga ciapà in man e ze drio discorer con i altri amici sora la stòria dela imigrassion in Brasile e in spessial parlando talian” (estamos certos que deus destinou-lhe um belo lugar no céu e que nosso mestre Rovilio Costa o pegou pela mão e, com os outros amigos, está a discorrer sobre a história da imigração no Brasil, falando especialmente em ‘talian’), escreveu no grupo do Whatsapp dos ‘radialistas de talian’ o médico Paulo Massolini, presidente da Fibra – Federação das Associações Ítalo-Brasileiras do Rio Grande do Sul.
O escritor já há algum tempo apresentava problemas de saúde, mas a causa derradeira de seu falecimento não foi divulgada. Em todo o mundo ‘talian’ que se manifesta em seus múltiplos canais específicos das redes sociais, e também no setor da radiodifusão que se ocupa de manifestações culturais ligadas aos imigrantes italianos de todo o Sul do País, sua perda está sendo comentada. Artistas populares do ‘talian’ prestam-lhe homenagens comovidas desde que a notícia foi tornada pública.
Luzzatto, incluído entre os “vovôs da imigração italiana no Brasil” (100 Nonni) publicado com o patrocínio da Fiat, começou sua vida como auxiliar de tropeiro, formou-se em Matemática e Física, trabalhou como professor, virou editor e livreiro mas é como escritor que ele é mais conhecido. Suas origens são vêneto-belunesas mas tinha muito orgulho de ser gaúcho: “Eu sou do Rio Grande do Sul, no Brasil, uma terra a mais de 12 horas de avião daqui, onde o Vêneto que se chama Talian, depois de anos de sofridas perseguições, agora tornou-se uma língua oficial brasileira: e mais considerada que na Itália!” – resposta que diz ter dado a um artesão de Murano, Veneza, ao ser perguntado de onde vinha.
Em “100 nonni”, Luzzato explica como teve origem a palavra ‘talian’ para definir os descendentes de imigrantes italianos no Sul do Brasil: “Em Farroupilha estava sendo homenageado o Padre Oscar Bertholdo, um sacerdote poeta que escreveu nada menos que 12 livros de poemas, e que anos mais tarde, em 1991, seria barbaramente assassinado durante um roubo. Eu estava esperando na porta da prefeitura porque tinha sido o primeiro a chegar. Só havia uma velhinha perto de mim. Então eu perguntei: “nona, me capiu se ve parlo in Veneto? No caro, perdoname: forse se me parli in Talian”. (vovô, me entende se eu falar Veneto? Não, caro, me perdoe: talvez se falar comigo em Talian). A voz do povo é a voz de Deus! Telefonei imediatamente a Júlio [Posenato} e disse que ele tinha realmente razão: que era Talian! E assim foi”.
Luzzatto sempre apoiou e até que pode participou ativamente dos encontros anuais de difusores do ‘talian’, que teve origem nos primeiros anos da década de 90 do século passado em Erechim.
Amiga de Luzzatto, Solange Soccol, de Serafina Corrêa publicou: “Ntel primo ragio de sol de sta matina, 18 magio 2020, gavemo savesto che la nostra memòria viva la ze partia, sensa che nessun de noantri potesse dir una parola dolce e quel gràssie de cuor, prima de sto imenso silensio. Semo tuti muti, semo restai sensa ose, semo restai sensa aver come dir na parole così, che gapia el valor grando come l’omo che Dio ga portà in ciel in questa trista giornada.La parte pì viva de la nostra stòria, de la nostra gente… El Maestro che gà elaborà in parole scrite, la tradission e i costumi co la racolta sempre del pì essencial de la vita e del tempo de la nostra imigrassion, el ze partio pimpian con tute so speriense, sensa dir gnente. La so capassità de interpretar i momenti la zera de una soliderietà tanto cara che a noantri parea sempre che el gavesse un archivio rento la testa. “Quando se ga fati, no bisogna parole”, bastaria el Dicionàrio del Talian ma ghe ze tanti e tanti libri che dir che el zera magnìfico, ze poco. Darcy el ga savesto trasmeter el rispeto ai valori con un rio de parole acese che le impissea raconti e canti de terra, el cambiea soferensa in speransa, el mescolava el pìcolo col grando de maniera che tuto ancoi ze metesto via rento noantri, ntel cantonsin sagrato del cuor. Quanti libri toi go lesesto, quanti abrassi te go dato, a ti e a la to Elisa”.
Dentre seus livros, enumeramos: “Ghen’avemo fato arquante…” (1958); “’L mio paese l’è così!”(1987); Ostregheta, semo drio deventar vèccii” (1989); “Stòrie dela nostra gente”(1991); “El nostro Parlar” (1992); “Talian (Vêneto brasileiro): Noções de Gramática, História & Cultura”(1994); “Talian (Vêneto Brasileiro) sem mestre”(1997/2006); “Dissionàrio Talian-Portoghese”(2000/2010)); “Culinária da Imigração Italiana” (2002/2005); “Comidas que eu gosto de fazer e de comer” (2003); “Dicionário Português-Talian”(2010); e mais (algumas ainda não publicadas): Almanaque Vêneto, Sabedoria Popular: Provérbios e expressões do cotidiano dos imigrantes italianos do Sul do Brasil; “Pitosto che viver sento ani a stento, viverghene solche sinquanta, ma contento!”; “Magnari Trentini/Culinária Trentina”; “Sapori d’Italia / Sabores da Itália” (3 volumes); e “Condimentos, molhos & truques na cozinha”, em co-autoria com Fernanda Dora Luzzatto.