A rede hoteleira italiana, paralisada há mais de dois meses não por decreto mas por falta de clientes, discute agora como voltar às atividades. O setor emprega diretamente cerca de 1,5 milhão de pessoas e, no dizer de Gianluca Faziola, presidente da Federalberghi (federação dos proprietários de hotéis) em Gênova, a tarefa não será nada fácil, a começar pelas novas normas relativas os serviços e à higienização dos ambientes.
Numa tele-entrevista que ele concedeu a Insieme através do tradutor da revista, Claudio Piacentini, que é seu amigo, ele admite que “tudo será diferente”: os fartos e variados cafés da manhã ou jantares sofisticados darão lugar a serviços controlados, onde o distanciamento entre clientes, garçons e mesas, por exemplo, atenderão a novos conceitos, para garantia da higidez da clientela e também do pessoal de serviço. “Acho – diz ele – que os clientes ficarão contentes, e talvez renunciem a um pouco à qualidade gastronômica, vendo que os hotéis estão atentos também na administração desse importante aspecto que é, seguramente, fundamental”.
Durante a conversa realizada a partir de Curitiba, Varazze e Gênova no final da manhã da última segunda-feira (11/05), Faziola explicou que o setor submeteu ao governo um documento contendo o que os empresários da área hoteleira pensam sobre as medidas que deverão ser adotadas para a volta às atividades e enfatiza que elas precisam ser claras e transparentes para a reconquista da clientela que sumiu – ao contrário de outros setores da economia – sem a necessidade de decreto ou norma imposta mas, sim, em decorrência da paralisia das demais atividades.
“Não será fácil – raciocina ele -, porque garantir as distâncias corretas entre uma mesa e outra, entre uma pessoa e outra, entre os garçons e os clientes, exigirá certamente mais espaço do que aquele que temos. Porém, também é verdade que, infelizmente, quando abrirmos os hotéis, não teremos todos aqueles clientes (de antes), tudo esgotado… trabalharemos nos primeiros meses seguramente com poucos quartos ocupados e assim será possível também conseguir as distâncias necessárias”.
A hotelaria italiana, concentrada em sua maioria nas mãos de pequenas empresas (a rede internacional pouco conta), integrar o setor de turismo que, para a Itália, representa cerca de 13% do Produto Interno Bruto Nacional e é responsável pelo emprego de cerca de 3,5 milhão de pessoas. Isso dá também a dimensão do problema social decorrente da pandemia que já está se manifestando a partir desse verão que começa, quando muitos hotéis em localidades turísticas e em áreas balneárias, como Varazze, estão pensando em não abrir, frustrando o emprego de milhares de trabalhadores que seriam contratados por tempo determinado.
Alem de presidir a Federalberghi de Gênova, Faziola é também é empresário (dono de um hotel em Gênova, o Hotel Metropoli), faz parte conselhos de administração de rede de hotelaria ‘BestWestern’, da ‘SI Hotels’ e do conselho de administração do ‘Bureau de Genova’ – uma cidade que ultrapassa os 600 mil habitantes, capital da região da Ligúria. A cidade tem o porto mais importante da Itália e um dos mais importantes da Europa. Dentro do panorama nacional, ela se destaca tanto como uma cidade de negócios quanto também como uma cidade de turismo e foi dali que grande parte dos imigrantes italianos partiram para vir ao Brasil e às Américas.
CLAUDIO PIACENTINI – Gênova é uma cidade de peculiaridades únicas. Uma cidade comercial. Tem o porto mais importante da Itália. Um porto a 360 graus, tanto do ponto de vista comercial quanto do ponto de vista de passageiros. Gênova é um polo siderúrgico italiano muito importante. Um polo de feiras, um polo industrial. Uma cidade importante, com museus, o centro histórico maior da Europa… em resumo, estamos falando de uma das cidades mais importantes da Itália, sob todos os pontos de vista. Considerando o período histórico que o mundo e a Itália está vivendo, como você vê essa situação que está durando já dois meses e se alguma coisa está mudando nesses últimos dias.
GIANLUCA FAZIOLA – Sim, neste período os hotéis em Gênova estão praticamente todos fechado. Os hotéis na Itália não foram fechados por decreto-lei, mas fecharam por falta de clientes. A impossibilidade de se locomover entre municípios e regiões zerou o turismo. Estamos esperando que a fase aguda da emergência na Itália tenha fim e que algumas regras sejam afrouxadas e as pessoas tenham, de novo, a possibilidade de se locomoverem e fazer turismo.
CLAUDIO PIACENTINI – Certo, historicamente Gênova é uma das cidades que mais contribuiu ao longo de nossa história ocidental nos últimos mil anos. Não nos esqueçamos Cristóvão Colombo, as Repúblicas Marinhas… é uma cidade da qual partiu a expedição de Giuseppe Garibaldi no século XIX… Cidade partisana, na II Guerra Mundial foi uma das cidades que mais se distinguiram na luta contra o fascismo… os anos 70, anos de chumbo, o antiterrorismo, em resumo, uma história passada e recente muito importante. E agora, como você vê o futuro dessa cidade?
GIANLUCA FAZIOLA – Mas a cidade mudou muito nos últimos 20-30 anos. Até os anos 70 a economia da cidade era baseada sobretudo sobre as atividades do porto e sua indústria. Depois, em 1992, nos 500 anos da descoberta da América, foram feitos grandes investimentos. Do ponto de vista urbanístico a cidade foi transformada. Sobre a herança de seu passado, aos poucos Gênova foi construindo uma nova imagem. Há cerca de 30 anos foi construído o Aquário, que é o maior da Europa. O centro histórico foi reestruturado, assim também como o teatro de ópera que havia sido quase destruído na II Guerra Mundial… foi reestruturado também o Palácio Ducal que se tornou um importante centro cultural. E aos poucos Gênova foi construindo essa sua imagem de cidade turística, não apenas uma cidade ligada à indústria e ao porto. E atualmente o turismo tornou-se uma das três importantes referências da cidade. E estava indo bem. Estávamos vivendo um bom período. Agora temos um novo prefeito que é uma pessoa muito visionária, muito ativa e enérgica e as perspectivas que temos nesse momento são ótimas. Temos um novo conceito urbanístico da cidade. Toda a área da feira será reestruturada e toda a área sofrerá uma importante reestruturação que restituirá uma parte daquele espaço à cidade, como parques, jardins, novos museus… Gênova é uma bela cidade, muito viva, muito ativa também do ponto de vista cultural. Certo que neste momento, como toda a Itália, estamos um pouco de joelhos. E esperamos que a emergência sanitária tenha fim para a retomada. Infelizmente, para o turismo, deve-se esperar mais. Porque o turismo internacional não acontecerá antes do fim do ano. E também para o turismo italiano precisamos antes entender o quanto as pessoas terão vontade de viajar neste verão. O problema será, seguramente, o do tempo. Mas penso que já a partir do próximo ano voltaremos aos níveis do ano passado.
CLAUDIO PIACENTINI – Falemos de seu setor, já que é presidente da Federalberghi, e já nos deu alguma notícia sobre o setor que está de joelhos. Disso isso, como vocês, como associação, avaliam as medidas do governo, tomadas ao longo dos últimos 40 dias e aquelas medidas que vocês gostariam que fossem adotadas.
GIANLUCA FAZIOLA – Sim, Claudio. Talvez estejamos andando um pouco mais devagar do que gostaríamos. Não é fácil porque, de qualquer forma, este não é um problema apenas italiano, mas também da Comunidade Europeia. A Itália não pode agir como uma unidade autônoma e certas decisões precisam ser ajustadas no âmbito europeu. Portanto é uma pena, isso cria uma lentidão. O acordo que agora existe entre os estados membros não é bom em relação à forma de agir e, efetivamente, toda a economia na Itália, e também em toda a Europa, está sofrendo essa situação. No momento não estamos nem um pouco contentes. Estamos também esperando para os próximos dias um novo decreto, uma nova lei, que deveria ter como foco exatamente a economia. Vejamos o que virá. É claro que será preciso muita coragem da parte do governo italiano e também das relações que tem com a comunidade europeia de modo a forçar um pouco a situação para obter recursos necessários em socorro a todo o setor econômico. Dentro disso, como dizíamos antes, entra o setor turismo, que é o setor que está sofrendo mais. As pessoas têm necessidade de se locomover, e se isso não ocorre, o turismo não existe. É pior ainda se não se locomove de um estado a outro. Em Gênova, a presença de estrangeiros representa cerca de 50% – isto é, a cada 50 italianos, 50 estrangeiros -. Portanto é possível entender como a livre circulação no interior da Europa é fundamental. Esperamos também que mude alguma coisa dentro dessa situação.
DESIDERIO PERON – Claudio, com licença: Gianluca, quando falas em 50%, isso é em tempo normal, não? Agora, como está: é zero, não?
GIANLUCA FAZIOLA – Agora é zero! Porque praticamente todos os hotéis estão fechados e ficaram abertos apenas três ou quatro deles porque têm (como hóspede) algum médico ou alguém da proteção civil. Mas estamos falando de uns 15 ou 20 apartamentos por dia para toda a cidade.
CLAUDIO PIACENTINI – Falando especificamente sobre o seu setor, a hotelaria, esse tipo de problema que estamos vivendo durante este período – o vírus – cria outros tipos de problemas: nos referimos à higiene, à higienização dos ambientes. No futuro, isso terá que ser tratado de forma diferente de como vinha sendo tratado, porque haverão custos extras para melhor administrar essa situação. De que forma isso está sendo orientado pelos órgãos competentes ou pela associação de vocês?
GIANLUCA FAZIOLA – Sim este é, seguramente, um problema central. Nós, como associação nacional – a Federalberghi -, mas também como associações locais que representam o setor do turismo, apresentamos um documento ao governo onde relacionamos aquilo que, segundo nós, deveriam ser as linhas gerais a serem seguidas em toda a operação de higienização e gerenciamento dos hóspedes no interior dos hotéis. Estamos esperando que o documento seja aprovado. Este é um aspecto fundamental porque é óbvio que será necessária muita transparência em todo o país de forma que todos possam seguir ideias precisas, bem definidas, e que não existam espaços para interpretações em casos de eventuais averiguações. O problema, obviamente, é que precisamos garantir aos nossos colaboradores e aos nossos clientes o máximo de segurança possível no momento em que eles voltarem aos hotéis. No momento existe ainda um pouco de incerteza sobre os diversos procedimentos que deveriam ser os melhores para a higienização do apartamento, mas esperamos que nos próximos dias tenhamos um documento final. É claro que o aspecto da limpeza e da higienização é muito importante mas não resolve todo o problema. Porque se a gente pensar sobre a alimentação nos hotéis, o café da manha, assim como o almoço e a janta, é evidente que este é um assunto muito importante e precisamos entender o que, exatamente, precisamos fazer. Por exemplo, os belos ‘buffets’ do café da manhã, durante algum tempo, não poderemos oferecer. Provavelmente usaremos um serviço à mesa e não será tão fácil ter toda a variedade antes oferecida em nossos ‘buffets’, fazendo também o serviço à mesa. Mas acho que os clientes ficarão contentes, e talvez renunciem a um pouco à qualidade gastronômica, vendo que os hotéis estão atentos também na administração desse importante aspecto que é, seguramente, fundamental. Não será fácil, porque garantir as distâncias corretas entre uma mesa e outra, entre uma pessoa e outra, entre os garçons e os clientes, exigirá certamente mais espaço do que aquele que temos. Porém, também é verdade que, infelizmente, quando abrirmos os hotéis, não teremos todos aqueles clientes (de antes), tudo esgotado… trabalharemos nos primeiros meses seguramente com poucos quartos ocupados e assim será possível também conseguir as distâncias necessárias. É tudo muito em processo nesse momento. É uma fase de mudanças enormes. Estamos trabalhando sobre esses novos aspectos, porém é evidente e importante que se tenha normas muito exatas sobre isso. Estamos aguardando.
DESIDERIO PERON – Me permita, Claudio: Gianluca, então as estrelas serão outras! Quer dizer… Três, cinco estrelas… para um hotel cinco estrelas, por exemplo, serão necessários outros requisitos, não?
GIANLUCA FAZIOLA – Olha, atualmente não sabemos ainda bem como será a hotelaria nos próximos meses. Cada um procura organizar da melhor forma possível. Mas também como os hotéis de luxo, também os menores, os familiares estão procurando, como eu dizia antes, a melhor forma de trabalhar e esperemos, como eu dizia, uma referência legal mais pontual.
DESIDERIO PERON -Falemos um pouco de números. Essa crise está afetando quantas pessoas na Itália dentro do setor hoteleiro e turístico?
GIANLUCA FAZIOLA – Sim, a Itália tem cerca de 33 mil hotéis. É uma situação bastante típica no sentido de que existem muitas pequenas empresas, muitos pequenos hotéis, e onde a penetração das grandes redes internacionais não é tão importante. Assim, muitos hotéis são administrados familiarmente. Nesses 33 mil hotéis trabalham cerca de 1,5 milhão de pessoas. E o turismo – em cujo conceito inserimos também agências de viagem, operadores de turismo, serviços de transporte, restaurantes, bares – representa 13% do PIB italiano. Isso quer dizer aproximadamente 250 trilhões de dólares sobre um PIB total italiano que é de cerca de 2.100 trilhões de dólares. Portanto, pode-se entender quanto a crise no setor turístico atinge também o setor social. Porque sempre alargando a todo o setor do turismo, os que dele dependem somam quase 3,5 milhões de pessoas. O primeiro problema já teremos neste verão, porque muitos hotéis em localidades turísticas em áreas balneárias, como essa de Cláudio, em Varazze, nesse momento estão pensando também em não abrir. Existem muitos hotéis que pensam em não reabir. E isso significa deixar em casa meio milhão de pessoas que são contratados na estação por tempo determinado no período do verão, isto é de maio a outubro, maio a setembro. Então, é também por isso que, como falávamos antes de medidas do governo, esperamos que o setor seja apoiado de maneira forte pois seguramente não se pode deixar no abandono 13% do PIB do país.
CLAUDIO PIACENTINI – São suficientes duas palavras: parceiros europeus. Tua opinião.
GIANLUCA FAZIOLA – Eu falava antes do problema que estamos vivendo aqui na Europa. Neste momento não existe muita sintonia sobre o modo de enfrentar esta crise entre os diversos parceiros. Infelizmente existem alguns países que, a Alemanha em primeiro lugar, pretendem enfrentar esta situação assim extraordinária com instrumentos ordinários. Ao contrário, esse deveria ser o momento para colocar em discussão a organização europeia e dar aqueles passos adiante que, de outro lado, muitas correntes políticas vêm reivindicando há alguns anos. É necessário mais compartilhamento na área fiscal; é necessário um compartilhamento de riscos e esse é um aspecto que alguns países estão solicitando. Mas em meu ponto de vista não estão entendendo que a situação é dramática como nunca e estamos todos dizendo que é o evento mais dramático que ocorre no mundo desde o fim da II Guerra Mundial. Assim, continuar a pensar nos termos dos tratados de 1992, sobre os quais está baseada toda a constituição da União Europeia, acredito que seja profundamente errado. O tema fundamental é o de dar dinheiro diretamente aos cidadãos e às empresas e não fazer simplesmente débitos. De fato, neste momento, também na Itália a primeira ajuda às empresas foi facilitar o acesso ao crédito. Mas é evidente que, sem ajudas a fundo perdido, os setores econômicos não conseguirão ir adiante. Isso nos coloca em confronto um pouco com a lógica da Comunidade Europeia para a qual o dinheiro não pode ser impresso a fundo perdido, tecnicamente se diz que não se pode monetizar o débito, exatamente com base nos tratados existentes. Segundo penso, é hora de realizar um grande passo para frente.