No momento em que o parlamento italiano coloca em pauta o debate sobre as mudanças nas regras que norteiam a obtenção ou concessão da nacionalidade italiana, ou seja, a Lei de Cidadania, seria de muita importância saber o que pensam sobre o assunto pelo menos os parlamentares eleitos na Circunscrição Eleitoral do Exterior pelo Brasil. Embora eles tenham sido pegos de surpresa com a pauta do Parlamento, isso não impede que tenham posição apriorística sobre a matéria, uma vez que o debate é, na verdade, muito antigo.
Do Brasil, temos três parlamentares que nos representam e aqui vive a maior comunidade itálica do mundo – e também temos as maiores “filas da cidadania” do mundo perante os consulados. Tem gente na fila há mais de dez anos e um número muito grande de ítalo-brasileiros sequer entrou nela por desestímulo ou desencanto, embora não tenha abdicado de ver reconhecida a sua cidadania italiana por direito de sangue.
A principal questão posta ao Parlamento diz respeito à introdução do “ius solis”, isto é, a nacionalidade em decorrência do lugar de nascimento, encolhendo ou não o “ius sanguinis” em que tradicionalmente tem sido baseada cidadania italiana. Algumas das muitas propostas que estão no Parlamento, entretanto, pretendem também o encolhimento do direito decorrente do “ius sanguinis”, isto é, limitar a transmissão da cidadania à segunda ou terceira geração. Isso tolheria à maioria dos ítalo-descendentes que vivam no Brasil, estejam na fila ou fora dela, a possibilidade de ver reconhecida uma situação hoje garantida inclusive pela constituição brasileira.
Nem se diga que essa grande massa de pretendentes “acordou” tarde demais. Quem assim fala, desconhece a história da grande imigração italiana que está comemorando 140 anos da chegada das primeiras famílias. Durante um longo período – no Estado Novo, nos tempos da II Guerra mundial e, depois, no decurso do período em o Brasil foi governado pelos militares, ser italiano (assim como ser alemão ou japonês durante os tempos de guerra) era muito perigoso, a ponto de muitas famílias terem inclusive alterado nomes, escondido documentos, abdicado, enfim, de suas origens e raízes culturais. O renascer da italianidade para boa parte desses mais de 30 milhões de “oriundi” ocorreu apenas partir das últimas duas décadas do século que passou, quando, exatamente, formaram-se as primeiras filas de pretendentes ao reconhecimento de algo que lhes veio com o sangue
Não faz muito, o Parlamento italiano introduziu a cobrança sobre a “distribuição” desse direito: 300 euros por cabeça, para surpresa de nossos parlamentares que, na sequência, tentaram inutilmente consertar o tremendo cochilo através de emendas rejeitadas a golpes de “fiducia” ou de inócuas “ordens do dia”. Espera-se que nossos representantes não cochilem outra vez. E que, além disso, mantenham-se antenados no que esperam seus eleitores, votando coerentemente com a nossa realidade. Exceto o deputado Fabio Porta, que já se disse favorável à manutenção dos “ius sanguinis” como está, melhorando em aspectos como a transmissão da cidadania pela via materna antes de 1948 e contemplando também a “questão trentina”, não sabemos o que pensa exatamente sobre a matéria o senador Fausto Longo, nem a deputada Renata Bueno. Fausto já ensaiou propor um “imposto sobre a cidadania”, enquanto, na Argentina, seu colega Claudio Zin antecipou seu voto há algum tempo, dizendo ser favorável à barreira geracional – proposta que sequer dentro da Itália tem muita ressonância. Assim parecido também pensa Claudio Michelon, para uma Suíça cuja realidade é muito, mas muito diversa dessa que encontramos no Brasil.
Convenhamos, se no Parlamento passar a proposta que estabelece a barreira geracional, o fato consolidará o duro golpe que vem sofrendo a maior comunidade itálica do mundo, até aqui preterida nas filas nunca se sabe exatamente por vontade ou ordem de quem.