O senador Ricardo Merlo recebeu o documento e disse que está estudando o assunto antes de se pronunciar sobre ele; o deputado Luis Roberto Lorenzato, também colhido de surpresa, estava embarcando para o Brasil e prometeu tomar posição ao final da viagem. Apenas o presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ do Recife, Daniel Taddone, recebida a informação, acabara de postar em sua página pessoal na internet sua opinião contra o “obstrucionismo patrocinado por um órgão de Estado”.
Trata-se de um “ofício territorial do governo”, datado do dia 8 último, que procura definir o conceito de “residência” para fins de cidadania italiana por direito de sangue. As restrições impostas, segundo o objeto do documento, têm a ver apenas com ítalo-brasileiros. O ofício, assinado pelo “Prefetto” (o representante do governo central) Ignazio Coccìa, da Província de Como, Região da Lombardia, no Norte da Itália, é dirigido aos 151 municípios a ela jurisdicionados.
O documento encaminhado a Insieme pelo advogado Luis Scarpelli, na prática dá instrumentos aos municípios para dificultar ou simplesmente negar a possibilidade de verificação do direito de sangue a ítalo-brasileiros a partir da questão da residência. Segundo o advogado Scarpelli, é uma atitude xenófoba, porque se dirige apenas a uma parcela dos ítalo-descendentes em todo o mundo – os brasileiros. E, segundo ele, pelo fato de a iniciativa ter partido de quem representa o governo central italiano, pode ser baseada numa orientação que seria válida para toda a Itália
Por “residência”, a orientação contida no documento ensina que se deve entender “o lugar em que a pessoa tem moradia habitual”, seguindo-se uma longa explicação do que isso significa. O novo procedimento vem na esteira de uma série de denúncias e, inclusive, prisões, de pessoas envolvidas com residências fictícias e até falsificação de documentos para o reconhecimento da cidadania por direito de sangue na Itália.
Na entrevista que concedeu hoje pela manhã, o advogado Scarpelli lembra que o reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue está sendo inviabilizada por diversas frentes: as dificuldades agora criadas na Itália, um problema que decorre das longas filas consulares, incluindo inúmeros artifícios como o “Prenota Online” e outros.
Segundo Taddone postou em sua página na internet, essa circular “oficializa o obstrucionismo e dá ferramentas aos municípios para que neguem sem grandes cerimônias a residência para ítalo-brasileiros que queiram estabelecer residência em “comuni” da província de Como. Baseados em interpretações absolutamente subjetivas sobre o conceito de residência, qualquer oficial de anagrafe poderá recusar o pedido de residência a não ser que o ítalo-brasileiro consiga comprovar algo que evidentemente é impossível, que é ter uma rede de relações interpessoais, de trabalho e comunitárias num município onde acabou de chegar”.
Taddone repete: “Sempre considerei que a Circolare K.28.1 um instrumento normativo péssimo. A circular já tem 28 anos e é anterior à atual lei de cidadania, que é de 1992. Todavia, apesar dessa falha de origem, nada permite que o Estado pratique obstrucionismo puro apenas por conveniência para se livrar de um “problema”. Se existe a possibilidade legal de requerer a cidadania italiana na Itália, que seja respeitada a norma em vigor. Criar obstáculos subjetivos com a clara intenção de não permitir que ítalo-brasileiros possam ter acesso a esse direito, que lhes é na prática negado devido ao mau funcionamento dos consulados italianos no Brasil, é ultrapassar a linha do bom senso”.
Faria melhor – escreveu ainda Taddone – a “Prefettura di Como” em solicitar ao “Ministero dell’Interno” que crie um grupo de estudo e que publique uma nova circular o mais rapidamente possível com novas regras que deem conta da atual situação que vivemos. Urge retirar o requisito de residência legal e criar uma taxa para que os municípios possam tramitar esses pedidos de forma eficiente. É justo que eles sejam remunerados para suportar uma carga extra de trabalho.
É mais do que óbvio que não é adequado fundamentar o pedido de reconhecimento da cidadania em residências evidentemente provisórias, mas não é criando obstáculos patrocinados por um órgão de Estado que se resolve o problema”, diz ainda Taddone.