Abertura da solenidade no auditório Poty do Embratel Convention Center.(Foto DePeron)

u CURITIBA – PR – Nunca o Shopping Estação, no centro de Curitiba, recebeu tanta gente como naquela tarde do dia 10 de dezembro (2005), quando ali compareceram 4.597 (veja a lista completa) interessados – muitos acompanhados de familiares – na obtenção da cidadania italiana “jure sanguinis”. O grande auditório Poty, do Embratel Convention Center foi pequeno para abrigar, de uma só vez, tantas pessoas – maior parte descendentes de imigrantes trentinos do Paraná e Santa Catarina que, ordenados por setores e orientados por telões, assinaram o termo de opção que abre caminho à obtenção da chamada “dupla cidadania”.
Coordenado pelo Círculo Trentino de Curitiba, o evento se constituiu na XI Jornada Trentina, totalizando já perto de 12 mil requerimentos, que são encaminhados a Roma pelo Consulado Geral da Itália, para análise de uma comissão especial. No mesmo dia, no Espírito Santo, cerca de outros 800 interessados celebravam o mesmo ato perante a autoridade consular da circunscrição.
O ato de curitiba foi presidido pelo cônsul geral Riccardo Battisti, que em seu discurso manifestou preocupação com tanto trabalho que tem pela frente (a “fila da cidadania” em Curitiba soma hoje cerca de 85 mil pessoas), mesma preocupação explicitada por Ivanor Minatti, coordenador geral do processo de cidadania dos trentinos: “Esta manifestação de hoje – disse ele – é um vigoroso desafio à burocracia”, pois apenas 32 requerimentos dos 5.270 já enviados a Roma retornaram. “Estamos – advertiu Minatti em seu discurso – outra vez nos porões de navios de terceira categoria – embora estejamos fazendo a nossa parte e um bom pedaço daquela parte que deveria ser feita pelo governo italiano”. Minatti observou ainda que milhares, “principalmente os jovens, depositam muitas esperanças nesse alargamento de fronteiras que decorre do reconhecimento de um direito de sangue”. Por isso, “a grande diáspora peninsular de ontem catapultada pela miséria e pela indiferença oficial aos menos possuídos não pode e não deve ser perpetuada através desse novo tipo de menosprezo a milhares de descendentes de imigrantes que, bem ou mal, alargaram as fronteiras italianas mundo afora”. Pediu determinação das autoridades italianas para a solução do grave problema que representam as “filas da cidadania”. O vice-governador do Paraná, Orlando Pessuti, falando em seguida, procurou encorajar: “Continuem assim, lutando. E não desanimem”, disse. Iracema Moser Cani, presidente da Federação dos Círculos Trentinos no Brasil leu mensagem encaminhada pela direção da Associazione Trentini nel Mondo.
O grande esquema montado para o evento, com mais de 60 pessoas envolvidas diretamente, fora serviços terceirizados, incluiu a impressão de uma edição especial da revista Insieme (formato tablóide, 12 páginas, 6.000 exemplares) para orientação dos interessados. Graças a isso, cada requerente sabia, já ao entrar no auditório, diante de qual dos 10 telões instalados nas laterais (um para cada duas mesas) deveria aguardar o chamamento eletrônico nominal, por grupo de oito pessoas cada folha. O evento chamou a atenção da imprensa, incluindo a Rai International, cujo representante para a América Latina, Stefano Casini, veio a Curitiba especialmente para documentar o acontecimento. Em todo o Brasil, calcula-se que existam cerca de três milhões de descendentes de imigrantes trentinos. Se a lei em vigor for prorrogada, eles poderão realizar essa opção pela cidadania italiana a qualquer tempo. Caso contrário, quem não optou estará impedido de ver reconhecida a cidadania italiana “jure sanguinis”.

DISCURSO NA ÍNTEGRA – Eis, na íntegra, o discurso proferido por Ivanor Minatti: Tudo o que for dito aqui, em pouco tempo – tenho certeza – será esquecido. Mas, poucos haverão de esquecer esse dia memorável!

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Este é o maior evento do gênero já realizado em nossa jurisdição consular e, seguramente, em todo o mundo.

Aqui estão 4.597 descendentes de imigrantes, maioria trentinos, para dizer, de uma só vez, que, com muito orgulho, querem optar pela cidadania italiana.

Muitos, ao assinar com a mão trêmula de emoção, lembrarão de seus avós.

No íntimo, jurarão que estão fazendo isto em homenagem a eles.

Eles que não tiveram a oportunidade de se declarar italianos, conforme a exigência do Tratado de San German, depois que a autoridade do antigo Império Austro-Húngaro desapareceu.

Outros o farão em homenagem a seus filhos, netos e bisnetos.

Quantos outros estão dispostos a fazê-lo apenas por uma questão sentimental, cultural, uma questão de reencontro com a própria identidade ou… seja lá o que for.

É justo que o façam, como outros quase sete mil já o fizeram nestes últimos três anos apenas nos Estados do Paraná e Santa Catarina.

Ou como estão fazendo descendentes de imigrantes trentinos do Rio Grande do Sul, de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas e de outros Estados desse imenso Brasil onde o estandarte com a águia trentina tremula em nossos círculos ao lado de nosso pavilhão nacional, a lembrar que somos pelo menos três milhões dos cerca de 25 milhões de ítalo-brasileiros.

Aqui neste ambiente, bonito como convém a um momento assim tão solene para nossa italianidade, acabamos de ouvir o hino da Itália. Alguns o cantaram.

Ouvimos também o hino brasileiro diante das bandeiras da Itália e do Brasil.

Isso resume nosso orgulho, pois somos italianos e brasileiros.

É uma dupla responsabilidade.

E vamos dizer isso com todas as letras, para que não fiquem dúvidas entre aqueles que têm dificuldades para entender o que significa este nosso apreço e esse nosso apego à cultura italiana que os anos não apagaram em nós… esse multi-culturalismo que faz de todos nós um pouco cidadãos do mundo inteiro.

Senhores e Senhoras: Em Blumenau, Santa Catarina, durante o último “juramento” que organizamos, o bispo Dom Ângelo Sândalo Bernardino advertiu que não queremos invadir a Itália.

Ele se referia ao medo aparente das autoridades italianas em dar vazão à italianidade que se manifesta perante os consulados na forma de pedidos de reconhecimento da dupla cidadania – o nosso direito de sangue.

Exatamente o que estamos fazendo agora.

Ora, a lei italiana (a Constituição, na verdade)  dispõe um direito que, diante das múltiplas dificuldades sempre alegadas aqui e acolá, na prática acaba sendo anulado ou negado.

Sem considerar os trentinos que entraram agora, as informações dão conta de pelo menos 85 mil pessoas que esperam na fila, somente às portas do Consulado de  Curitiba.

Seguindo este ritmo, o último dessa enorme fila vai ser atendido daqui há 22 anos…

Quando for chamado, talvez nem exista mais. Isto não pode continuar assim.

Não é bom para a Itália. Não é bom para o Brasil, países que recíproca e formalmente reconhecem os direitos de seus imigrantes de ontem ou de hoje.

Optar pela cidadania italiana por direito de sangue, já tendo a brasileira por direito de solo, é (além de tudo quanto se diz por aí) uma robusta e efetiva manifestação no sentido da integração dos povos, da fraternidade, da solidariedade e da tolerância – predicados cada vez mais importantes e necessários para o mundo atual e global, onde os valores do humanismo latino perdem força.

Daí porque a generosa lei italiana que nos concede o direito de sangue não pode ter sua aplicação atravancada por alegadas dificuldades de ordem burocrática.

Aliás, peço vênia para observar que esta manifestação de hoje é, na verdade, um vigoroso desafio à burocracia.

E para nossa felicidade, além da imprensa local e nacional, está aqui um correspondente da Rai International, que por certo, darão a ressonância que este fato merece.

Tomara que os atentos políticos italianos saibam fazer uma leitura correta deste evento.
Pois neste confronto com a burocracia, estamos somando hoje, só nesta circunscrição, 11.267 novos requerimentos – dos quais 5.270 já estão no Ministério, em Roma. Entretanto, apenas quatro processos, com 32 requerentes, foram analisados até agora.

Nós estamos – como se vê -, outra vez, nos porões de navios de terceira categoria, embora estejamos fazendo a nossa parte e um bom pedaço daquela parte que deveria ser feita pelo governo italiano.

Nosso cônsul anterior, Mário Trampetti, e o atual, Riccardo Battisti permitiram que assim fosse, ao partilhar com os círculos trentinos uma tarefa que lhes compete privativamente.

Eles sabem que não é na Suíça ou na Europa que está o maior contingente de descendentes de imigrantes italianos, embora é lá que se concentra o maior número de consulados, funcionários e de recursos.

Eles também sabem que é nesse “terceiro mundo”, pouco considerado pela burocracia mas cheio de vibrações itálicas, que acontecem grandes negócios que alavancam a economia italiana. Graças – não é preciso dizer – a essa enorme Itália que está fora da bota peninsular.

Vamos só imaginar comigo: Como seria a vida do nosso Consulado se todos os os que até hoje assinaram o requerimento ou aqui hoje, com esse mar de requerentes interessados…

se todos, repito, entrassem na fila diante dos elevadores do Shopping Itália rumo ao vigésimo primeiro andar…?

É necessário sublinhar que a tarefa que assumimos, nós dela estamos nos desincumbindo com eficiência e responsabilidade. Honrando, com o suor brasileiro, o nosso lado italiano.

Não seria esse o caminho para dar fim ao drama das “filas da cidadania”?

Não seria este um modelo a ser seguido por outras associações, ajudadas por recursos que estão sendo sugeridos inclusive por governos regionais?

A grande diáspora peninsular de ontem, catapultada pela miséria e pela indiferença oficial aos menos possuídos, não pode e não deve ser perpetuada através desse novo tipo de menosprezo a milhares de descendentes daqueles imigrantes que, bem ou mal, alargaram as fronteiras italianas mundo afora. Há que se resolver isso com determinação.

Aí sim, vencida esta etapa do reconhecimento tardio de um gene que nos liga à velha Bota, maior será o empenho de nossas instituições e Consulados nas ações que nos interessam sobremaneira nos campos cultural, econômico, profissional e mesmo naquele social ou de cunho meramente turístico.

Afinal, principalmente nossa juventude – sem querer invadir a Itália ou a Europa – deposita muitas esperanças nesse alargamento de fronteiras que decorre do reconhecimento de um direito de sangue. Alargamento que, de resto, é também tendência geral  – a “Mérica, Mérica” ou a “cuccagna” da atualidade.

Um dia, quem sabe, com mãos também trêmulas de emoção, nossos jovens de hoje possam transmitir aos seus – nossos netos e bisnetos – não apenas esperanças de um mundo melhor e mais solidário, mas acima de tudo, mais justo com todos: emigrantes, imigrantes ou, simplesmente, migrantes pela face do Planeta Azul.