O ex-'partigiano' Sandro Pertini foi o presidente da Itália eleito com o mais elevado consenso da história republicana: 83,6% no 16º escrutínio, em 1978. (Foto site Pres. Rep italiana.)

Num clima de intensas articulações entre as principais lideranças políticas, a Itália dá início nesta segunda-feira, 24, ao processo de eleição do novo presidente da República, em substituição a Sergio Mattarella, cujo mandato de sete anos termina dia 3 de fevereiro próximo. A escolha caberá a uma assembléia de 1009 ‘grandes eleitores’, formada entre deputados, senadores e delegados regionais.

Será declarado eleito o nome que obtiver maioria qualificada, ou seja, dois terços da assembléia. Se tal maioria não for atingida nas três primeiras votações, vencerá quem obtiver a maioria absoluta, ou seja, metade mais um dos votos. O processo pode demorar dias, nos quais se sucederão as assembléia eleitorais.

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Esta será a última eleição em que tomam parte 630 deputados e 321 senadores (inclusive os vitalícios). Na próxima legislatura, o Parlamento será reduzido em cerca de um terço, em obediência ao resultado de recente referendo constitucional. Os delegados escolhidos pelas respectivas assembléias regionais serão 58 (três para cada uma das Regiões italianas, exceto Valle d’Aosta, que terá apenas um).

O nome a ser eleito será o 14º a ocupar o cargo, contando Alcide De Gaspari e Enrico De Nicola – os primeiros a conduzir a nação depois do Referendo, em 2 de junho de 1946, que derrubou o regime monárquico italiano, conforme o site da Presidência da República. Pela ordem se seguiram Luigi Einaudi (eleito em 1948), Giovanni Gronchi (1955), Antonio Segni (1962), Giuseppe Saragat (1964), Giovanni Leone (1971), º, Francesco Cossiga (1985), Oscar Luigi Scalfaro (1992), Carlo Azeglio Ciampi (1999), Giorgio Napolitano (2006 e 2013 – o único a exercer dois mandatos), e Sergio Mattarella (2015).

Em toda a história republicana italiana, apenas dois presidentes foram eleitos em primeiro escrutínio: Francesco Cossiga e Carlo Azeglio Ciampi. A eleição mais complexa da história foi a de Giovanni Leone, escolhido no 23º escrutínio, ainda assim com apenas 52% de consensos. O maior consenso foi alcançado por Pertini que, no 16º escrutínio, obteve 83,6%.

Embora o processo eleitoral formalmente comece amanhã, o tema vem envolvendo o debate político italiano já há diversos meses. Nenhuma das correntes políticas consegue obter a maioria dos votos para impor um nome todo seu. Até no último sábado, o único candidato declarado era Silvio Berlusconi, com o apoio declarado do espectro eleitoral de centro-direita. Era considerado “divisivo”. Depois de longas sondagens, ele renunciou à candidatura, abrindo assim espaço para um mais amplo entendimento entre as diversas correntes.

Por trás da eleição presidencial incluem-se outras questões não menos importantes para os políticos italianos. Uma delas se refere à vigência da atual legislatura, instalada em 23 de março de 2018, cujo término regular ocorrerá em 2023. Como se sabe, ela sobreviveu até aqui através de composições pouco ortodoxas, primeiro com o “governo do contrato” de centro-direita, sob a liderança de Giuseppe Conte; depois com novo governo de centro-esquerda, de Conte II que, diante de novo fracasso, deu lugar ao governo liderado pelo indicado banqueiro Mario Draghi, que, embora não sendo político, hoje goza do apoio quase total no Parlamento, num acordo de governabilidade para a superação da crise provocada pela pandemia da Covid, que exige complexa gestão dos recursos concedidos pela União Europeia à Itália.

Com a eleição do novo presidente, lideranças políticas temem o rompimento dessa maioria. E, embora Draghi seja apontado frequentemente como um nome de razoável consenso para a Presidência, existem os que defendem sua permanência na chefia de governo, pedindo uma Presidência-Bis a Mattarella, que até o momento não se dispôs a aceitar.

Enquanto nomes prováveis, submetidos à especulação, se sucedem, há ainda, como pano de fundo, o “fantasma” de uma não improvável dissolução do Parlamento, que interromperia do mandato de centenas de parlamentares de primeiro mandato, cuja aposentadoria, mesmo que proporcional, somente seria viável a partir de quatro anos, seis meses e um dia de mandato. Isso aconteceria somente após a segunda metade de setembro próximo (24/09/2022). Nessa situação estão 68% dos deputados e 73% dos senadores.

Além disso, o atual Parlamento não reformou a Lei eleitoral que, diante do novo e reduzido quadro de parlamentares, atravessa um debate entre os que preferem o sistema de voto majoritário e os que o querem proporcional.