“O que me espanta nesse assunto é o Ministério do Interior, que deveria defender seus próprios cidadãos e acolhê-los, ter essa atitude de rejeição e de recusa da cidadania aos ítalo-descendentes, que constituem recursos importantes para uma Itália que, sabemos, está em crise demográfica, sendo um dos países mais velhos do mundo”.
A manifestação é do Professor Giovanni Bonato (advogado italiano ‘cassazionista’ e advogado no Brasil) ao analisar, ao lado da também advogada ‘cassazionista’ Monica Restanio (na Itália, um advogado habilitado a operar nos tribunais superiores é chamado de ‘avvocato cassazionista’), a audiência de ontem (12/07) das sessões unidas da ‘Corte di Cassazione’ italiana para o julgamento de dois recursos interpostos por ítalo-brasileiros com sentenças idênticas da Corte de Apelação de Roma que negou o reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’, concedido em primeiro grau.
Bonato se referia à argumentação levada à Suprema Corte italiana pela Advocacia do Estado em nome dos Ministérios do Interior e das Relações Internacionais, com destaque para o grande número de descendentes. “Nós precisamos acolher e aumentar o povo italiano, reconhecendo a cidadania dos descendentes que vieram para a América do Sul”, completou o advogado italiano, autor de diversos estudos sobre o tema da Grande Naturalização brasileira e renúncia tácita da cidadania por direito de sangue.
Já a advogada ítalo-argentina Monica Restanio, uma das primeiras a levantar a bandeira jurídica contra as ‘filas da cidadania’ diante dos consulados italianos (na verdade ela conta sete anos de antecipação sobre seus colegas), disse que se sentiu feliz ao perceber o “grande respeito e a seriedade” com que os integrantes da Suprema Corte italiana receberam a argumentação tanto dos advogados dos recorrentes, quanto, e principalmente, da representante da Procuradoria Geral junto ao Supremo, que foi a primeira a falar. Além de elogiar a atuação dos colegas advogados dos descendentes, a advogada Restanio observa que a procuradora fez uma bela e convincente sustentação.
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Ela só lamenta que a questão dos filhos de imigrantes nascidos antes de 1912 tenha sido tratada apenas de “raspão” durante a audiência na Suprema Corte, até em função do conteúdo discutido no âmbito dos processos em julgamento. Essa categoria de ítalo-descendentes seria bem mais abrangente que a própria Grande Naturalização brasileira e tem a ver com praticamente todas as comunidades formadas durante o chamado “grande êxodo” ou diáspora italiana do final do século 19 e início do século 20, nascidos nos territórios americanos onde vige o direito de cidadania adquirido automaticamente através do ‘ius soli’.
Entretanto, segundo ambos os entrevistados, não se exclui a hipótese de a Suprema Corte incluir esse tema dentro da fundamentação do acórdão que será elaborado em breve. O advogado Bonato explicou como a decisão vai acontecer: Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde em julgamentos colegiados os juízes emitem seu voto publicamente e, depois, é lavrado o acórdão, na Itália essa decisão é tomada após a audiência, em reunião fechada (“camera di consiglio”) e de tal forma que ninguém fica sabendo o voto individual dos julgadores, nem mesmo se houve ou não divergências no colegiado.
Ambos os entrevistados na tarde de hoje concordam que outros julgamentos deverão acontecer na Suprema Corte, em função de recursos já em andamento, abordando outros aspectos da complexa matéria sobre a cidadania.
De qualquer forma, para Monica Restanio, já se pode falar “no antes e no depois” da audiência do dia 12, principalmente para os advogados que se dedicam ao tema da cidadania. “Estávamos todos, no Tribunal ou não, unidos em torno de uma só expectativa; todos unidos e apoiando nossos colegas diante de um público atento e preparado, numa sinergia muito boa que seguramente dará resultados positivos”, disse ela.
Embora ninguém se arrisque a indicar qualquer resultado, Restanio entende que dificilmente os argumentos bem elaborados da Advocacia do Estado, baseados em motivações de ordem política e administrativa consistente haverão de prevalecer sobre os aspectos rigorosamente jurídicos à luz da Constituição italiana, do direito internacional e, também, do direito da União Europeia. Na tele-entrevista que acompanha esta matéria, o leitor encontrará informações importantes sobre o complexo tema da dupla cidadania.