“Parece que o inteiro sistema de ordenamento italiano esteja, cada vez mais, tentando impedir a proliferação de demandas de reconhecimento da cidadania” e, nesse contexto, “é primordial” que os Comites e o CGIE saiam, com “forte determinação e máxima proatividade política”, em defesa do “direito sagrado dos descendentes de todos os italianos de ser considerados cidadãos para todos os efeitos” e, assim, “proteger os nossos direitos e os dos nossos filhos”.
A posição acima é do advogado Pasquale Perrini, um italiano nascido em Roma mas que vive no Brasil há cerca de dez anos. Ele é conselheiro do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ de Brasília e está candidato a uma das quatro cadeiras de que o Brasil dispõe no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’, cuja eleição será no dia 9 de abril próximo, em Brasília.
Segundo a convocação realizada pela Embaixada da Itália no Brasil, qualquer cidadão italiano (ou mesmo sem o reconhecimento formal da cidadania ‘iure sanguinis’), desde que residentes no país há pelo menos três anos e que cumpram as demais formalidades exigidas, pode se candidatar à representação da comunidade perante o CGIE, entidade em funcionamento há quase 30 anos. O prazo para as inscrições de candidaturas termina “10 dias antes da data da assembléia”.
Perrini é o primeiro dos entrevistados por Insieme dentre uma série de candidatos já declarados (Ana Maria Cani – ES, Andrea Lanzi – RJ, Daniel Taddone – PE, Renato Sartori – SP, Silvia Alciati – MG, Stephania Puton – RS e Walter Antonio Petruzziello- PR). Sua candidatura, conforme ele assegura, é independente, isto é, não atrelada a nenhuma tendência partidária, uma vez que ele entende que tanto os Comites quanto o CGIE não devem ser órgãos subordinados a imposições ou orientações partidárias e, sim, o contrário: são entidades políticas no sentido amplo da representação de todos os cidadãos de suas respectivas bases territoriais.
Ele classifica, por exemplo, como “desconfortável” no âmbito dos Comites/CGIE, a posição do senador Fabio Porta (PD) que, a despeito da orientação partidária sobre determinados assuntos, tem também a capacidade de ver as questões “com os nossos olhos”.
Para Perrini, o que está ocorrendo hoje, isto é, a tentativa de brecar a “proliferação de demandas de reconhecimento da cidadania”, está claramente configurada no comportamento do Executivo (Consulados e orientações através de circulares emanadas pelos Ministérios do Interior e das Relações Exteriores), mais recentemente também no âmbito do Judiciário, com a posição da ‘avvocatura dello stato’ e com sentenças que contrariam todo um histórico de julgados desde a criação do Estado italiano e, por fim, também do Legislativo, com a retomada da análise de projetos de lei visando a reformulação da Lei da cidadania a partir das manifestações do secretário do PD, Enrico Letta.
Entretanto, segundo ele, “ninguém na Itália está dizendo: vamos abandonar o ‘ius sanguinis’ e isso ocorre por falta de coragem e também de apoio à ideia. Por outro lado, quando o assunto é judicializado, significa a derrota da negociação e “essas coisas se resolvem na negociação”. Assim “pegar o touro pelos chifres”, isto é, assumir uma posição clara e objetiva seria um dos papéis do CGIE que, entretanto, tem silenciado sobre o assunto.
O candidato também considera o CGIE um importante instrumento para a uniformização das ações consulares no atendimento dos cidadãos, já que a lei é a mesma para todos. Ele gostaria que qualquer cidadão que fosse a um consulado se sentisse em sua própria casa, respeitado e motivado. Ao contrário, diz ele, indo ao consulado, “tem-se a sensação de ir na casa de outros” e cita seu exemplo pessoal: “aqui em Brasília, eu mesmo tive dificuldades enormes, inacreditáveis, para registrar a minha segunda filha, que tem hoje oito anos e que nasceu aqui no Brasil”.
Além de prever cadeia para agentes públicos em casos de não observância de normas, a legislação italiana prevê – segundo Perrini – que um pedido à administração pública sem resposta dentro do prazo estipulado deve ser considerado “atendido” e isso – segundo Perrini – pode valer também para os pedidos de reconhecimento da cidadania.
Para enfrentar o que chama “essa onda hostil ao registro de novos cidadãos”, Perrini aponta para a grande arma dos italianos no exterior: o voto. “Com a viabilização do exercício do direito de voto pelos italianos no exterior, intervinda a partir do Referendum abrogativo de 2003, a conotação meramente representativa dos Comites e do CGIE se tornou potencialmente um importante recurso em nosso favor, sobretudo, se capaz de intervir nas evoluções legislativas e administrativas, com a concreta possibilidade de participar e influenciar as orientações sobre o tema dos cidadãos no exterior”, escreve ele em um longo manifesto.
O aumento substancial do número de cidadãos italianos que vivem no exterior, às vezes visto como uma coisa negativa, pode – segundo Perrini – ser visto também como uma coisa altamente positiva. A Itália é uma nação que admite a capacidade dos pais poderem transmitir a seus filhos a própria cidadania. “Essa é uma riqueza enorme”, diz, citando países como Israel que, embora pequeno, “tem uma capacidade enorme de influenciar nas grandes decisões do mundo”.
A Itália, deplora ele, está considerando seus filhos no exterior como “uma dificuldade”, esquecendo que o aumento do número de cidadãos no mundo significa também “o aumento das extensões da Itália em todos aqueles países onde a comunidade italiana tem uma certa representatividade”.
O CGIE, desde o seu nascimento (cerca de dez anos antes da criação da Circunscrição Eleitoral do Exterior que possibilitou a eleição de parlamentares pelo voto por correspondência em todo o mundo), é o órgão de representação dessas comunidades e, portanto, para Perrini, é o canal de análise, debate e encaminhamento dos “desejos, prolemas e necessidades” das comunidades perante os órgãos competentes, tendeo como primeiro degrau os Comites.
Defendendo sua candidatura, Perrini observa: “Só que, para o CGIE, é importante não só saber falar o italiano; para emitir os pareceres obrigatórios e formular propostas válidas, é necessário conhecer o processo legislativo, o que diz a Constituição, o que está disposto nas normas”. E entre os pareceres obrigatórios do CGIE está o que avalia os serviços consulares.
Ao final, o candidato Perrini, num tom visivelmente irônico, fala sobre as composições prévias, acertos partidários, negociações e entendimentos políticos de toda natureza para eleger “este ou aquele candidato” e, ao final, propõe uma “aliança de voto, voto secreto, onde os eleitores tenham a capacidade de se libertar de qualquer imposição que é característica disfarçada de democracia de todas as ditaduras” Por isso, diz, “minha candidatura nada tem a ver com partidos e, sim, com qualquer outra candidatura que achasse importantes essas propostas”. Veja mais sobre a entrevista com o advogado Pasquale Perrini no vídeo que acompanha esta matéria.