“Representante da comunidade italiana tem de defender os cidadãos comuns. O resto é armazém de secos e molhados.” A frase, que parafraseia Millor Fernandes, é do sociólogo Daniel Taddone, ex-presidente e conselheiro do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero‘ do Recife, candidato a uma das quadro vagas do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’. A eleição será no próximo dia 9, no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília, durante a Assembléia “Paese” convocada pela Embaixada da Itália no Brasil.

Taddone tem uma vida marcada por sua luta contra os chamados “abusos consulares” e, principalmente, contra as “filas da cidadania”, sucedendo a seu predecessor, o falecido Salvador Scalia, autor do bordão ainda atual: “as filas são ilegais”. Ele foi o principal articulador do protesto nacional organizado na Avenida Paulista, diante do Consulado Geral de São Paulo, em outubro de 2017.

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Sem fazer do seu vasto conhecimento sobre genealogia e da própria legislação sobre a cidadania italiana ‘iure sanguinis’ um meio de vida (é empresário do setor de logística), ele já perdeu a conta do número de palestras, debates e, mais recentemente, ‘lives’ em que participou como autor ou como convidado. Foi duramente criticado quando, no final de 2019, trouxe a público a tese engendrada pela ‘avvocatura dello stato’, o Ministério Público italiano, sobre a Grande Naturalização brasileira, agora com análise e julgamento anunciados pela ‘Corte Suprema di Cassazione’ para início no dia 12/07.

Taddone é um dos candidatos ao CGIE declarados desde o início das eleições dos Comites e, em sua estratégia, foi um dos líderes na formacão de “Italianità in Movimento”, coordenado mas não subordinado ao Maie – ‘Movimento Associativo Itaiani all’Estero’ do senador ítalo-argentino Ricardo Merlo. Os demais candidatos conhecidos são Ana Maria Cani de Almeida – ES, Andrea Lanzi – RJ, Pasquale Pierrini – DF, Renato Sartori – SP, Stephania Puton – RS além de Silvia Alciati – MG, e Walter Petruzziello – PR, que já exerceu dois mandatos anteriormente.

Os quatro novos conselheiros serão escolhidos por um colegiado de 120 conselheiros dos sete Comites que atuam no Brasil, mais representantes de 49 associações italianas (cinco perderam o prazo de indicação de seus delegados) escolhidas pela Embaixada da Itália no Brasil.

Na tele-entrevista que concedeu com exclusividade a Insieme e que acompanha esta matéria, Taddone explica o que o motiva a pleitear um lugar no CGIE, órgão que, embora de caráter consultivo, segundo ele tem imensas possibilidades de atuar politicamente na defesa dos interesses legítimos das comunidades italianas. Certa vez ele afirmou que é necessário deixar para trás “una rappresentanza da salotto” (algo como uma representação de aparências).

Seu estilo combativo às vezes é confundido com “polêmica” por algumas autoridades italianas, mas ele insiste na explicação de que “direito” não pode ser confundido com  “favor”.

“A Itália transoceânica naufragou. É chegada a hora de repensá-la”, escreveu Taddone ao analisar a lei da Cidadania italiana, hoje em debate tanto no Executivo, no Judiciário quanto no Legislativo italiano.

Sem esquecer das questões ligadas à cultura, economia e demais temas que interessam à grande comunidade itálica do Brasil, Taddone  se volta com especial destaque contra os abusos consulares. Um deles diz respeito à não fiscalizada aplicação dos recursos provenientes da ‘taxa da cidadania’: ela “existe desde 2014 e os atuais conselheiros tomaram posse no fim de 2015. Eu nunca tomei conhecimento de que tenham solicitado qualquer tipo de prestação de contas desses imensos recursos”, diz ele.

Num grupo em que participam conselheiros de todos os Comites do Brasil, ele escreveu: “Um dos objetivos principais que todos nós como representantes da nossa comunidade, com ou sem cidadania reconhecida, é cobrar da nossa rede diplomático-consular que os nossos consulados sejam ambientes acolhedores e não locais aos quais os cidadãos vão com medo, alguns com verdadeiras crises de ansiedade, porque sabem que existem boas possibilidades de não serem tratados dignamente. Esta era uma cobrança do saudoso Salvador Scalia que eu jamais vou esquecer”.

Além de ter gravado a vídeo-entrevista, o candidato Taddone respondeu também por escrito as principais perguntas que, por padrão, Insieme está fazendo a todos os candidatos. Em nosso site, uma busca por “Taddone” pode oferecer mais informações sobre as posições do candidato.

O que motiva sua candidatura?
Em 2023 eu completo 30 anos de envolvimento com temas ligados à comunidade italiana. Comecei a frequentar o Circolo Italiano de São Paulo aos 13 anos. Eu ia de metrô da Mooca até a praça da República para ler livros, jornais e revistas italianos na biblioteca do Circolo. Lá eu conversava, sempre que possível, com os habitués. Ainda hoje me lembro das conversas com Luigi Sarcinella e Edoardo Coen, cada um a seu jeito. Depois disso trabalhei no Istituto Italiano di Cultura, no Consulado-Geral de São Paulo, no Consulado de Recife e por fim fui presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’  do Nordeste de 2015 a 2021. Soma-se a essa experiência minha candidatura à Câmara dos Deputados da Itália em 2018 quando recebi 4334 votos (votos “orgânicos”, saliente-se).

No ano passado coordenei junto com Luis Molossi as listas do grupo “Italianità in Movimento” e obtivemos um ótimo resultado geral. Portanto, a candidatura ao CGIE é uma consequência dessa história. O que mais me motiva é representar os cidadãos. Jamais devemos nos esquecer que todos nós, conselheiros dos COMITES, representantes das associações e os conselheiros do CGIE devemos representar os cidadãos e todos nós sabemos de fato quais são seus problemas e anseios. Não podemos perder de vista a ideia da representação.

Como vê o papel do CGIE no sistema de representação institucional dos italianos no mundo?
Como já dito e repetido inúmeras vezes, o CGIE parece ter perdido protagonismo desde que os italianos no exterior passaram a ter, desde as eleições de 2006, o direito de eleger diretamente representantes no Parlamento italiano. Eu acredito que ainda assim o papel do CGIE é muito importante ao constituir uma “representação da representação” e permitir que as realidades continentais e de cada país onde há consistentes comunidades italianas possam se encontrar e trocar experiências.

Com a redução do número de parlamentares que teremos na próxima legislatura, a tendência natural parece ser uma recuperação da importância do CGIE como instância intermediária da representação dos italianos no exterior.

Como analisa a atuação da representação brasileira no CGIE até aqui?
A ideia de representação comporta necessariamente a exposição de ideias (saber o que o representante pensa e defende), a prestação de contas e o serviço à comunidade. Infelizmente são três elementos que eu tenho dificuldade de reconhecer na atual composição ítalo-brasileira na CGIE. Exceção feita à atuação de Silvia Alciati, que por uma questão de justiça sempre faço questão de elogiar-lhe a proatividade. E o faço com sinceridade de propósitos, visto que não tenho com ela nenhum acordo de troca de votos, pois nesta eleição concorro em conjunto com os colegas Walter Petruzziello e Stephania Puton.

Algo que me deixa extremamente decepcionado é não saber o que os conselheiros pensam sobre os principais temas importantes para nossa comunidade. São seis anos e meio sem saber o que pensam em praticamente todas as questões relevantes (ilegalidade das filas de cidadania, mudanças na lei de cidadania, dificuldades para a emissão de passaportes, abusos causados por exigências consulares sem base legal, a bazófia da Grande Naturalização, a investida de setores do Estado italiano contra o direito de cidadania dos italianos no exterior etc.).

Não exigimos que os conselheiros tenham soluções para os problemas, mas merecemos saber seu posicionamento diante de cada um dessas questões. E o que temos? Um silêncio ensurdecedor.

Ao longo da história do CGIE, que vem do final do século passado, que ações ou fatos podem ser enumerados como positivos para a comunidade italiana no mundo? Quais suas grandes falhas?
Esta pergunta tem um sabor um tanto amargo. Feitas as honrosas exceções de praxe, que podemos atribuir a casos pontuais quase sempre ligados a iniciativas pessoais de alguns conselheiros, tenho dificuldade de encontrar na memória esses fatos e ações positivos. É preciso dizer que muitas vezes os órgãos atuam de fato nos bastidores e impedem que decisões ruins possam ver à luz, evitando assim que algo negativo seja implantado. É um pouco o caso dos Comites. Quase sempre sua atuação é de “contenção”, mais propriamente do que de ação. É triste que assim seja, mas é a realidade.

Desde que foi instituído o voto por correspondência no exterior, o CGIE ficou um pouco sem função, dizem, e também um pouco à deriva de partidos. Na sua opinião é o CGIE que serve aos partidos e/ou parlamentares eleitos no exterior, ou o contrário?
Com toda a sinceridade, não tenho elementos para julgar. Não vejo que o CGIE seja “dominado” pela lógica partidária, embora claramente haja fricções de interesses partidários.

Como se posiciona diante do direito de sangue de milhões de ítalo-brasileiros?
Minha posição é bastante clara e conhecida: sou favorável ao respeito intransigente da lei. Podemos repensar e reformular a lei de cidadania, mas sempre respeitando o que já está consolidado no tempo, que é o caso da transmissão da cidadania, que se dá ao nascer e não no momento do reconhecimento, como muitos teimam em acreditar.

Muitos representantes, cujas posições só são reveladas em petit comité, justamente porque sabem que são posições impopulares e que trariam uma consequência eleitoral, entendem a cidadania dos descendentes de imigrantes italianos como uma “concessão” do estado e não como uma “atribuição” automática derivada de artigos legais cristalinos (isto é, do art. 4 do Código Civil de 1865, do art. 1 da Lei 555/1912 e do art. 1 da Lei 91/1992).

Esse entendimento errôneo os faz imaginar que uma mudança na legislação possa fazer com que os milhões de descendentes do dia para a noite “percam o direito” à cidadania italiana. E se as discussões são sempre travadas partindo de uma premissa absolutamente equivocada, claramente não se vai a lugar nenhum.

Minha posição detalhada sobre o futuro da lei de cidadania foi publicada pela revista Insieme no artigo “A Itália transoceânica naufragou. É chegada a hora de repensá-la”.

No caso específico do Brasil, que diz da atuação do CGIE em relação ao crônico problema das filas da cidadania e tudo o que a ela se relaciona, incluindo a disparidade na ação consular sobre o tema?
Pelo menos da consiliatura que ora finda, de 2015 a 2022, não me recordo de ter visto absolutamente nenhum pronunciamento e, muito menos, nenhuma ação concreta de condenação clara desses absurdos.

Que propostas apresenta, objetivamente, caso seja eleito?
A proposta é ser combativo e transparente. Não tenho ideia se conseguirei convencer que o CGIE como um todo se pronuncie de forma mais contundente sobre os problemas que devemos enfrentar. Sou muito cético. Todavia, pelo menos minha ação será de cobrança e crítica quando for necessário (e sem dúvida será) e de elogiar quando for o caso (e sem dúvida haverá ações dignas de elogios). Não deixarei de entregar as tão temidas “polêmicas”.