Cidadania: Advogado divulga estratégia para agilizar transcrições após sentença de reconhecimento iure sanguinis

“Os italianos, com certeza, vão ganhar a medalha de ouro”, tamanha é a burocracia e a demora para a obtenção da certidão do trânsito em julgado nas sentenças de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis, brincou hoje à tarde o advogado Riccardo De Simone ao conceder entrevista exclusiva à Revista Insieme sobre “uma nova estratégia para agilizar as transcrições”.

Essa fase do processo, logo após a sentença da Justiça, está demorando mais que as próprias transcrições junto aos Comunes, disse De Simone, defendendo, entretanto, um clima de entendimento com os Oficiais de Registro Civil. A nova estratégia prevê uma especie de “convite” extra-judicial a algumas autoridades, especialmente aos prefeitos italianos – “órgãos periféricos do Ministério do Interior”.

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As orientações (”não pretendo ensinar ninguém como deve trabalhar”, acentua o advogado) apresentadas por De Simone decorrem de sentença recente da Corte di Cassazione no bojo do processo em que atuou o advogado Marco Mellone, envolvendo uma ítalo-brasileira residente no comune de Vittorio Veneto, na região do Vêneto e vão abaixo tanscritas (aqui traduzidas para o português com o auxílio da IA):

ATO EXTRAJUDICIAL DE INTIMAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL
Ilmo.
Ministério do Interior
A/C Advocacia do Estado

Ilmo.
Prefeito do Município de [•] A/C Casa Municipal

O signatário, Advogado [•], em nome e por conta de seus clientes, Srs. [•], domiciliados, para efeitos legais, em seu escritório localizado em [•] (doravante denominados simplesmente “requerentes”), em virtude do mandato expresso conferido e não revogado (doc. 1), vem expor o que segue:

Considerando que:

a) Os requerentes apresentaram pedido de reconhecimento judicial do próprio status civitatis por direito de sangue perante a Seção Especializada em Direitos da Pessoa e Imigração do Tribunal Civil de [•] (RG [•]);

b) Tal processo foi concluído por meio de sentença (doc. 2), notificada em [•] (doc. 3), que reconheceu a cidadania italiana dos requerentes e ordenou ao Ministério do Interior e, por ele, ao Oficial do Estado Civil competente, a realização das devidas transcrições, registros e comunicações às Autoridades Consulares competentes;

c) A referida ordem tem efeito imediato para modificar a realidade jurídica nos termos do art. 282 do Código de Processo Civil italiano [ou, se aplicável, do art. 702 ter, sexto parágrafo, CPC], conforme reiterado pela jurisprudência (Tribunal de Gênova, decisão de 25/02/2022; Tribunal de Savona, decisões de 14/06/2024 e 04/07/2024);

d) Já transcorreram os prazos legais, nos termos do art. 325 do CPC italiano, sem que a Ilustre Administração, chamada ao processo, tenha notificado o signatário de qualquer ato de impugnação;

e) Embora a intervenção do Ministério Público seja obrigatória em ações que envolvam estado e capacidade das pessoas, sob pena de nulidade conforme art. 70, inciso 3, CPC italiano, a impugnação das decisões judiciais não está expressamente incluída entre suas competências para este tipo de processo, nos termos do art. 72, §2º, CPC italiano;

f) Assim, a única parte legitimada a interpor recurso – salvo no caso de a defesa do Estado, ainda que tenha participado do processo, ter expressamente aceitado a demanda sem contestá-la e, portanto, não sendo parte prejudicada e sem legitimidade para recorrer – é o Ministério do Interior;

g) Além disso, a competência territorial no julgamento do mérito não foi contestada (ver doc. 2), o que não permite a proposição de um conflito de competência;

h) Também não há registro de acordo entre as partes para a interposição de recurso por saltum perante a Corte de Cassação, nos termos do art. 360, segundo parágrafo, CPC italiano;

i) Consequentemente, a decisão judicial transitou em julgado internamente, sendo este fato pacífico e incontroverso, e reconhecido formalmente neste ato pelas partes;

l) Caso o Oficial do Estado Civil deseje comprovação da definitividade da decisão, esta já se encontra plenamente disponível para a Ilustre Administração, uma vez que o Ministério do Interior é a única parte que poderia ter recorrido da decisão;

Considerando ainda que:

m) A eficácia da coisa julgada decorre automaticamente da lei, nos termos do art. 324 do CPC italiano, pelo simples decurso do prazo para recurso, de modo que a certificação emitida pelo cartório do tribunal não tem função constitutiva, mas apenas declaratória e de reconhecimento de algo que já ocorreu devido à falta de impugnação da sentença;

n) A Suprema Corte da Itália recentemente decidiu que o certificado de trânsito em julgado não é necessário para comprovar a definitividade de uma decisão, tampouco se pode subordinar a execução de uma sentença que reconhece a cidadania italiana iure sanguinis e que determina o respectivo cumprimento administrativo à emissão desse documento (ver Corte de Cassação, sentença n. 2281/2025);

o) A jurisprudência administrativa também tem entendimento consolidado de que a apresentação do certificado de trânsito em julgado não é necessária para a execução da ordem judicial, conforme demonstram diversas decisões:

• “É verdade que tal certificação serve como prova do trânsito em julgado, mas não é uma prova decisiva nem indispensável […]. A certificação de que trata o art. 124 das disposições de execução do CPC não é inquestionável, tampouco indispensável: se emitida, pode ser contestada; se não emitida, a prova pode ser feita por outros meios. Cabe ao juiz verificar se o trânsito em julgado realmente ocorreu e quais são seus efeitos sobre a questão discutida no processo” (Cons. di Stato, n. 1464/2012);

• “No âmbito de um julgamento de cumprimento de sentença, a prova do trânsito em julgado da decisão cuja execução é solicitada pode ser feita, na ausência do certificado do cartório conforme o art. 124 das disposições de execução do CPC, mediante o reconhecimento da não impugnação da sentença pelos interessados” (T.A.R. Campania Salerno, Seção I, 18/07/2019);

•“Visto que os artigos 112 e seguintes do Código do Processo Administrativo (D.Lgs. n. 104/2010) não estabelecem critérios unívocos ou rigorosos quanto às modalidades de verificação do trânsito em julgado das sentenças objeto de recurso para cumprimento, na ausência do certificado do cartório judicial previsto no artigo 124 das disposições de execução do Código de Processo Civil, a prova do trânsito em julgado pode ser obtida por outros meios instrutórios, entre os quais, sobretudo, o reconhecimento, ainda que implícito, da falta de impugnação da sentença por parte dos interessados.” (T.A.R. Campania Salerno, Seção I, Sentença, 17/01/2013, n. 92).

•“No âmbito do julgamento de cumprimento de sentença civil, quando faltar o certificado do cartório judicial nos termos do artigo 124 das disposições de execução do Código de Processo Civil, a prova do trânsito em julgado pode ser obtida por outros meios instrutórios, especialmente quando a ausência de impugnação da sentença a ser cumprida for explicitamente reconhecida e admitida pelos interessados.” (T.A.R. Liguria, Seção I, 11/11/2002, n. 1094).

•“Na ausência da certificação do cartório judicial, a prova do trânsito em julgado pode ser obtida por outros meios instrutórios, pelo menos nos casos em que a circunstância da falta de impugnação dentro do prazo seja expressamente reconhecida e admitida pelos interessados.” (T.A.R. Lazio, Seção III, 06/04/2000, n. 2821).

•“Nem o artigo 91 do Decreto Real de 17 de agosto de 1907, n. 642, nem o artigo 124 das disposições de execução do Código de Processo Civil estabelecem um meio exclusivo de prova para demonstrar o trânsito em julgado da decisão, de modo que, mesmo na ausência da certificação do cartório judicial, a prova do trânsito em julgado pode ser obtida por outros meios instrutórios, pelo menos nos casos em que a falta de impugnação dentro do prazo seja expressamente reconhecida e admitida pelos interessados.” (T.A.R. Lazio, Seção III, 04/12/1998, n. 3524).

Considerando ainda que:

p) Os requerentes são descendentes diretos do mesmo ascendente, nascido no Município de [•], conforme cópia da certidão de nascimento anexada;

q) Nos termos do art. 17 do Decreto Presidencial n. 396/2000, o Oficial do Estado Civil do referido município é territorialmente competente;

r) Com base no exposto, não há impedimentos para a execução da decisão judicial anexa e para a adoção das providências cabíveis;

s) Os requerentes têm interesse imediato e concreto no cumprimento da ordem judicial, pois, mesmo tendo um reconhecimento judicial inter partes, sem a transcrição dos atos nos Registros do Estado Civil, não poderão fazer valer seus direitos erga omnes nem exercer os direitos e deveres associados ao seu status;

t) O cumprimento de uma ordem judicial deve ser imediato, salvo determinação em contrário da própria decisão, e não pode estar sujeito a qualquer prazo administrativo, sendo qualquer disposição ministerial ou local em sentido contrário ilegal;

u) A eventual omissão injustificada da Administração Pública pode causar graves prejuízos aos requerentes, dado que se trata de um direito de natureza constitucional e fundamental para a vida social de cada indivíduo (ver Corte de Cassação, Seções Unidas, sentença n. 25317/2024);

v) A linha de descendência e transmissão do status civitatis foi reconhecida pelo órgão judicial, em contraditório com o Ministério do Interior, com base nos mesmos documentos que ora se solicita a transcrição, os quais são apresentados devidamente apostilados, traduzidos conforme a lei e em conformidade com todas as formalidades legais;

z) Por fim, este ato não está sujeito ao imposto de selo, pois trata-se de uma intimação extrajudicial para cumprimento de ordem judicial, e, em qualquer caso, sua ausência não implica improcedência ou suspensão da execução.

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Diante do exposto, os requerentes, por meio do advogado signatário, vêm, respeitosamente,

INTIMAR

• O Ministério do Interior, com sede em Roma, Piazza del Viminale 1, na pessoa do Ministro em exercício, representado pela Advocacia do Estado;

• O Prefeito do Município de [•], na qualidade de Oficial do Estado Civil, domiciliado em razão do cargo na Casa Municipal;

A CUMPRIR

1. A transcrição nos Registros do Estado Civil dos documentos anexos, devidamente traduzidos e apostilados;

2. A adoção das providências administrativas cabíveis;

3. A comunicação da transcrição ao Consulado Italiano territorialmente competente conforme o domicílio dos requerentes.

Anexos:

1. Procuração apostilada e traduzida;
2. Cópia autenticada da sentença;
3. Prova de notificação da sentença;
4. Certificado [•], apostilado e traduzido;
5. Cópia da certidão de nascimento do ascendente.

Local, data
Adv. [•]