Apontando avanços que “expandem direitos”, mas também retrocessos e até exigências em desacordo com a realidade jurídica do Estado, o advogado Cristiano Girardello faz duras críticas ao novo “roteiro da cidadania” publicado no site do Consulado da Itália em Belo Horizonte, que está anunciando, a partir de 1º de outubro, a entrada em vigor de uma nova forma de agendamento exclusivamente através de vídeo-chamada pelo aplicativo WhatsApp. “Tive a impressão – diz o advogado – de estar, como diz a música, diante de uma velha roupa colorida”.

Juntamente com as novas normas, o consulado anuncia que está iniciando uma “primeira, gradual e limitada reativação dos serviços consulares presenciais” e, ao abandonar o sistema ‘Prenota Online’, assegura que a nova modalidade de agendamento ajudará os interessados na cidadania italiana ‘iure sanguinis’ e “simplificará o serviço de agendamento”.

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Entretanto, para Girardello, “dá-se com uma mão, e tira-se com a outra”; os ítalo-mineiros “continuarão represados”, pois, por exemplo, o consulado reserva apenas duas horas semanais para essas vídeo chamadas. Além disso, tais chamadas não serão chamadas simples, já que os interessados devem apresentar, juntamente com sua intenção de obter o reconhecimento da cidadania, diversos comprovantes documentais, podendo também incluir dados de parentes ou familiares na mesma linha de ascendência.

As normas estabelecidas pelo consulado de BH ressuscitam a história de um “roteiro” ou “vade mecum” que deveria uniformizar o procedimento de todos os consulados sobre questões de cidadania; depois de apenas três dias em vigor, ele foi suspenso em fevereiro do ano passado sob pesadas críticas por parte dos Comites‘Comitati degli Italiani all’Estero’. O documento seria refeito pela Embaixada em consenso com os Comites, mas teria sido remetido ao Ministério do Interior italiano e, desde então, ninguém mais falou no assunto. 

Na análise de Girardello, a rede diplomático-consular italiana no Brasil erra ao não consultar advogados especialistas em diversas matérias, que poderiam contribuir para evitar erros como a exigência, no Estado de Minas Gerais, de procedimentos na área jurídica que existem em São Paulo mas nada significam para os mineiros. Percebe-se claramente a “intenção de copiar” mas sem conhecimento de causa, observa Girardello, referindo-se ao caso da “certidão de Objeto e Pé”.

Na entrevista de quase uma hora que concedeu à revista Insieme (o vídeo acompanha esta matéria), o advogado que é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, faz considerações sobre o comportamento consular italiano que, ao longo do tempo, foi aumentando as dificuldades para o reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’, e também sobre a necessidade de solução dos “problemas estruturais” que envolvem as “filas da cidadania” em países de grande afluxo da imigração italiana de um tempo.

Observa que ultimamente os interessados estão preferindo a via judicial que, embora mais  célere (ela pode também ser mais barata para aqueles que já possuem certidões supridas, diante da exigência do consulado de apresentação do processo integral de reconstrução do registro, traduzido e apostilado), é ainda inacessível para muitos devido ao preço das ações. Por isso, Girardello advoga a extensão do patrocínio do Estado às custas processuais, curiosamente concedido a estrangeiros na Itália, mas negada a milhares de cidadãos italianos desde o nascimento ao redor do mundo. “Seria necessária uma alteração legislativa que incluísse [entre os que têm direito ao patrocínio gratuito] especificamente os estrangeiros de ‘cepa’ italiana residentes no exterior”.

“Tudo iria mudar se fosse garantido acesso à Justiça para os descendentes” – raciocina Girardello. “As autoridades consulares e comunais poderiam ser contestadas sem altos custos por todo aquele que fosse lesado”. Aliás, para ele, “esse é o maior problema do ítalo-descendente ainda não reconhecido” e, por isso, faz um alerta aos parlamentares eleitos no exterior no sentido de tomarem iniciativa neste sentido. O advogado entende que há, sim, discriminação contra ítalo-brasileiros e ítalo-sulamericanos em geral.

Quanto à nova forma de agendamento por WhatsApp em Belo Horizonte, Girardello é cético quanto aos resultados anunciados pelo consulado. Explica já ter conversado com colegas italianos sobre o tema e que, segundo a opinião deles, bastam ‘prints’ das telas de aplicativos indicando a impossibilidade de conexão com o consulado para fazer prova perante a justiça. As chamadas de WhatsApp para o consulado deverão ser realizadas para um número ainda não divulgado (“nos dias antes do dia 1º de outubro”) e apenas às sextas-feiras, no horário das 10 às 12 horas.

Segundo informa o consulado em seu comunicado, a retomada dos serviços presenciais na área de cidadania será assim: “Em um primeiro momento, serão convocados, a partir de agosto de 2021, os requerentes que já estavam agendados para o reconhecimento da cidadania ‘jure sanguinis’, cujo comparecimento fora adiado em virtude da difusão da epidemia. O Consulado providenciará o envio da nova data a cada um dos usuários por e-mail”.