Ítalo-brasileiros que acompanharam o "Convegno di Studi" de Pádova, sobre cidadania italiana (Foto D. Taddone)

Desde a regionalização da competência decisória nos tribunais italianos, há menos de dois anos, somente o Tribunal de Veneza registrou 16.663 novas inscrições de cidadãos italianos por direito de sangue e existem 13.239 processos pendentes, “que devem ser multiplicados pela média de dez requerentes por família”. Os dados são de 31 de março último e a informação é do presidente do Tribunal, Salvatore Laganà, ao falar na abertura do Convegno di Studi realizado sexta-feira última (12/04) nas dependências da Universidade de Pádova.

O encontro, ao final definido pelo conselheiro do Brasil no CGIE – Consiglio Generale degli Italiani all’Estero, Daniel Taddone, como um “manifesto anti-oriundo”, foi seguido por advogados, muitos deles ítalo-brasileiros, e será tema de uma “4Chiacchiere Insieme” no final da tarde desta segunda-feira, com início às 16h30min.

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Questionando sobre limites ao reconhecimento da cidadania italiana, o constitucionalista da Universidade de Pádova, Sandro De Nardi, chegou a “lembrar” que o número de pessoas potencialmente interessadas na cidadania italiana em todo o mundo “é estimado em 80 milhões de descendentes”, sendo o Vêneto a primeira Região em emigração para a América do Sul.

Segundo reporta o jornal Il Gazzettino de Veneza, em sua edição de sábado, o “boom” de requisições judiciais para o reconhecimento da cidadania italiana registrado “principalmente por parte de brasileiros” estaria assustando os magistrados, que se preocupam com uma “situação fora do controle”.

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O presidente da Corte d’Appello, Carlo Citterio, já conhecido por outras declarações, voltou a falar na necessidade da ‘tomada de medidas urgentes: “Se não forem tomadas medidas”, o tribunal ficará “impossibilitado de atingir os objetivos estabelecidos pelo Pnrr [Piano Nazionale di Ripresa e Resilienza] para a redução dos prazos de tramitação dos casos”, segundo reporta o mesmo jornal, aduzindo que entre os que se encontram na fila estaria o pedido do ex capo del Governo verdeoro Jair Messias Bolsonaro (ex-chefe do governo verde-amaralo JMB).

No encontro, o constitucionalista Fabio Corvaja, da Universidade de Pádova, defendeu “uma intervenção na lei” e o levantamento de “pelo menos uma questão de constitucionalidade perante a Corte Constitucional, submetendo a dúvida de sua compatibilidade com o direito comunitário perante a Corte de Justiça Europeia, revisando um texto que é manifestamente irracional”.

Abaixo traduzimos o texto publicado pelo jornal “Il Gazzettino”, sob o longo título, “Pedidos de cidadania italiana. Do Brasil, a carga dos “novos” 300 mil vênetos. O alerta: quase 30 mil pedidos de cidadania, cada um com 10 requerentes”, seguido do subtítulo “Em Veneza, 16.663 novos inscritos em dois anos, mais outros 13.239 processos pendentes. Laganà: “Cada um vale por 10 pessoas”.

“Na Região do Vêneto, a gestão dos pedidos de cidadania italiana por parte dos descendentes corre o risco de ficar completamente fora de controle. O alerta ressoou ontem no Bo de Pádova, onde o departamento universitário de Direito Público, Internacional e Comunitário reuniu acadêmicos, magistrados e advogados para avaliar o “boom” de processos iniciados principalmente pelos brasileiros, que tornaram o Tribunal de Veneza a sede mais congestionada da Itália, como destacou o presidente Salvatore Laganà: “Até 31 de março, portanto, menos de dois anos após a reforma que ‘regionalizou’ a competência de decidir, há 16.663 novas inscrições e 13.239 processos pendentes, a serem multiplicados em média por dez requerentes por família”, como a do ex-chefe de governo verde-amarelo Jair Messias Bolsonaro, ainda na fila”.

“Uma vez que os recursos nessa matéria superam em muito todos os outros tipos ordinários, se não forem tomadas medidas, o escritório distrital ficará impossibilitado de atingir os objetivos estabelecidos pelo Pnrr para a redução dos prazos de tramitação dos casos”, advertiu Carlo Citterio, número um da Corte de Apelação. “É necessário uma revisão normativa, pelo menos por meio de intervenções corretivas cirúrgicas das distorções”, disse o constitucionalista Sandro De Nardi, elogiando o anúncio de Laura Lega, chefe do departamento ministerial de Liberdades Civis e Imigração: “Foi agendado no Senado um projeto de lei (do qual o meloniano Roberto Menia é o promotor) que propõe impor aos requerentes um limite para a terceira geração e um nível mínimo de conhecimento da língua italiana”.

O jornal prossegue:

Ius sanguinis – Segundo o princípio do ius sanguinis, os filhos, netos e bisnetos de cidadãos italianos podem adquirir a cidadania italiana (mesmo se nascidos no exterior). Para exercer esse direito, existem duas opções: administrativa, ou seja, no consulado para aqueles que vivem fora do país, ou na prefeitura para aqueles que já residem na Itália; ou judiciária, se o consulado ou o prefeito não respeitar o prazo de 730 dias para a conclusão do processo, como acontece no Brasil, onde existem “mais de 48.000 solicitações”, destacou o prefeito Lega, tanto que uma ordem dos juízes de Veneza descreveu uma “situação de paralisia substancial dos escritórios competentes diante do enorme volume de pedidos apresentados” em São Paulo e arredores.

A representante do Ministério do Interior acrescentou: “Isso tem favorecido um considerável litígio e o chamado turismo de cidadania: estrangeiros estabelecem residência fictícia na Itália para fazer o pedido”. Além disso, o presidente Laganà revelou: “Com um ritmo de 1.500 inscrições por mês, três quartos dos juízes no Tribunal de Veneza deveriam trabalhar apenas para os brasileiros, negligenciando a proteção dos direitos dos cidadãos que vivem na Itália. Além disso, como chefe do escritório, devo relatar ao Procurador da República e ao Conselho de Disciplina da Ordem dos Advogados o fenômeno muito preocupante dos advogados que omitem não apenas o endereço e o número de contribuinte dos requerentes nos atos de citação, mas também deixam de pagar a taxa judiciária unificada, de forma que, na ausência desses dados, é impossível recuperar o valor para o tesouro. Um profissional representou 512 recursos, sem que fossem pagos 250.000 euros”.

Como os estrangeiros podem obter a cidadania italiana? – O constitucionalista Fabio Corvaja foi à raiz do problema: “Para se tornar italiano, basta que um de seus antepassados, inclusive um dos 16 trisavós ou dos 32 “quadrisavós”, tenha sido cidadão pelo menos do Reino da Itália. Com um efeito em cascata, o fenômeno aumenta cada vez mais, com picos durante crises econômicas ou sociais, também porque todos esses novos cidadãos geram outros italianos por sua vez. Isso coloca um problema constitucional na definição do Estado, devido a um fenômeno incontrolável de “não italianos” pertencentes à República. Soluções? É necessário intervir na lei, levantando pelo menos uma questão de constitucionalidade perante a Corte Constitucional, submetendo a dúvida de sua compatibilidade com o direito comunitário perante o Tribunal de Justiça Europeu, revisando um texto que é manifestamente irracional”.

“Perguntas do professor De Nardi: “É justo não impor nenhum limite geracional ou temporal na solicitação? E é razoável que a cidadania seja reconhecida com base apenas em uma verificação documental da descendência, remontando até séculos atrás, sem levar em consideração a verificação de algum tipo de vínculo mínimo com nosso país, como, por exemplo, a língua, enquanto um cidadão estrangeiro nascido na Itália deve ter residido continuamente aqui até a maioridade? Lembro que o número potencialmente interessado é estimado em 80 milhões de descendentes”. E o Vêneto é a primeira região em emigração para a América do Sul”.