Ética advocatícia (3): No relacionamento com os clientes

Prezados leitores, depois de duas publicações dedicadas ao julgamento do século, retorno à série de artigos na qual trabalhava anteriormente, sobre a ética advocatícia. Com toda sinceridade, espero que estejam aproveitando bastante, pois, quanto mais me relaciono com o mundo da cidadania italiana, mais percebo o quanto este é o principal assunto sobre o qual todos nós devemos estar mais bem informados.

No primeiro artigo da série, falamos sobre a contratação de serviços advocatícios na Itália para a propositura de ações judiciais de reconhecimento da cidadania; no segundo, dissertamos sobre a ética advocatícia na atividade de publicidade e propaganda dos serviços advocatícios. Dando sequência, no presente número, falarei sobre a ética no relacionamento dos advogados com seus clientes: algo que, para mim, é o principal ponto de análise relacionado à temática.

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O cenário é de abandono: infelizmente, a grande maioria dos prestadores de serviços advocatícios na Itália não faz o mínimo esforço para esclarecer e atualizar seus clientes com relação aos procedimentos sobre os quais respondem profissionalmente. Os clientes, nesse cenário, acabam organizando-se em grupos autônomos – do Facebook ou do Whatsapp – para que prestem entre si “informações” sobre o andamento de processos e “esclareçam”, uns aos outros, as dúvidas que vão surgindo.

Idealmente, por se tratar de um procedimento que tramita em jurisdição estrangeira – sendo, portanto, de total desconhecimento dos brasileiros –, deveria vir acompanhado de um treinamento por parte dos prestadores de serviços, no qual se explicaria o procedimento (mesmo que em linhas gerais) e onde fosse oportunizada a apresentação de dúvidas por parte dos clientes. Razões de agenda não podem ser colocadas como empecilho: na impossibilidade de uma reunião com os clientes, nada impediria que fossem desenvolvidos guias escritos ou FAQs – a serem distribuídos aos clientes e/ou colocados nas páginas profissionais dos advogados. Fato é que nenhuma atitude é tomada a esse respeito: e, após a propositura das ações, os clientes são jogados à própria sorte, num ambiente de total ignorância a respeito dos seus processos; quando muito, precisam apresentar suas dúvidas de forma pontual aos advogados contratados.

A situação é caótica: milhares de pessoas repetindo exaustivamente as mesmas dúvidas, em variados fóruns digitais, sendo respondidas por pessoas não qualificadas e que têm unicamente suas próprias experiências para dar como respostas e que, também de forma exaustiva, ficam entrando em contato pessoal com seus advogados (muitas vezes sem retorno) para tirar dúvidas ou dividir suas apreensões.

Essa forma de tratamento que nos é dispensado pelos profissionais que nos atendem somente confirma aquilo que já sabemos: nosso valor é medido em euros! Dificilmente recebemos um tratamento que seja condizente com a importância que damos à cidadania, aos antepassados e à genealogia. Se os profissionais compreendessem o verdadeiro sentido que a cidadania italiana tem para todos os ítalo-descendentes, talvez seria diferente.

Movimentação processual, prazos, recursos, sistema judiciário na Itália, etc., são todas questões sobre as quais somos mantidos em uma constante ignorância. Some-se a isto a resistência dos advogados em nos enviar peças processuais, juntar documentos e provas que entendemos importantes para o caso, morosidade na solução de problemas – inclusive problemas graves –, além dos casos em que são realizadas cobranças indevidas de honorários, muitas vezes até sem a contrapartida dos serviços prestados. Em um caso que chegou ao meu conhecimento, a família foi instada a pagar 1000 euros para que o advogado respondesse a um recurso que… não existe! A família tenta explicação já há quatro meses – e não aparece nem a resposta do profissional, nem o recurso à Corte d’Appello!

Fosse no Brasil (muitas e muitas vezes injustamente mal falado), certamente já existiria uma associação profissional de advogados especialistas no tema e até mesmo súmulas de entendimento profissional tendentes a uniformizar as interpretações. Entretanto, na Itália parece que nada parecido nem perto está de acontecer, muito embora sejam hoje milhares de interessados, centenas de profissionais e milhões de euros envolvidos!

É preciso profissionalizar verdadeiramente a prestação de serviços em cidadania, buscando o desenvolvimento de ações concretas, não só do ponto de vista do relacionamento privado advogado-cliente, mas também originadas pelo esforço coletivo e/ou direcionadas à coletividade dos ítalo-descendentes – além da fundação de associação de advogados especialistas, conforme dito no parágrafo anterior, poderíamos citar: desenvolvimento de aplicativos para o uso em sites e celulares, realização de congressos e seminários com periodicidade predefinida, acordos entre instituições de ensino superior brasileiras e italianas com o objetivo de desenvolvimento de cursos, disciplinas e programas de intercâmbio de alunos de pós-graduação e pesquisadores, desenvolvimento de material escrito, tanto para uso acadêmico (vade mecum, p. ex.), quanto de uso geral (guias de cidadania, do processo judicial na Itália, etc.), publicação de livros sobre o assunto, etc.

Há muito a fazer e há muito a demandar; basta que nossos prestadores de serviço percebam nosso verdadeiro valor e passem a levar realmente a sério a matéria com a qual têm trabalhado e da qual têm obtido seus rendimentos. Até o próximo número!