Um pedido para que o Parlamento italiano tutele os cônsules e vice-cônsules italianos que não conseguem cumprir os prazos previstos pela lei da cidadania italiana por direito de sangue foi feito pela embaixadora Elisabetta Belloni, ao falar ontem (09/10) perante a Comissão das Relações Exteriores da Câmara dos Deputados da Itália. “É evidente que não conseguimos respeitar os prazos”, disse ela, aduzindo que já estão “começando a chegar as denúncias” e a isso “respondem pessoalmente o cônsul e o vice-cônsul. Eu acho que nós temos os dever de proteger esses funcionários”, completou.

Segundo Belloni, “meia América Latina é italiana” de acordo com a legislação em vigor, que ela considera muito ampla, e os funcionários do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional – Maeci não têm como cumprir os prazos. A embaixadora disse que a Farnesina já começa, inclusive, a encontrar dificuldades para repor o pessoal em alguns consulados, devido às reclamações e à ameaça de processos contra os funcionários públicos italianos, que respondem pessoalmente nestes casos.

PATROCINANDO SUA LEITURA

Durante o debate, o deputado ítalo-brasileiro Luis Roberto Lorenzato, que integra a comissão, cumprimentou a representante da Farnesina pelo trabalho em todo o mundo, mas enfatizou que os italianos no mundo não são um problema e, sim, um importante recurso. Saudou Belloni pelo seu reconhecimento de que os descendentes de italianos são todos italianos natos, conforme dispõe a lei, mas disse que os consulados não fazem nada de graça e que, somente com a taxa da cidadania, a Itália arrecadou em três anos cerca de 16 milhões de euros. Seiscentos mil pedidos numa população de 30 milhões de pessoas não é um número alto, segundo o deputado.

Além disso, Lorenzato responsabilizou a Farnesina por querer alterar a lei em vigor e pela recente dilação dos prazos no chamado ‘Decreto Salvini’, inclusive fazendo isso de forma equivocada – uma medida que, para Belloni, é apenas paliativa, pois conseguirá apenas postergar o problema. Ela negou a afirmação de Lorenzato e, ao final, resumiu sua fala: “Ou nos dêem mais pessoal, ou então é preciso proteger quem não consegue cumprir os prazos previstos pela lei”.

Insieme reuniu os trechos do vídeo que contém a fala integral da embaixadora Belloni, a intervenção de Lorenzato e a réplica da embaixadora. Ela fez um relato sobre a situação da despesa, eficiência na alocação de recursos e sobre o grau de eficiência da ação administrativa desenvolvida pelo Maeci. Alguns dados que ela apresentou: a Itália entregou (não disse o ano) 1.850.000 vistos; os números da cidadania reconhecida aumentaram em 20% enquanto os de passaportes, 50%. Abaixo, transcrevemos os trechos do vídeo editado:

Embaixadora Elisabetta Belloni: Há um ponto que gostaria de enfatizar: Eu acredito que o Parlamento tem também o dever de proteger esses funcionários que assumem essa responsabilidade. Este é um tema que eu tenho como muito importante não só porque na minha carreira eu assumi muitas, mas porque vejo como trabalham meus colegas no exterior. Dou um exemplo a todos. Vocês sabem que a Lei da Cidadania é uma lei que reconhece a cidadania a todos aqueles que possam demonstrar que possuem um antepassado italiano depois de 1860. Assim, potencialmente nós temos meia América Latina que é italiana. Não que deve pedir [para ser], mas que é italiana. Trata-se apenas de demonstrar a italianidade através de documentos.

Nós estamos submersos, naquela parte do mundo, por pedidos de cidadania italiana. A lei diz que, depois de um certo período, o funcionário público é obrigado a responder. Agora com o novo decreto em vigor, nós prolongamos este tempo. Mas num consulado que tem dez pessoas e tem 600 mil pedidos apenas de cidadania (depois tem todo o resto: atos notariais de batismo, de registro, de passaportes, vistos etc.) mas apenas de cidadania um número desses… É evidente que não conseguimos respeitar os prazos. Moral [da história]? Estão começando a chegar as denúncias. A isso respondem pessoalmente o cônsul e o vice-cônsul. Eu acho que nós temos os dever de proteger esses funcionários. Eles não conseguem atender, materialmente… É uma lei que estende assim de tal forma a cidadania que a todos não é possível conceder.

Nós hoje começamos a ter dificuldades de repor o pessoal naquelas sedes. Porque, obviamente, os riscos são muitos. A responsabilidade é pessoal, não como administração, evidentemente… Recentemente introduzimos essa modificação que alarga um pouco os prazos, mas também alargando, ou se tomam medidas mais incisivas, ou tudo se resumirá num ato de transferência, no tempo, do problema. Este é um dos motivos pelos quais, no âmbito das medidas que pedimos para o próximo orçamento esteja aquela do aumento – que não resolverá o problema, pois não será com o aumento de “xis” pessoas se consiga solucionar o problema – porém, pedimos um aumento do pessoal local… os assim chamados “contratistas” são importantes, certamente… porém enfatizo que enquanto um funcionário efetivo presta um concurso e presta juramento à República, os “contratistas” não o fazem, não são efetivos.

Portanto, de um lado são muito úteis, mas para aquele tipo de função… considerando que o pessoal efetivo, que pedimos seja aumentado, é que vai responder, está autorizado, e eu acredito que com razão, a colocar uma assinatura… Porque se faz um concurso, jura a verdade perante a República, é sua a responsabilidade. E pedimos também para continuar com um número de 30 por ano, que é um número bastante reduzido, para os concursos diplomáticos. Uma parte muito importantes sobre a qual trabalhamos para tornar mais eficiente a atividade do Ministério do Exterior é aquela da digitalização dos serviços consulares.

Foi inaugurado o assim chamado ‘Portale It’ para a inscrição online no Aire e para a atualização dos endereços nos países do exterior, que já funciona em cem sedes e, obviamente, estamos estendendo a toda a rede. A vantagem dessas ações é que elas nascem originalmente digitais, portanto, produzirão efeitos multiplicadores sobre a eficiência de nossa ação. Brevemente, nas próximas semanas, a Farnesina aderirá ao sistema público de identificação digital chamado SPED. Estamos também estudando a adesão à plataforma PAd… Administração Pública para possibilitar o pagamento das taxas consulares também de forma digital – obviamente, é um estudo um pouco complexo, porque o pagamento no exterior é um pouco mais complicado – , no entanto, haveremos de conseguir. Dotamos os Cônsules Honorários, figuras que não são efetivas nem contratadas, de instrumentos que permitem a coleta de dados biométricos e isso facilita muito nosso trabalho, porque ajuda os italianos que residem em localidades distantes de alguma estrutura institucional do Ministério do Exterior a entrega de seus dados biométricos aos cônsules honorários que os transmitem diretamente.

E vem o último caso que é a terceirização dos serviços dos vistos, isto é, como é chamado, “outsourcing” para os vistos cuja demanda é crescente… aqui não tenho os dados em mãos… sim, são 1.850.000 vistos entregues todos os anos. Portanto falamos de entradas consistentes, mas também de um número de ações delicadas, porque existem casos críticos que requerem muita atenção por parte dos funcionários. Temos as cidadanias, cujo número aumentou em 20%; temos os passaportes que aumentaram em 50% (entregamos 350.000 passaportes por ano). Portanto, se se pensa em relação ao número exíguo de funcionários que trabalham nas sedes do exterior, é uma cifra muito elevada. E, portanto, a terceirização dos serviços ‘outsourcing’ ajudam pelo menos na coleta dos dados necessários que depois são examinados pelos nossos funcionários.

Lorenzato: Os consulados não fazem nada de graça e 600 mil pedidos diante de 30 milhões de cidadãos não é um grande número. (Fotograma)

Deputado Luis Roberto Lorenzato: Obrigado. Gostaria de dar meus vivos parabéns ao trabalho que a Farnesina desenvolve em todo o mundo. Vocês têm muito trabalho e têm a oportunidade de demonstrar ao mundo o quanto são bravos, já que temos uma imensa comunidade de italianos no exterior. A senhora mesmo diz que meia América Latina é italiana. Portanto, somos já italianos no exterior. Italiano se nasce. Também vossos filhos nascem italianos, depois os netos e assim por diante. A senhora falou de cinco milhões de italianos no exterior. De qualquer forma, 14,5 milhões partiram da Itália. Apenas no Brasil nós somos hoje cerca de 30 milhões de pessoas. Existem pouquíssimos pedidos de cidadania. São 600 mil pedidos.

Todos amam esta Itália. A senhora falou bem do ‘made in Italy’ e eu apenas queria lembrar que nós promovemos o ‘made in Italy’ em primeiro lugar no mundo. Também grandes operadores italianos estão presentes no Brasil, como a Fiat, a Enel, etc. E que é de fato um desafio enfrentar este verdadeiro “recurso” que somos nós. Em primeiro estão os italianos, também aqueles nascidos no exterior. Só no Brasil, pagamos, em três anos – o último governo criou a taxa da cidadania – 16 milhões de euros. E estamos dispostos a pagar o dobro, o triplo, porque nós queremos pagar, porque tudo o que é de graça não tem valor, não é? A situação de outros países, como Portugal, por exemplo, que é pequeno, tem só dez milhões de pessoas, mas tem 2,5 milhões de pessoas no exterior.

Nós somos 60 milhões de pessoas na Itália e temos 5 [milhões] no exterior. Estamos entre os primeiros neste trabalho, mas não os únicos. Por exemplo, o Brasil tem 3 milhões de brasileiros no exterior, no mundo. Há uma grande comunidade [deles] aqui na Itália. Na questão dos consulados, que eu não vejo… como era visto no passado, melhoramos muito, porque em nossos consulados não somos uma “Caritas”. Nós vendemos serviços e cobramos por esses serviços vendidos. E o consulado é a vitrina de nosso ‘made in Italy’, de nossa cultura, de nosso imenso patrimônio cultural que temos. Ano passado, somente em turismo de retorno, a América do Sul gastou um bilhão de euros na Itália. São valores muito importantes. No que diz respeito ao Decreto Salvini… a senhora, ao falar sobre a lei da cidadania, me deixou um pouco assim… sinto-me mal porque… não sei quem tem interesse de mudar a lei para nossos filhos, não? Porque nós já nascemos italianos. A senhora mesmo disse que vocês pediram ao Ministério do Interior para a mudança da lei. Lamento, mas vocês erraram o artigo. (discussão…)

Não, a senhora disse, sim. Lamento, porque a senhora… vocês erraram o artigo, porque não mudaram o artigo primeiro. Isto é, é italiano o filho de cidadão italiano. Então, nada [muda] sobre o nascimento. Isto é, o alongamento de prazos, que é muito justo, é para as [cidadanias] por naturalização, isto é, por matrimônio e aqueles casos em que um cidadão tenha perdido a cidadania italiana. Isso está muito claro. Já falamos com Salvini, no Ministério do Interior e, caso não for assim entendido, apresentaremos uma emenda na Câmara dos Deputados.

No entanto, gostaria de enfatizar a nossos irmãos, nossos colegas, que o verdadeiro recurso somos nós, no exterior. Nós não somos um problema. E esses milhões de italianos no exterior estudam em universidades públicas no exterior, hospitais no exterior… não existe um custo para nós. Ter um passaporte não é um problema, é uma solução. Isto é, devemos aproveitar de todas essas ‘janelas’ em todo o mundo para promover de verdade nosso ‘made in Italy’. Também como alternativa: por exemplo, Israel, que tem 11 milhões de hebreus, 5 deles vivendo em Israel e 6 espalhados pelo mundo. Gostaria apenas de lembrar a vocês que no Brasil nós somos mais numerosos que os hebreus e mais ricos que eles. Hoje mesmo li que Portugal, que é um país pequeno, deu oportunidade aos portugueses que estão em dificuldade com o regime comunista de Maduro de voltarem para casa e ofereceu 12 mil postos de trabalho. Este é um verdadeiro problema a ser enfrentado na Itália, porque aqui não temos trabalho nem para os nossos. Gostaria de dizer apenas que a lei… não se entende quem tem vontade de mudar a lei. Porque aconteceu um encontro do CGIE no Panamá, onde foram escritas propostas para limitar gerações… e devemos entender que esta pode ser uma grande oportunidade para a Itália no Exterior. Eu a agradeço.

Embaixadora Elisabetta Belloni: O deputado San Martino fez referência à lei sobre a cidadania. Eu nunca disse que pedimos ao Ministério do Interior e tudo o mais. Eu disse – também porque não podemos fazer, vocês sabem muito bem que quem faz as leis é o Parlamento, não o funcionário da Farnesina –, o que eu disse é que, assim como é concebida, a lei sobre a cidadania faz com que o número de pedidos de reconhecimento da cidadania sejam muitos. Tratam-se de números que o pessoal de nossos consulados não consegue atender facilmente e, sobretudo, não consegue respeitar os prazos que eram previstos pela lei – agora, como eu disse, foram ligeiramente alongados – porém, apenas adiamos o problema. Digo que o número de pessoas que atua no reconhecimento da cidadania não é suficiente para tratar de um número assim grande, assim alto, de reconhecimentos da cidadania.

Acrescento que, quanto mais cidadanias forem reconhecidas, maiores são os serviços que, depois, precisam ser prestados. Em outras palavras, há a necessidade de pessoal em número suficiente para prestar esses serviços. Sim, eu também disse que as entradas que vêm das taxas consulares – assim chamadas diferenciadas – não são mais autorizadas. No passado, uma quota-parte daquilo que era arrecadado pelos consulados era devolvida ao Ministério do Exterior. Isso não é mais possível. Em outras palavras: ou nos dêem mais pessoal, ou, então, é preciso proteger quem não consegue respeitar os tempos previstos pela lei.