Um caso no mínimo esdrúxulo acaba de ser criado pela Justiça italiana ao apreciar dois pedidos idênticos de reconhecimento da cidadania pelo lado materno de uma mesma família totalizando vinte requerentes: divididos em dois processos, um grupo já tem a sentença transitada em julgado e o outro, que também obteve o reconhecimento na primeira instância, aguarda recurso interposto pela ‘avvocatura dello stato’. A tese da Grande Naturalização brasileira é uma das questões.

A natureza dos dois processos é a mesma e eles se baseiam documentalmente nos mesmos imigrantes, procedentes da região do Vêneto. O Estado italiano recorreu apenas de uma das sentenças, alegando “coisas muito vagas, sem provas, e até com insinuações de hipotética falsidade documental”, conta o engenheiro civil Tharcio Guzella Oliveira, mineiro de nascimento mas atualmente vivendo no norte da Alemanha com a esposa e a filha. Ambas possuem também a nacionalidade portuguesa.

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“Primeiro eles alegaram a Grande Naturalização, mesmo tendo sido apresentada a CNN – Certidão Negativa de Naturalização do Estado brasileiro e afirmaram que não tinham prova de que o ancestral imigrante teria chegado antes de 1889. Disseram que muitos chegaram antes daquela data e escreveram que “então é provável que ele tenha se naturalizado brasileiro. Depois alegaram que minha bisavó, filha do ante-nato, nascera antes de 1912 e que, portanto, ela teria perdido a cidadania italiana. E alegaram também uma coisa muito louca que é a possibilidade de que algum documento que eu apresentei no processo seja falso. Colocaram assim: existem muitos casos de documentos que vêm do Brasil que são falsos, então pode ser que algum documento seja falso. Mas não apresentaram nenhuma prova de que eu tenha apresentado algum documento falso. Tudo muito subjetivo. Não apresentaram prova sequer de que meu antenato tenha chegado antes de 1889” – diz o engenheiro na tele-entrevista.

Inicialmente, o casal pensou em se estabelecer na Itália, mas – conta Tharcio – o recurso à sentença de primeiro grau que, assim que prolatada, foi comemorada com grande alegria, acabou sendo determinante na escolha da Alemanha para morar. O problema é que agora ele, depois já de ter estabelecido residência naquele país, está dependendo de um visto que não tem certeza se obterá. Sua esposa, Joyce Espeschit, é médica obstetra e ambos estão frequentando aulas de alemão para melhor se inserir no mercado local de trabalho.

Embora sua próxima audiência esteja marcada somente para o início de março do próximo ano (exatamente um ano depois da primeira), Tharcio confessa que aguarda com muita apreensão o julgamento do dia 12 de julho próximo, quando a ‘Corte Suprema di Cassazione’ italiana haverá de dirimir as dúvidas que foram suscitadas com a tese da Grande Naturalização, que os representantes Estado italiano levantaram para negar o reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’ a ítalo-brasileiros descendentes de imigrantes que no Brasil chegaram antes do final de 1889.

Segundo o engenheiro, seu processo era exatamente igual ao processo da outra parte da família, que foi inclusive orientada pelo próprio Tharcio; “aquele já transitou em julgado e todos foram reconhecidos italianos, mas os que figuram no meu processo – na verdade o único com projetos de viver no exterior – estão agora dependentes desse recurso”.

O engenheiro, mesmo que tenha a sua cidadania italiana negada, diz que não deixará de apreciar e Itália nem a cultura italiana. “Lá estão nossas raízes e não há como negar isso”. Mas confessa que essa situação “é decepcionante”, pois é a própria lei italiana “que nos criou esse direito”. Se quiserem mudá-la, segundo ele, “que o façam às claras, sem subterfúgios e através do Parlamento que  tem legitimidade para isso. Confira o conteúdo integral da entrevista no vídeo que anexamos a esta matéria.