Foram duas as sentenças da Iª Vara Cível da ‘Corte d’Appello’ de Roma que, vindas ao conhecimento público ontem, rejeitam totalmente a tese da Advocacia do Estado italiano em relação à grande Grande Naturalização brasileira. Em ambas as decisões, a mesma turma daquela corte condenou o recorrente, isto é, o próprio Governo italiano, ao pagamento de pesadas custas, totalizando 20 mil euros (12 mil na primeira e 9 mil na segunda), equivalentes a mais de 110 mil reais.

Além de reverterem o clima deixado pelas decisões anteriores, contrárias aos interesses de pelo menos dois terços da grande comunidade de ítalo-brasileiros, as duas decisões demonstram uma clara divergência nas posições da própria magistratura italiana de segundo grau: a ala que se mantém alicerçada na legislação vigente e nos julgamentos já havidos ao longo de cerca de 150 anos e que até aqui tem norteado a Justiça de primeiro grau, e a ala que se demonstra sensível à à recente tese levantada pela ‘Avvocatura dello Stato’ e anunciada solenemente durante a Abertura do Ano Judiciário de 2020 da ‘Corte d’Apello’, pelo vice-advogado geral Giuseppe Albenzio.

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Na avaliação da advogada ítalo-argentina Monica Restanio, a segunda ala atenderia a uma orientação mais política que jurídica, dentro de uma concepção que dá sequência ao obstrucionismo já sobejamente conhecido no setor consular. Ela foi a patrocinadora das primeiras ações, obtendo também as primeiras sentenças já amplamente conhecidas, contra as ‘filas da cidadania’ diante dos consulados italianos.

Ela explica suas opiniões e constatações na vídeo-entrevista que acompanha esta matéria (gravada antes das duas sentenças referidas), e na qual falam também os autores do manifesto lançado no Dia Nacional do Imigrante Italiano – Augusto de Ornellas Abreu e Daniel Taddone, chamando atenção para uma “situação extremamente grave e perigosa”. Restanio é qualificada em ‘cittadinanza’ pelo Colégio dos Advogados de Roma, em cuja Ordem profissional foi membro da Comissão Imigração e Cidadania

A chamar a atenção de Ornellas e Taddone sobre a posição oficial da Procuradoria Geral italiana foi a advogada ítalo-argentina, segundo quem o obstrucionismo do governo italiano na questão do reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’ é coisa antiga e o que acontece agora no âmbito da Justiça italiana é somente a extensão do obstrucionismo que já vinha acontecendo nos consulados desde o final do século passado. Ela explica como isso acontece também tecnicamente.

“Vejo – diz ela na entrevista, deixando bem claro que a sua é uma opinião meramente técnica – uma vontade política por detrás de tudo isso, com o objetivo de desanimar as pessoas, de diminuir, enfim, os pedidos de reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’. É minha opinião”, finaliza.

Anexamos a esta matéria uma cópia com o inteiro teor do discurso do vice-advogado geral Giuseppe Albenzio, proferido em nome da ‘Avvocatura dello Stato’ diante da ‘Corte d’Appello’ de Roma, na Abertura do Ano Judiciário de 2020, a partir de quando aumentaram os recursos interpostos às sentenças da Justiça italiana de primeiro grau. Nele, a autoridade italiana reclama dos numerosos pedidos de reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue, dizendo que 90% são de ítalo-brasileiros. Ele se refere claramente à Grande Naturalização que teria, em seu entender, o efeito de renúncia à cidadania italiana por parte dos imigrantes italianos aqui chegados antes de 1980 e seus descendentes, exatamente como os advogados do Estado (Ministérios do Interior e Exterior italianos) vêm sustentando perante os tribunais.