Historiador italiano sentencia: o pioneirismo está com São João Batista-SC. Mas Santa Teresa-ES tem a primazia da grande imigração

Uma no cravo e outra na ferradura, mas o primeiro grupo de imigrantes de cultura italiana que chegou no Brasil foi aquele que formou a Colônia Nova Itália, em 1836, no atual município catarinense de João Batista. “Eu acho que está certo procurar ter uma nova lei que diga que o primeiro grupo de pessoas de cultura italiana (…) foi o grupo que o [Henrique Ambauer Schutel] Schutel e o [Carlo] De Maria trouxeram para Desterro e que, depois, mandaram na mata em que está atualmente o município de São João Batista (…). Então, a cidade pioneira neste sentido é, com clareza, São João Batista”.

O historiador e sociólogo italiano Renzo Maria Grosselli, autor de “Vincere o Morire” procurou esquivar-se salomonicamente do confronto que envolve as comunidades italianas de Santa Catarina e do Espírito Santo na questão pela primazia histórica da chegada dos imigrantes italianos em solo brasileiro, surgida com a sanção, pelo presidente Michel Temer, da lei número 13.617/2018, que confere ao município de Santa Teresa-ES o título de “pioneiro da imigração italiana no Brasil”.

PATROCINANDO SUA LEITURA

Para Grosselli, se em SC instalou-se, em 1836, o primeiro núcleo de pessoas que poderiam se chamar de italianos, no ES instalou-se, em 1874, a primeira leva de tiroleses italianos dentro do processo conhecido como ‘grande imigração’.

Ambos os grupos, segundo o autor de cinco livros sobre a imigração trentina no Brasil, não eram italianos no verdadeiro sentido da palavra, pois a Itália não existia como Estado: “Não eram italianos os genoveses, que pertenciam ao Reino da Sardenha”, mas também “não eram italianos de passaporte os tiroleses italianos que chegaram em Santa Teresa porque ele tinham o passaporte austríaco”.

Entretanto, e paradoxalmente, o historiador sentencia: “para mim, eram, sim, italianos os genoveses do interior que chegaram aqui (camponeses eram também eles, e não pescadores) porque faziam parte de um pedacinho de onde começou a Itália; e eram também italianos de cultura os tiroleses italianos que chegaram no Espírito Santo em fevereiro de 1874, com o navio Sofia”.

Grosselli, que se encontra no Brasil para uma série de palestras em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, São Paulo e Espírito Santo sob o patrocínio da ‘Associazione Trentini nel Mondo’, falou sobre a polêmica entre os dois Estados brasileiros na “Casa dei Nonni” de Nova Trento-SC, no sábado (07/04) último à noite, depois de ter sido agraciado, na noite anterior, com o título de “Cidadão Honorário de Nova Trento” pela Câmara Municipal da cidade. Habitantes da vizinha São João Batista com sobrenomes como Sardo e Peixer lá estavam – segundo ele – “bisnetos de uma comitiva de italianos, aliás, de genoveses, porque a Itália não existia em 1836, que chegaram aqui em Santa Catarina e fundaram a Colônia Nova Itália”.

“Como historiador – asseverou Grosselli ao abordar o assunto já final de sua palestra – posso dizer que os primeiros italianos – a primeira comitiva ou grupo -, de pessoas que poderiam se chamar de italianos, porque eles faziam parte do reino da Sardenha que foi o primeiro pinguinho de Itália que, depois, desenvolveu-se em Itália após as lutas do Risorgimento italiano, foram as pessoas lígures – Gênova é a maior cidade, capital da Ligúria – que chegaram aqui perto, no atual município de São João Batista”.

O escritor referiu-se à polêmica suscitada pela lei que concede à cidade de Santa Teresa, no Espírito Santo (“feita também pelos trentinos”), o título de cidade pioneira da imigração italiana: “O pessoal de São João, os genoveses de São João, os tataranetos deles, ajudados por historiadores e políticos, estão lutando para que uma outra lei reconheça que os primeiros italianos que chegaram aqui foram eles, os genoveses”.

Lembrando um pouco de fatos históricos, Grosselli expôs: “Há quem diga que os trentinos que chegaram aqui em fevereiro de 1874, no Espírito Santo, não eram italianos e tinham passaporte austríaco. Tem gente que diz que não é verdade, então, que eles foram os primeiros italianos que chegaram no Brasil. Acho que isso não é tão importante, mas já que isso foi estabelecido numa lei, era bom esclarecer e vou dizer rapidamente o que penso: Não eram italianos os genoveses, que pertenciam ao Reino da Sardenha; não eram italianos de passaporte os tiroleses italianos que chegaram em Santa Teresa, porque tinham o passaporte austríaco”.

Entretanto, assegurou: “para mim, eram, sim, italianos os genoveses do interior que chegaram aqui (camponeses eram também eles, e não pescadores) porque faziam parte de um pedacinho de onde começou a Itália; e eram também italianos de cultura os tiroleses italianos que chegaram no Espírito Santo em fevereiro de 1874, com o navio Sofia”.

Então, quais foram os primeiros? – perguntou, para responder: “Mas com clareza: a chegar no chão brasileiro, os primeiros foram aqueles que hoje vivem espalhados no Brasil mas formaram a “Colônia Itália” (bairro hoje conhecido como “Colônia” apenas e que quer voltar a se chamar “Colônia Nova Itália). Mas eu digo, sustento e estou certo que os primeiros italianos de cultura italiana, de fala e de origem italiana (também eles falavam o dialeto e não o italiano; os genoveses compreendiam, não se entendiam, mas ambos tinham como base o italiano), os primeiros colonos de cultura italiana que chegaram no Brasil durante a grande imigração da terra Itália para o mundo (entre 27 e 29 milhões de pessoas entre 1870 a 1970), os primeiros da grande imigração foram os 388 camponeses, onde a esmagadora maioria, acho que perto de 350, era de tiroleses italianos, e umas 40 ou 50, poucas famílias, eram vênetos. Estes foram os primeiros dentro da grande imigração”.

O escritor ressalvou: “Eu não vou julgar se a lei aprovada pelo Congresso e assinada por Temer está certa, ou não está certa. Agora, se vai sair uma outra lei que diga que os primeiros italianos que aportaram aqui em grupo compacto como imigrantes no Brasil foram as pessoas que chegaram em 1836 na “Colônia Nova Itália” eu assinaria também. As duas leis podem conviver”.

Grosselli disse que para a fixação do dia 21 de fevereiro como o Dia Nacional do Imigrante Italiano, conforme ele ficou sabendo recentemente, foram levados em conta dados de suas pesquisas e livros. “Eu não tenho culpa disso”, mas “estou orgulhoso por isso”, confessou, acrescentando: “Acho que não há nenhum empate. Eles têm que ir adiante e, se ganharem, como acho justo, a parada, serão eles os primeiros italianos que chegaram aqui em grupo compacto”.

Mantendo coerência na ambiguidade, arrematou: “Na grande imigração italiana, os primeiros que chegaram foram os trentinos – eu poderia ficar falando horas sobre isso – porque eu digo que eles eram tiroleses italianos. Eu quero dizer que eles eram trentinos – naquele tempo não existia a palavra trentino, era Tirol ou Italiano meridional. Mas eles eram os meus avós. Então eu posso dizer que eram tiroleses italianos”. “Todos nós – finalizou – somos filhos da mesma cultura ancestral”.

Além da conferência com salão lotado e inclusive banda musical, Grosselli deu entrevista à rádio Super 99,9FM em que afirmou textualmente: “Não posso julgar o que decidiu o presidente Temer ou o Senado brasileiro. Eu posso dizer que aquela lei não é falha. Só que teremos que precisar uma coisa: Antes de 1874, fevereiro (quando chegaram 388 pessoas de cultura italiana, de passaporte em sua maioria austríaco, porque eram da Região de Trento, capital, e uma minoria de vênetos, que era Itália naquele tempo -, eles foram o primeiro grupo de imigrantes de cultura italiana da grande imigração italiana no Brasil e também da grande emigração geral da Itália. A grande emigração da Itália, os historiadores italianos dizem que vai de 1870 a 1970. A grande imigração italiana no Brasil dizia-se – e ao longo de muitos anos se falou que começou de 1875 para cima. Eu com as minhas pesquisas falei que os trentinos da expedição Tabacchi, que era um empreendedor trentino que fugiu para o Brasil na metade do século ‘passado’ e chamou eles em 1874 – Carlo Tabacchi – foram os primeiros da grande emigração italiana e da grande imigração italiana), eu sabia e coloquei no livro, em vários de meus livros, falei da Colônia Nova Itália, 1836”.

“Eu acho que está certo procurar ter uma nova lei que diga que o primeiro grupo de pessoas de cultura italiana – não italianos porque não existia o Estado, mas que chegaram no Brasil (até quando não tiver uma [nova] descoberta, que eu acredito que não vai ter; se tiver outros antes, mas acho que não, pelo que eu sei e pesquisei, e pesquisei bastante), os primeiros italianos, de cultura italiana que chegaram aqui foi o grupo que o Schutel e o De Maria trouxeram para Desterro e que, depois, mandaram na mata em que está atualmente o município de São João Batista, e foram as pessoas como os Sardo, os Peixer, os Zunino e outros que ficaram por aí. Muitas delas morreram logo, porque houve duas enchentes, ataques de índios e também muitos se mandaram; mas quem ficou, muitos deles ainda aqui estão, e vivem em São João Batista. Então, a cidade pioneira, neste sentido é, com clareza, São João Batista”.