Em novo confronto na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados italiana, o deputado Luis Roberto Lorenzato voltou a questionar, hoje, o entendimento recorrente de uma parte da burocracia italiana que pretende impor limites geracionais à transmissão da cidadania italiana por direito de sangue. O embate dessa vez foi com diretor geral para os Italianos no Mundo da Farnesina, Luigi Vignali, quando ele observou ser a legislação italiana a mais generosa do mundo. “É uma questão matemática, nada de bondade”, disse Lorenzato, observando que mesmo que o direito for limitado à primeira geração, o filho-do-filho-do-filho italiano continuará sendo pois, pelo “ius sanguinis”, quem nasce de italiano, italiano é.

O embate aconteceu durante a audiência promovida pela Comissão sobre as “políticas para os italianos no exterior”, quando Vignali fez um detalhado relato da situação atual dos consulados e sobre os problemas relacionados ao atendimento das comunidades italianas em todo o mundo. As ‘filas da cidadania’ na América do Sul, especialmente no Brasil, as dificuldades para a obtenção do passaporte italiano, as questões ligadas ao agendamento foram assuntos recorrentes. “É uma situação muito grave e esta maldita fila criou este monstro jurídico” que está “marginalizando nossa comunidade e de uma maneira terrível”, disse o deputado.

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“Não somos todos bandidos. Fomos marginalizados e eu não posso aceitar esta situação”, disse Lorenzato, ao falar sobre o escândalo que acontece na Itália com os chamados ‘coiotes da cidadania’, onde ítalo-descendentes, vítimas de ‘assessores’ inescrupulosos e funcionários corruptos chegam a pagar 7000 euros ou mais para obter o reconhecimento de seu direito de sangue. “A corrupção começa aqui”, disse o parlamentar, historiando que ela decorre das longas filas que, em São Paulo, exigem uma espera de doze anos, “mais quatro”. Isso, para um simples “accertamento”, ou seja, para uma simples averiguação de documentos.

O parlamentar eleito pela América do Sul através do Partido da Lega, voltou a insistir no que representam grandes comunidades italianas, como a de São Paulo, com uma economia três vezes maior que a de Israel, para a própria Itália e questionou também como estão sendo utilizados os recursos advindos da chamada “taxa da cidadania”.

Respondendo a questionamento de Lorenzato (Lega) e Borghese (Maie), Vignali anunciou que na metade de junho próximo virá a Santa Catarina e ao Espírito Santo especificamente para verificar questões relacionadas à instalação de sedes consulares em Florianópolis e Vitória. Parte do debate com Vignali está reproduzido no vídeo que editamos com tradução, a partir de imagens da WebTVcamera.it. Abaixo transcrevemos o texto que acompanha o vídeo:

Lorenzato: Bom dia, senhor ministro, obrigado. Fiquei feliz por tudo o que ouvimos. Não sei se está a par: nós temos um problema muito grande entre a Itália e o Brasil, sempre dizendo que a comunidade de São Paulo é a maior comunidade italiana no exterior. Não se pode comparar nem ao menos com aquela de Buenos Aires, de nosso amigo Borghese aqui. Como já disse nossa secretária geral Elisabetta Belloni, são já nascidos italianos no exterior e não devem esperar 12 anos na fila, mais quatro anos, para ter analisados seus processos de “accertamento” da cidadania. Não se trata de um decreto de   concessão, não há reconhecimento. É uma averiguação.

E este fenômeno… Senhor ministro, exatamente no Estado de SP, que é três vezes maior que Israel, uma potência econômica, criou-se um fenômeno na Itália – a máfia dos coiotes da cidadania italiana. Isto é, operadores italianos que corrompem funcionários do  estado civil dos municípios italianos, com os guardas urbanos e com  pessoas no Brasil que trazem esses ricos ítalo-brasileiros que chegam a pagar 7 mil euros para dirigir-se à Itália e obter uma residência, temporária ou não (tem gente que sequer vem), para “fazer” essas cidadanias. E diversos são os casos de operadores dos cartórios de registro municipais que estão na cadeia, guardas urbanos, cidadãos brasileiros e cidadãos italianos.

É uma situação muito grave e esta maldita fila em São Paulo criou este monstro jurídico em que estão marginalizando nossa  comunidade e de uma maneira terrível. Aqui no Parlamento, que é soberano, todos meus queridos colegas chegam e dizem; olha, existem 200 estrangeiros brasileiros em Mântova. Olha, não são estrangeiros, são filhos, netos de italianos. Então eu  tenho que dizer: você sabe que  existem 54 mil italianos nascidos na Itália que emigraram para a América nos últimos dois anos? Queremos trocar aqueles 54 mil pelos 200 que estão aqui? Isto é: Como Buenos Aires conseguiu organizar, desculpe, ou  também Porto Alegre, Belo Horizonte, e nós, em São Paulo, não conseguimos resolver isso?

Podemos…. Eu falei com o governador de Santa Catarina e com o do Espírito Santo – Florianópolis e Vitória. Eles estão disponíveis a doar à Itália edifícios para instalar uma sede consular. Podemos colaborar. Um protocolo de intenções entre a  Justiça brasileira, dos Estados brasileiros com o governo italiano, pela segurança ligada aos processos.

Não somos todos bandidos.  Fomos marginalizados e eu não posso aceitar esta situação. Eu recebo milhares de e-mails de jornalistas, de advogados, desses mafiosos, de consultores… Todos me perguntam e me pressionam. Como criam essa dificuldade? E isso se torna uma imagem feia para a Itália, porque a máfia não é apenas  brasileira. A máfia começa aqui. Aquele que corrompe, o oficial do  “anágrafe”, aquele que corrompe até o  guarda urbano… É uma coisa muito séria.

Nessas alturas quero perguntar a V. Excia.: como podemos fazer  para a contratação de pessoal em São Paulo que, como diz nosso cônsul La Rosa, é a 11ª cidade  italiana, depois da Catânia, apenas com  aqueles que estão inscritos, pois se considerarmos todos, teremos mais italianos que Roma? Como podemos… Quantos serão contratados em São Paulo efetivamente? Que devo fazer eu como presidente da União interparlamentar, Seção Brasil-Itália para abrir uma nova sede em Vitória e em Florianópolis? Se falta o edifício, se falta a  assistência judiciária, se falta  a segurança eu pedirei ao governo federal e aos governos locais para estabelecer uma cooperação com vocês.

Não podemos permitir que a Itália, com a excelência, com a importância tecnológica que tem, não esteja em condições de resolver esses problemas. Dou aqui um exemplo muito simples, que coloca por terra todos os discursos em contrário: A cidade de Ribeirão Preto tem três milhões de habitantes e tem menor número de funcionários que o consulado de São Paulo e a Polícia Federal de Ribeirão Preto entrega os passaportes para todos esses cidadãos, três  milhões de pessoas… em um só dia. Isto é, o dinheiro que pagamos, dezesseis milhões de euros pelos processos de cidadania, pois pagamos 300 euros (a lei feita pelo PD)… o dinheiro existe, entendem?

Eu gostaria de perguntar, fazer uma interpelação para entender como é administrado estes recursos que são importantes… imaginemos em todo o mundo quantos milhões de euros são arrecadados… Agora são vem vindos esses recursos. É importante. Isto é, senhor ministro, como verdadeiro “Italian Commonwealth” uma vez que falamos de Brexit nós temos uma comunidade importante no exterior que não custa nada para a Itália. Por exemplo, podemos também obter a carteira de identidade em SP e viajar com o passaporte brasileiro. E quando se chegar na Europa,  apresentar a carteira de identidade. Eu uso apenas meu passaporte italiano, porque o brasileiro está vencido. Mas eu não teria nenhum problema de ter somente a carteira de identidade… Se for mais fácil entregar a  carteira de identidade. 

A essas alturas faço um apelo ao senhor como ministro responsável. Porque não podemos generalizar e marginalizar a comunidade ítalo-brasileira  que é histórica. Falamos da rota da seda, mas nós fizemos a rota do café.  Nós trouxemos para este País bilhões e bilhões de euros nos últimos 130 anos. Estou trazendo dados do Banco Central. E nós queremos apenas ser reconhecidos como italianos. De viver à italiana. Obrigado, senhor Ministro!

Presidente da mesa: Obrigado, deputado Lorenzato. O deputado Borghese, por favor.

Deputado Borghese: Obrigado presidente, bom dia  Diretor Geral. Alinhado com o colega Lorenzato: aconteceu uma recente visita ao Brasil com o subsecretário  Ricardo Merlo. Existe uma data  aproximada para as novas aberturas em Vitória e em Florianópolis?  E também para a abertura do consulado de Maracaibo? 

Luigi Vignali: Respondo com prazer os quesitos,  iniciando pelo deputado Lorenzato.      Lembrando que nossa legislação sobre a cidadania por direito de sangue, ou por descendência é extremamente  generosa. Somos o país no mundo  que concede a cidadania aos  descendentes de italianos sem  limites geracionais. Enquanto todos os demais países dão um limite de uma, duas gerações, no máximo três. É assim. A toda essa generosidade – e eu faço uma piada – portanto deve corresponder um pouco de  paciência por parte… 

Deputato Lorenzato: Desculpa. Vamos a um exemplo: segunda geração. OK, é Italiano. Quando vem o filho, é terceira geração. Italiano. Quando vem o bisneto,  os bisnetos serão também italianos… Isto é, neste conceito, a Itália não é o único país. Portugal faz a mesma coisa. Também a Espanha… não somos o único país a fazer assim. Então eu lhe peço, senhor ministro: não demonize este direito de sangue pois, do contrário, entraremos numa polêmica na direção do ‘ius soli’  contra o ‘ius sanguinis’ que… Se o senhor tem um filho; e este filho tem um filho.. o filho do filho do  filho… Isto é… Isto é uma questão de  matemática. Não é uma questão de bondade. Porque mesmo que se coloque na lei (o limite) na  primeira geração, o filho depois será italiano, e o filho também italiano. Ok? Senhor ministro, obrigado! 

Luigi Vignali: Devo pedir desculpas ao deputado Lorenzato. Não estou demonizando. Sou funcionário do Estado e respeito a lei. O meu objetivo é aplicar a lei e respeitá-la. Portanto, por favor! Eu dizia, porém, que diferentemente de quanto acontece em outros países, inclusive Espanha e Portugal, na Itália não há  limites geracionais. Isto ocasiona um fluxo de inscrições notável, são tantos e muitos pedidos, sobretudo em países como a  Argentina e o Brasil.  Portanto, esta é uma situação que coloca sob dura prova as estruturas consulares que, além de outras coisas, como eu dizia no início, sofreu forte redução de pessoal. E portanto devemos nos organizar. Fez muito bem lembrar como, por exemplo, em Buenos Aires, a questão foi enfrentada com eficácia pela nossa estrutura consular em relação ao Brasil. Estamos confrontando as boas práticas argentinas com aquelas brasileiras. Colocando em comunicação as duas sedes. Também para dar  combate  – e aqui me refiro ao pronunciamento do deputado ao Delmastro – aos operadores  externos.

E aqui devo explicar: eu disse em meu discurso que o nosso subsecretário definiu, e não fui eu quem defini, as assim chamadas máfias dos agendamentos. Eu nunca disse que se trata de delitos criminosos. Eu disse apenas que existem efetivamente os operadores que conseguem agendamentos em bloco e depois os vendem.  Isto acontece, enquanto possa ser um crime perceptível “in loco”, não  sei, não sei se seria isso um crime… São definidos como máfia dos agendamentos porque conseguem  administrar grande número de agendamentos, portanto precisaria verificar se atrás deste comportamento  acontece de verdade um ato criminoso ou não. Eu gostaria que cada agendamento correspondesse a uma pessoa única, ou uma família. É isso que gostaríamos fazer. 

Deputado Delmastro: Ainda não verificamos, numa série de tempo indefinido… nós falamos de máfias, ou mesmo de combater a criminalidade e tudo, e o Senhor  me diz hoje, me desculpe, porque eu acho isso embaraçoso para o governo italiano que, em todo esse tempo, não conseguimos verificar  ainda se esta é uma ação que  chamamos de máfia, falamos em acabar com a criminalidade, mas  até hoje não sabemos se é um delito ou não.  Não pelo senhor, mas para o Estado italiano isso é no mínimo embaraçoso. Porque se me dão a incumbência de definir isso, e de forma gratuita, dentro de uma  semana serei capaz de definir se isso é crime ou não.  Numa semana. E faço isso como consultoria gratuita. Se é crime ou não e, assim, vocês podem começar a persegui-lo. Mas o senhor não é culpado disso…  

Luigi Vignali: Sem problemas. São ações que acontecem no exterior e que foram denunciadas diversas vezes pelos nossos consulados às autoridades locais. É fato que foram realizadas intervenções. O deputado Lorenzato lembrava sobre a colaboração  entre autoridades locais e autoridades italianas para enfrentar este  problema. Por diversas vezes denunciamos o problema. Interceptá-lo não é fácil. Não temos uma estrutura de policia judicial no exterior.  Não temos uma força de carabineiros, juízes e policiais para investigar. Não fazemos isso no   exterior. Denúncias existiram, obviamente. Em relação às autoridades locais, procuramos colaborar. Isso com  relação às cidadanias e a outras ações ilícitas que às vezes ocorrem no exterior. Existe uma colaboração efetiva entre nossas sedes e as  autoridades locais para enfrentar práticas ilícitas. Agora quantas sejam, onde, não sei se estamos em condições de dizer, porque são ações que ocorrem com o tempo. Mas uma colaboração para enfrentar esses casos existe de nossa parte, como estrutura administrativa.

Aquilo que podemos fazer, lembrando o que disse no início,  é atualizar os sistemas informáticos, e a administração de agendamentos. E o estamos fazendo com um novo sistema que, já falei mas digo em termos mais precisos, enfrentará  o problema sob três aspectos fundamentalmente.  O primeiro: será criada uma assim chamada lista de espera para quem não consegue agendamento. De tal forma a dar uma espécie de prioridade no agendamento seguinte. Depois, uma vez feito o agendamento, entregaremos o chamado “coeur code”, isto é, a confirmação do agendamento por parte do usuário. Somente com este código específico será possível confirmar o agendamento. E depois será enviada uma confirmação ainda através de SMS, de forma a que possa dizer sim ou não a este agendamento.

São todas ações que ajudarão a localizar os  agendamentos. Eis como queremos enfrentar o problema, deputado. Além de colaborar com as autoridades locais, obviamente, para enfrentar fenômenos que depois não sei até que ponto as autoridades  brasileiras, argentinas e outras estão em condições de reprimir. Porque não conheço em detalhes a legislação local em relação a esse tipo de prática. O certo é que nós estamos nos equipando dessa forma.  

Sempre na área da cidadania, o deputado Lorenzato perguntava como estão sendo  usados os “fundos da cidadania”. Nós os usamos exatamente para melhorar a eficiência das sedes. Se eu pude fornecer aquelas cifras iniciais, o aumento da produtividade nos passaportes, também para a cidadania, é graças ao “fundo da cidadania” que nos permitiram contratar novos digitadores para diminuir o contencioso, criar novas estruturas informáticas, serviços  telefônicos, serviços de assistência ao público que vai aos consulados,  é dessa forma que  usamos esse fundo. 

Para responder ainda ao deputado Lorenzato e ao deputado Borghese que me perguntaram sobre Vitória e Florianópolis: eu não tenho datas para a abertura das novas sedes. Porém, posso dizer que irei  pessoalmente a Vitória e Florianópolis na metade de junho. Para visitar as duas comunidades. Terei o prazer de visitar as duas comunidades que são distantes e onde não existe uma presença estável e por isso vou pessoalmente, também para verificar se de fato  existem espaços gratuitos, como lembrava o deputado Lorenzato,  ou a preços muito reduzidos para assegurar uma presença italiana mais estável nestas duas cidades.