Pela segunda vez em nenos de um ano, a Corte Suprema di Cassazione italiana trata de questões ligadas à cidadania italiana ‘iure sanguinis’. A nova audiência deverá acontecer ainda durante o mês de março e, segundo informa o jurista e escritor italiano Marco Mellone, deverá tratar exclusivamente da transmissão da cidadania aos filhos menores de imigrantes italianos nascidos já no exterior, cujos pais tenham renunciado à cidadania italiana, realizando a naturalização voluntária.

É um tema que interessa a todos os países envolvidos na epopeia da grande diáspora italiana – o Brasil entre eles – e que nunca foi tratado de forma clara e expressa pelas sentenças inclusive da Corte di Cassazione de Nápoles, no começo do século passado, nem naquela da Corte Suprema di Cassazione de agosto do ano passado, quando rejeitou, entre outras coisas, a tese levantada pela Advocacia do Estado italiano na chamada Grande Naturalização brasileira.

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Em entrevista que concedeu à revista Insieme na manhã de hoje, o advogado Mellone, autor de obras técnicas sobre o instituto da cidadania italiana ‘iure sanguinis’, falou sobre a importância de um pronunciamento da última instância da Justiça italiana também sobre esse assunto. A decisão será tomada numa sessão simples da Corte di Cassazione, ao contrário daquela havida no ano passado, que reuniu todas as Câmeras Cíveis.

A sessão está prevista para “as próximas semanas de março” e, ”como ocorreu  ano passado, a sentença está prevista para um mês, um mês e meio ou dois meses após a audiência”, informou Mellone.

O advogado discorreu também sobre a situação processual no campo da cidadania depois da mudança havida na distribuição de processos, antes dirigidos todos para Roma. Com a  descentralização para os tribunais regionais, já existem alguns indicativos sobre celeridade e tendências nas decisões, até agora “sem grandes surpresas”, segundo Mellone. A seguir, transcrevemos um trecho de sua entrevista:

Dr Marco Mellone, O que estará em discussão, dessa vez?

“A Corte irá se pronunciar sobre um aspecto que é importante no mundo da cidadania italiana e que, mais precisamente, trata da questão da perda da cidadania italiana pelos filhos, menores de idade, dos italianos que se naturalizaram no estrangeiro. Existia uma regra, uma lei tanto no Código Civil 1865 quanto na lei de 1912 que estabelecia que os filhos menores de idade de quem se naturalizava perdiam também a cidadania italiana, junto com o pai que se naturalizava. Essa regra, porém, não se aplicava – e essa é a tese que será discutida na ‘Corte di Cassazione’ –  quando os filhos menores de idade já nasciam no país de emigração que os considerava cidadãos por terem nascido naquele país, ou seja, ‘jus soli’”.

“Por exemplo – prossegue o advogado -, é o caso do Brasil e da maioria dos países de imigração italiana. Só que tanto uma parte da jurisprudência tem um entendimento diferente e aplica, ainda hoje, essa regra, ou seja da perda da Cidadania para os filhos menores de idade de quem se naturalizava também aos filhos que já eram cidadãos do país de migração, automaticamente, ao nascer no país de migração.

“Então é um entendimento que vem do tribunal de Roma, que, na realidade, sempre foi favorável aos ítalo-descendentes, mas que, neste caso, tem um entendimento diferente e, por isso, o caso chegou à ‘Corte di Cassazione’  para que a Corte possa ser pronunciar e possa dizer se este filho menor de idade, já cidadão do país de imigração, perdia a cidadania italiana junto com o pai que se naturalizava”.

“O caso concreto em julgamento se refere a uma perda, a uma pretendida perda da cidadania italiana, que aconteceu  antes de 1912. A lei da cidadania italiana de 1912  tinha  uma regra, o famoso artigo 7, que esclarecia que os filhos menores de idade nascidos num país de imigração e já cidadãos desse país pelo ‘ius soli’, podiam manter ou mantinham a cidadania italiana e, no caso, caso podiam renunciar quando se tornassem maiores de idade. O caso concreto se refere a um caso pré 1912 –  então, antes da existência dessa regra, porque no Código Civill de 1865 não existia a mesma regra. Então esse é o caso de concreto, que  envolve um número bastante importante de interessados de descendentes italianos – não tantíssimos no Brasil, porque não existiam tantos italianos que se naturalizaram, pelo menos de forma voluntária, no Brasil. Mas em outros países de emigração italiana, principalmente nos Estados Unidos, isso acontecia muito mais frequentemente e, portanto, a naturalização do pai se estende automaticamente também aos filhos menores de idade, e, portanto interrompia definitivamente a linha de transmissão da cidadania italiana até os interessados atuais. Então eu acho que envolve um número bastante alto de atuais descendentes de italianos. Também no Brasil, depende se houve uma naturalização voluntária do pai”.

“Este que foi levado para a Corte di Cassazione é um caso bastante interessante: dado que o filho nascia já cidadão do país de emigração, era duplo cidadão, ou seja, tinha as duas cidadanias desde o nascimento. Este é um assunto que, na realidade, nunca foi esclarecido de forma expressa, embora existam algumas decisões  que tocam nesse assunto e, inclusive uma da Corte di Cassazione de 1907 (Nápoles), que foi citada pela Suprema Corte italiana no mês de agosto do ano passado e, também na literatura, onde isso fica bastante claro, e em que quase todos os autores concordam nesta leitura, ou seja, que os filhos nascidos em países nos quais se aplicava o ‘ius soli’ eram nacionais de ambos os Estados desde o nascimento”.

“Porém, é um assunto que não foi tocado diretamente pela Suprema Corte no mês de agosto do ano passado e, portanto, agora Corte terá a possibilidade de confirmar este que é um assunto fundamental, e sobre o qual praticamente se funda a cidadania italiana por descendência. Então esta é a importância desse novo caso, que será decidido numa sessão simples da Corte di Cassazione”.

“Outra notícia interessante – acrescenta Marco Mellone – é relativa à rapidez com que essa audiência foi marcada. A audiência de agosto do ano  foi marcada muito rapidamente, após oito ou nove meses após a apresentação do recurso. Outra vez a  ‘Corte di Cassazione’ fez tudo muito rápido, porque o recurso foi apresentado praticamente no mês de agosto do ano passado (e agosto, você sabe, é um mês que  aqui na Itália, pouco se trabalha) e foi marcada já audiência para o mês de março 2023, somente seis ou sete meses após apresentação do recurso.

Então outra vez a Corte di Cassazione confirma a importância que dá à matéria da cidadania italiana”.