Ao analisar os serviços consulares italianos no Brasil cinco anos após ter sido instituída a “taxa da cidadania” (8 de julho de 2014), o presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ do Recife, Daniel Taddone, resume quase tudo numa frase: apesar dos recursos arrecadados nesse período com os 300 euros incidentes sobre cada verificação  da cidadania por direito de sangue, “o serviço consular continua sendo uma desgraça”.

Em tele-entrevista concedida na semana que passou a Insieme, Taddone, um ex-funcionário consular que foi candidato ao Parlamento Italiano na última eleição, disse que os consulados, que arrecadaram nesse período mais de cem milhões de reais com a chamada “taxa da cidadania”, estão “escondidos atrás dos computadores” usam a ‘Lei da Privacy” para negar informações básicas aos cidadãos. “O sistema ‘on line’ não pode barrar a ida das pessoas aos consulados pessoalmente, disse o sociólogo. Para ele, “a pretexto da informatização, estão transformando a vida das pessoas num inferno; elas têm medo de ir aos consulados e serem maltratadas”.

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Taddone diz que em breve todos os consulados vão fazer como Brasília está fazendo: chama os enfileirados no atropelo, dá prazo exíguo para apresentar documentos, complica até nas retificações de nomes como Giovanni/João, tudo para acabar com a fila e, depois, colocar todo mundo no sistema Prenota Online – que ele qualifica como uma loteria. Para ele, esse sistema deveria ser simplesmente abolido: “que voltem as filas diante dos consulados”, advoga ele – “são mais justas”.

Ainda segundo Taddone, tanto na Itália quanto no Brasil, existe uma deliberada intenção de complicar as coisas, uma “estrutura pública extremamente hostil” em relação ao ‘ius sanguinis”. Ele conta que participa de um grupo de discussão de oficiais de registro italianos e “eles vivem trocando mensagens sobre como fazer  para  que o procedimento administrativo seja o mais longo possível (…) eles acham que essas pessoas não merecem a cidadania, então, se não podem impedir, pelo menos os fazem sofrer”.

Segundo Taddone, levando todo mundo para o sistema Prenota Online, os consulados “vão lavar suas mãos e terceirizarão a culpa para a chamada ‘máfia’ do agendamento. Já temos a ‘máfia’ do agendamento para passaportes e teremos, então, também a máfia da cidadania”. O presidente do Comites do Recife analisa rapidamente a cartilha lançada pelo Consulado do Brasil em Milão e a acha “interessante” mas simplista demais, além de partir também para o campo da criminalização do assessor. “Existem os picaretas, sim, mas criminalizá-los todos é um equívoco” – diz Taddone – além de que se parte de um princípio errado que é a criminalização do trabalho de assessores e intermediários, que são prestadores de serviço.

Nós dividimos a entrevista de Taddone, que é também vice-coordenador do Maie – ‘Movimento Associativo Italiani all’Estero’ no Brasil, em dois vídeos e, abaixo reproduzimos alguns trechos da tele-entrevista que, infelizmente, apresenta alguns trechos com descasamento entre o som e a imagem devido a problemas na rede.

OBSTRUCIONISMO: “Foram arrecadados milhões e milhões de euros. Nesses cinco anos nós vamos estar num nível de arrecadação por volta de 20 milhões de euros. São mais de 100 milhões de reais que os consulados italianos no Brasil arrecadaram com essa taxa. Retornou uma pequena parte e mesmo assim nada aconteceu. O consulado de SP, para ficar no mais evidente, recebeu um milhão de euros, o que é quase cinco milhões de reais e absolutamente nada aconteceu. A fila continua igual, sem nenhuma esperança de mudança e qual é a luz no fim do túnel? Eu não vejo, porque falta vontade política. Tem obstrucionismo por todos os lados. O objetivo parece fazer com que a vida do cidadão seja um inferno quando tem que procurar o consulado para fazer qualquer tipo de serviço: passaporte, registro civil, Aire… O Aire é uma desgraça, um monstro criado com uma intenção que só atrapalha a vida das pessoas.

VONTADE DIFUSA – “Aí inventam um sistema de informática que é difícil de mexer, não dá respostas coerentes às pessoas, é um sistema em que as pessoas são obrigadas a contratar agências que fazem, e daqui a pouco vão colocar a desculpa nessas agências, embora na verdade só cumprem, enchem uma lacuna que o mau serviço deixa surgir. Então eu fico realmente bastante triste com a atual situação. E não é falta de dinheiro. Essa desculpa de falta de dinheiro não cola mais. Parece existir uma vontade difusa de todo o sistema de que o serviço consular continue sendo uma desgraça.”

O DISCURSO OFICIAL – “Que nada melhorou é uma verdade. Nós comemoramos o agendamento pelo whatsapp no consulado de SP que, num primeiro momento parecia uma solução, mas hoje em dia não é bem assim. Tem pessoas que tentam por muitas e muitas vezes e não conseguem. De qualquer maneira, ainda é melhor do que ocorre em Curitiba, ou, por exemplo, no Rio de Janeiro, para agendar um passaporte. De qualquer maneira, a questão não foi solucionada, né? Com relação ao ambiente geral, eu fico muito feliz que exista uma agência consular de carreira em Vitória e também em Florianópolis. Acho que são medidas que, se efetivamente ocorrerem, serão maravilhosas. Pelo que tudo indica, vai ocorrer. Acho perfeito. Acho que o Brasil merece mais duas representações consulares para poder dar vazão a toda essa demanda. A questão é que, por exemplo, no caso do Consulado de SP nada mudou. O fato de existirem agências consulares, não vai mudar nada. Ou seja, como é que o Consulado de SP recebe um milhão de euros e não diz o que fez com ele? Por que ninguém pergunta? Onde está o Comites de SP que não faz um pedido formal para o cônsul geral: queremos saber onde foram aplicados esses um milhão de euro, a verba recebida. Foi feito o que? Esse um milhão de euros saiu por onde? Foi usado para despesa corrente, não foi usado? Foram contratados digitadores? Não sei… ninguém informa nada!”

OPOSIÇÃO? – “Eu não passei para a oposição. Eu sou uma pessoa que navega pela minha cabeça. Eu acho, disse que do ponto de vista prático, nada mudou. Então eu, por exemplo, advogo mudanças na área da cidadania, isso já é sabido, já apresentei minha Carta Aberta com 20 pontos para o subsecretário Merlo, acho que há muita coisa por fazer; falei por telefone outro dia com o deputado Lorenzato, disse várias opiniões minhas sobre cidadania, o que e como poderia melhorar, estou à disposição de quem quiser me ouvir como nós podemos melhorar. A questão é que eu sei que ninguém vai querer ouvir o que eu tenho a dizer. Porque ninguém está nem aí… as pessoas não estão interessadas em resolver a questão.

A CIRCULAR K-28 – Se houvesse o interesse mínimo de resolver a questão, era muito fácil: é juntar quatro, cinco pessoas que tenham o mínimo de expertise no assunto, e fazer uma nova circular para o reconhecimento na Itália, de uma forma que faça sentido. É parar nos consulados esse obstrucionismo feroz, em se criar problemas com tudo, em inventar normas que não existem, existiria uma transparência: olha nós recebemos da taxa da cidadania tantos milhões de euros, foram contratadas tais pessoas, usamos … ah, precisamos usar isso na melhoria de nossos computadores, softwares, impressoras… tudo bem. Mas nos informem. É uma transparência que é devida; o serviço público tem que ter transparência. Mas não existe transparência absolutamente nenhuma.”

QUE RESPOSTA É ESSA? – “Você veja por exemplo: eu critico o prenota online. Em todos os casos eu acho o prenota online uma coisa absurda, ilegal. O cidadão tem direito de fazer o seu pedido de serviço consular sem ter um monstro informático no meio, que não lhe permite fazer um agendamento pra nada… existem pessoas que estão há meses e meses para conseguir um agendamento e não conseguem. Isso todo mundo sabe. E aí vem um cônsul, como o ex-do Rio de Janeiro, o Riccardo Battisti, dizer: ah, mas tem gente que consegue. Mas que “cavolo” de resposta é essa? Como assim, tem gente que consegue… então se há pessoas que conseguem é porque o sistema funciona? Então isso é uma loteria: alguém ganha.. ah, você espera, um dia talvez você ganhe! Ou seja, é um escárnio. Então, o sistema é um sistema absurdo e na minha opinião não há outra saída: a saída é a abolição do sistema prenota on line totalmente. E que voltem as filas na frente dos consulados. Elas são mais justas. É triste ver a pessoa na fila diante do consulado, na chuva, no frio? É triste. Mas eu prefiro assim ao sistema prenota online.”

FILA DA CIDADANIA – “Eu prefiro a fila de 12 anos de SP do que a fila que, teoricamente, não existe no Rio, mas que ninguém consegue agendar. Então nesse tipo de situação falta transparência. No Rio de Janeiro ninguém sabe: quantas são as vagas de cidadania no Rio de Janeiro? Quantos reconhecimentos de pedidos de cidadania o Consulado do Rio de Janeiro faz por dia? Quantas vagas são abertas? Em que dias da semana? São duas? São seis? São 15, quantas são? Ou seja, você abre um sistema em que ninguém consegue agendar e ninguém sabe quantas pessoas são chamadas? Então os consulados se escondem atrás da Lei da Privacy para não dizer nada? Para que não saibamos de nada? A coletividade, o cidadão tem o direito de saber. Passaporte, a mesma coisa: ou seja , quantas são as vagas por dia; quando a pessoa não aparece o que acontece com aquele tempo ocioso?

NADA TRANSPARENTE – Então ninguém sabe de nada, ou seja, existe falta total de transparência. Então os consulados estão se escondendo atrás de um computador. Uma pessoa precisa esclarecer uma dúvida, um problema, e o consulado não quer receber a pessoa pessoalmente. Isso é ilegal! Ou seja, o sistema online não pode barrar a ida física da pessoa ao consulado. A pessoa tem que ter o direito de ir ao Consulado e ser recebida e ter seu problema explicado. Ou seja, hoje em dia uma pessoa vai fazer uma transferência de endereço Aire, se são cinco pessoas na família, ele tem que criar cinco usuários, tem que fazer um por um até de filhos menores, num sistema absurdamente cheio de detalhes e complicado, sendo que antigamente se preenchia um formulário e se entregava. Sob o pretexto da informatização, estão transformando a vida das pessoas num inferno. É isso que eu não consigo conceber.”

O SAUDOSO SCALIA –  “O que ele dizia? Ah, o consulado tem que ser um ambiente saudável, de acolhimento… e, não: as pessoas têm medo de ir ao consulado, são maltratadas… isso não mudou, infelizmente não mudou!”