O subsecretário Ricardo Merlo reafirma que vademecum da cidadania está suspenso é responsabiliza cônsul Festa pela confusão que está criando. (Foto Desiderio Peron / Arquivo Insieme)

Nem Ricardo Merlo, nem Luis Roberto Lorenzato sabiam do assim chamado ‘Decreto Salvini’ e ambos garantem que uma posição sobre o assunto será tomada apenas após terça-feira da semana que vem, segundo apurou Insieme entre ontem e hoje pela manhã, após diversos contatos com os parlamentares eleitos pela América do Sul ao Parlamento italiano.

O texto do documento, divulgado ontem pela agência AdnKronos, trata em sua maior parte – conforme Insieme divulgou também ontem – de novas normas para imigrantes em território italiano, mas acaba entrando na questão da aquisição e revogação da cidadania italiana “iure sanguinis”, impondo, a certa altura do texto, um limite à transmissão do direito para descendentes em “linha direta de segundo grau”.

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“O Maie – ‘Movimento Associativo Italiani all’Estero’ é contrário a que se limite a transmissão da cidadania na segunda geração” mas “eu não foi consultado sobre este decreto”,  disse o senador Ricardo Merlo, que inicialmente se recusava a falar sobre o assunto, uma vez que colhido de surpresa (está finalizando férias em território argentino). Ele, que é subsecretário do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional – Maeci, com delegação para os italianos no mundo, informou a Insieme que vai tomar pé da situação no início da semana, em seu retorno a Roma. Pediu calma e tranquilidade.

Também o deputado Luis Roberto Lorenzato, que é do partido (Lega) do ministro do Interior, Matteo Salvini, repetiu nesta manhã que “por enquanto nós [os parlamentares do partido] não sabemos nada” e que “nós vamos ter uma posição oficial terça-feira” quando, então, poderá falar sobre a matéria com mais liberdade.

“Como todos sabem – aduziu Lorenzato – sou terminantemente contra a redução de limites à transmissão da cidadania porque nós somos italianos, nascidos italianos, mesmo se no exterior, assim como é nascido [italiano] o Merlo, subsecretário de Estado para as Relações Exteriores”.

Segundo Lorenzato, “como é um assunto do governo, não chegou nada para nós ainda na Câmara e nem fomos comunicados”. O deputado disse ainda que lhe “parece muito estranha esta pauta”, pois “estaríamos tratando dessa forma os italianos juntamente com os clandestinos; acho que uma coisa nada tem a ver com a outra”.

Diante da resistência encontrada junto a alguns setores para falar sobre o tema, Insieme tentou ouvir também o coordenador do Maie no Brasil, advogado Luis Molossi. Em viagem para o Rio Grande do Sul, onde participa neste fim de semana do I Encontro da Família Molossi, em Nova Bassano, ele transmitiu mensagem para dizer que “a posição do partido é totalmente contrária à imposição de qualquer limite geracional, e isso já faz parte de nossa história”.

Molossi acrescenta que “temos um ministro no governo que está envolvido diretamente com o assunto e não foi consultado sobre isso”. “Nossa posição, a do Maie-Brasil, é de trabalhar contra a aprovação dessa medida”, finalizou Molossi.

O assunto, que rapidamente ganhou grande repercussão em meio à comunidade ítalo-brasileira (de longe, a mais prejudicada por uma eventual limitação geracional) assume contornos intrigantes a partir de coisas simples: o site “Italia Chiama Italia”, fundado e até há pouco tempo de propriedade do atual assessor de imprensa de Ricardo Merlo no Maeci, Ricky Filosa, filiado ao Maie, hoje pela manhã havia publicado um texto de opinião, assinado por Andrea Di Vella, apoiando o limite geracional tal-qualmente consta do “Decreto Salvini”. O artigo foi retirado do ar após o pronunciamento de Merlo pela manhã, e somente retornou ao site por volta das 14h20min, após intervenção de Ricky Filosa, e com acréscimo de texto.

“È arrivato il momento di mettere un freno alle concessioni di cittadinanza (chegou o momento de colocar um freio nas concessões de cidadania)”,  argumenta o site, pois “Capita infatti sempre piu spesso di vedere il passaporto italiano in tasca  a persone che non parlano italiano, non hanno mai visitato lo Stivale, non conoscono nulla del nostro Paese, neppure dove sia collocato geograficamente (de fato, acontece sempre com maior frequência ver-se o passaporte italiano no bolso de pessoas que não falam italiano, jamais visitaram a Bota, não conhecem nada sobre nosso País, nem mesmo onde ele se situa geograficamente)”.

Filosa, em mensagem ao editor de Insieme, explica que ‘Italia chiama Italia’ “non è un foglio del Maie, ma un quotidiano online indipendente, dove chi esprime un’opinione firma l’articolo e si prende tutta la responsabilità di ciò che scrive. Questo per il futuro (não é uma folha do Maie, mas um diário online independente, onde quem emite uma opinião, assina o artigo e assume toda a responsabilidade daquilo que escreve. Isto para o futuro)”.”Não sou mais o diretor do jornal”, disse ainda Filosa.

Sabe-se que o tema suscitado pelo assim chamado “Decreto Salvini” é, também, por motivos diversos, uma bandeira de próceres do PD – Partido Democratico e outros da esquerda italiana que, até às vésperas da última eleição parlamentar, tentaram impor modificações legislativas para instituir o que chamaram de ‘ius soli temperato’, ou ‘ius culturae’, para dar direito de voto a centenas de milhares de imigrantes que residem na Itália. Derrotados no parlamento, prometeram voltar à carga nesta legislatura.

Segundo algumas fontes de Insieme, a tese que pretende impor limites geracionais ao ‘ius sanguinis’ é forte em toda a Itália, e tem defensores, além de boa parte da burocracia, também em todas as tendências políticas – da esquerda à direita – mas algumas correntes não gostam que o assunto seja tratado juntamente com o que diz respeito aos migrantes extra-comunitários sem ascendência italiana.

O chamado “Decreto Salvini”, que trata essencialmente da questão migratória que empenha o atual ministro do Interior, Matteo Salvini, numa batalha que envolve inclusive todos os países da União Europeia, é um exemplo dessa “mistura”. Ao mesmo tempo que aparentemente mantém o princípio do “direito de sangue” intacto, acrescenta algumas linhas limitando-o no tempo e, de sobra, contraditoriamente, regride para reconhecer o direito à transmissão da cidadania pelo lado materno para mulheres nascidas antes de 1948.

Agora há pouco, o ex-deputado Fabio Porta postou vídeo em seu perfil no FaceBook cobrando posição de Ricardo Merlo de outros políticos italianos sobre a questão, garantindo que, dentro e fora do Parlamento, manterá sua coerência e continuará lutando sem tréguas, “dentro e fora do meu partido” para a garantia dos direitos dos ítalo-descendentes e ítalo-brasileiros.

https://www.facebook.com/fabio.porta.963/videos/10217228622774424/?fb_dtsg_ag=AdzREcRa8KQSn7uJVBlUcaBk70omuPUunzeXIFNRD3YpNA%3AAdzk-IVBGARMIKGOh-foUpfS8uV4Yayy4vvKEA6_XvIupg