Prefeito de Val di Zoldo se dá por vencido. E desiste do recurso contra ítalo-brasileiros: “a lei está do lado deles”

O prefeito Camillo de Pellegrin hasteara a bandeira do Brasil na fachada do prédio da prefeitura de Val di Zoldo (Belluno, Itália) em protesto contra o “alto número” de pedidos de transcrições de documentos feitos por ítalo-brasileiros que obtiveram cidadania italiana reconhecida em decisões judiciais. Ante a demora, doze dos interessados entraram com processo na justiça administrativa mas, vendo que ia perder, De Pellegrin realizou as transcrições, desistindo da disputa judicial: “É inútil continuar, a lei está do lado deles”, disse.

A disputa constituía o piloto de muitas outras contra o “boom” de cidadanias “iure sanguinis”, em socorro a administrações comunais talianas que se dizem sem condições de atender à demanda. Mas “como a norma está estruturada – explicou De Pellegrin – percebemos que acabaríamos apenas tendo que pagar as despesas legais, sem obter qualquer resultado”. A notícia foi publicada pelo jornal Il Gazzetino, de Veneza, edição de hoje (29/05)

PATROCINANDO SUA LEITURA

Para De Pellegrin, “infelizmente, no fenômeno da cidadania italiana para descendentes brasileiros trabalham muitos, desde advogados que patrocinam as causas até agências que recuperam os documentos, pelo que nós, prefeitos, podemos fazer muito pouco, mesmo que vários dos meus colegas prefiram não se expor”. Segundo o jornal, a bandeira brasileira ainda continua hasteada no mesmo lugar.

Ele acha que essa “é uma situação embaraçosa”, imaginando um número até aqui nunca citado de possíveis interessados na cidadania italiana somente no Brasil: “a plateia de potenciais requerentes é estimada em pelo menos 70 milhões”. A seguir publicamos, traduzido, o texto do referido jornal, que é assinado por di Angela Pederiva:

Val di Zoldo. Cidadania italiana para descendentes brasileiros, o município-piloto se rende. O prefeito: “Mas estamos sobrecarregados” (Val di Zoldo havia constituído o recurso iniciado por 12 descendentes de um emigrante)

Reprodução da notícia em “Il Gazzettino”, edição de 29/05.

BELLUNO – O recurso-piloto sobre o boom da cidadania italiana para descendentes brasileiros chegou à sentença de primeira instância. Um veredito que registra toda a resignação dos municípios diante dos números que solicitam a execução das decisões dos juízes: o município de Val di Zoldo, onde ainda tremula provocadoramente a bandeira verde e amarela, transmitiu aos 12 requerentes os extratos de estado civil, pelo que o TAR do Lazio declarou cessada a matéria do litígio. “É inútil continuar, a lei está do lado deles”, se rende o prefeito Camillo De Pellegrin, que há quatro meses havia sido autorizado pela Junta a “resistir e constituir-se no julgamento”, contratando a defesa do advogado Innocenzo Megali.

AS SOLICITAÇÕES – No último dia 26 de janeiro, dia em que foi hasteada a bandeira do Brasil e foi deliberada a contratação do advogado, em Val di Zoldo estavam registradas 551 solicitações, apresentadas por novos ítalo-brasileiros que haviam obtido o reconhecimento da cidadania “iure sanguinis”. “Agora chegamos a 700 e continuamos a receber solicitações: dessa espiral não saímos mais”, diz De Pellegrin, que no início do ano ainda esperava conseguir “proteger os interesses” do ente local, no julgamento pela conformidade à ordem pela qual em 2022 o Tribunal Civil de Roma havia declarado a nacionalidade italiana de uma dúzia de descendentes de um compatriota emigrado para o Brasil. Fortes dessa decisão, os descendentes haviam enviado ao prefeito, na qualidade de oficial do estado civil, “todos os certificados de registro civil em original, munidos de tradução e apostilamento”, ou seja, do carimbo que garante o valor jurídico dos documentos entre um país e outro. Não recebendo resposta, em julho passado os novos cidadãos haviam enviado ao município um ato de notificação e intimação, que também ficou sem resposta. Nesse ponto, foi apresentado o recurso ao Tribunal Administrativo Regional do Lazio, ao qual os interessados renunciaram no dia 18 de março, conforme a sentença que relata o cumprimento municipal ocorrido.

“Como a norma está estruturada – explica De Pellegrin – percebemos que acabaríamos apenas tendo que pagar as despesas legais, sem obter qualquer resultado. Infelizmente, no fenômeno da cidadania italiana para descendentes brasileiros trabalham muitos, desde advogados que patrocinam as causas até agências que recuperam os documentos, pelo que nós, prefeitos, podemos fazer muito pouco, mesmo que vários dos meus colegas prefiram não se expor. É uma situação embaraçosa, se pensarmos que a plateia de potenciais requerentes é estimada em pelo menos 70 milhões. Só no meu município, onde tenho uma pessoa e meia para gerir o escritório que incorpora os serviços demográficos e a polícia local, tive que cortar tecnicamente as outras atividades à cidadania local, para nos ocuparmos de pessoas que nunca virão morar aqui. Precisaríamos tanto de trabalhadores na montanha, mas não há um destes ítalo-brasileiros que solicite a cidadania para trabalhar conosco: eles a querem talvez para pedir algum subsídio ou para viajar mais facilmente.”

AS EXPECTATIVAS – De fato, as expectativas dos brasileiros à espera do reconhecimento são bastante altas, a julgar pelos dezenas de comentários que todos os dias são postados nos grupos sociais do setor. Em particular, aqueles dedicados à situação do Tribunal Civil de Veneza, que é o mais sobrecarregado da Itália: quase dois anos após a reforma que “regionalizou” a competência para decidir, segundo a verificação atualizada em 31 de março, resultam 16.663 novos registros e 13.239 processos pendentes. Muitos requerentes pedem informações sobre este ou aquele juiz, para saber quais são os tempos médios de definição das causas. A última, em ordem de tempo, a trineta de emigrantes vênetos publica as datas do seu caso, registrado a meio de março e examinado com reserva poucos dias atrás, após o que escreve: “Estou preocupada, vai demorar para obter o resultado?”.