A candidata Renata Bueno no lançamento da campanha 2018, em Cuririba. (Foto Desiderio Peron / Revista Insieme)

Não por afirmar ter-se tornado a “referência do Brasil e da América do Sul na Itália”, mas pelo instrumento que está usando para fazer sua propaganda eleitoral, a ex-deputada italiana Renata Bueno acaba de se meter em nova encrenca. Contra ela e sua coligação pesam suspeitas de estarem usando e-mails que teriam sido obtidos ilegalmente junto a consulados italianos, ou ao Ministério das Relações Exteriores da Itália, de eleitores aos quais se dirigem pedindo o voto.

Denuncias de “quebra da privacy” partem de pretendentes e partidos em disputa nessa campanha eleitoral para a Renovação do Parlamento Italiano em que Renata Bueno é candidata à reeleição. Segundo o ex-deputado Guglielmo Picchi (Lega Nord), ex-secretário da Comissão Permanente “affari esteri” da Câmara dos Deputados, um pedido foi encaminhado ao Diretor Geral dos Italianos no Mundo do Ministério das Relações Exteriores para a realização de uma “verificação interna” com a finalidade de saber se esses e-mails foram extraídos do sistema consular.

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Picchi disse a Insieme que está aguardando a resposta do Ministério das Relações Exteriores para, então, adotar outras medidas. Enquanto isso, aqui Brasil buscam-se pistas para a verificação e levantamento, inclusive com a ajuda da Polícia Federal,  “do caminho dos e-mails”. O assunto vinha sendo tratado nos últimos dias a ‘boca pequena’ entre diversos candidatos e agentes envolvidos no processo eleitoral italiano.

Na tarde de hoje, a agência de Notícias Aise, de Roma, publicou matéria denunciando o fato aos quatro ventos, sob o título: “Italianos no Exterior – [Eleições] Políticas 2018 – Picchi (Lega/Estero): “Diretor Vignalli esclareça sobre e-mails de São Paulo”. A agência publica que “a candidata no Brasil da lista ‘Lorenzin’ Renata Bueno está enviando aos concidadãos residentes na circunscrição de São Paulo e-mails convidando-os a votar nela e em sua lista. Tudo legítimo – afirma numa nota Guglielmo Picchi, ex-deputado e responsável pelos italianos no exterior da Lega, que declara – se nisso não existisse a suspeição mais que fundamentada que a lista ‘Lorenzin’ tenha obtido de maneira não ortodoxa essas informações sobre os inscritos no Aire do Consulado de São Paulo.”

A nota da agência prossegue: “Assim – acrescenta – instantaneamente eu pedi ao Ministério das Relações Exteriores para verificar se e quem teria divulgado dados protegidos pelas leis da ‘Privacy’, e enfatiza; “Com os meios tecnológicos modernos deveria ser relativamente simples identificar o usuário que baixou a lista de dados depois entregue à deputada Bueno”.  Assim, Guglielmo Picchi, deputado da Lega e coordenador das atividades eleitorais para a Circunscrição do Exterior, denuncia o envio que viola a ‘privacy’ de e-mails privados sobre os quais o Consulado de São Paulo tinha conhecimento.”

A agência Aise prossegue dizendo que “muitos eleitores denunciaram a nossos candidatos no Brasil Roberto Lorenzato, à Câmara, e Luiz Pastore, ao Senado, o uso, em violação da ‘privacy’ de seus endereços de correio eletrônico. Endereços privados que os eleitores nos informam ter dado apenas ao Consulado de São Paulo.” Enquanto à Lega –  afirma –  o Ministério nega o endereço postal dos eleitores temporariamente (sic) no exterior, aos candidatos da esquerda é entregue, por alguma mãozinha no interior do Consulado ou do Ministério, a relação dos e-mails de forma “pouco ortodoxa”. E Picchi conclui: “O diretor Vignali está em São Paulo, esclareça”.

O representante da Lega Nord para a América do Sul, empresário e advogado paulista Luís Roberto Lorenzato, também candidato a deputado, informou a Insieme que também está questionando o cônsul geral da Itália em São Paulo, a quem informou que pretende levar o caso à “Corte di Appello”, de Roma. Ele quer saber quem teria fornecido ou, de que modo a candidata poderia ter obtido, e-mails usados por cidadãos italianos “exclusivamente em suas relações com aquele consulado”.

Segundo explica Lorenzato, a ser verdadeiro tudo isso, a matéria caracterizaria crime tanto pela lei italiana (Lei da ‘Privacy’) quando pela legislação brasileira (marco da Internet). “É uma sacanagem – disse ele a Insieme -,  já denunciei para o cônsul de São Paulo. Tem várias pessoas ligadas a mim que não fazem parte de círculos italianos e de associações italianas, empresários, com e-mails corporativos, que renovaram o passaporte há pouco tempo. Como é que essa lista ‘Civica Popolare’, da Montanarini e da Bueno, conseguiu os e-mails das pessoas?”

Consultado por Insieme, o deputado Fabio Porta disse que sobre essas listas “conversei também com o advogado Vicenzi [Fabio Vicenzi, também candidato do PD à Câmara]. Precisamos de provas. Até porque – aduziu Porta – existem agências que vendem listas de eleitores italianos no livre mercado.”

Ontem, o cônsul Michele Pala postou no perfil Twitter “Italy in São Paulo” foto com @LuigiVignali “monitorando material eleitoral e sistemas” dentro de seu consulado. Em post anterior, Pala se referia a #sicurezza # Elezioni2018, #trasparenza“. Outros candidatos consultados sobre o tema por Insieme, preferiram silenciar.

Segundo Lorenzato, que nos últimos dias se encontrava em campanha na Argentina, “as pessoas estão respondendo [os e-mails] de volta e perguntando: como é que você conseguiu meu e-mail? São pessoas que, às vezes, nem têm FaceBook, Instagram e outros. Um diretor de uma empresa [ele cita o nome] está puto da vida! Entendeu? Como é que um executivo desses tem o seu e-mail capturado?”.

“Isso é um escândalo”, aduz Lorenzato, acrescentando: “alguém conseguiu a lista dos e-mails do consulado de São Paulo. E a Renata Bueno e a [Helena] Montanarini estão publicando; isso é crime, dá cadeia, é quebra da ‘privacy’, entendeu?’”. Segundo ele, “caso não se confirme isso, as candidatas deverão provar o que fizeram eletronicamente para obter esses e-mails”.

Num dos e-mails encaminhados ao conhecimento de Insieme, a candidata Renata Bueno diz que “fui eleita deputada italiana em 2013 com mais de 20 mil votos [na verdade, foram 18.077 votos – NR], me tornei referência do Brasil e da América do Sul na Itália, mesmo sendo uma das mais jovens parlamentares italianas. Sou formada em Direito no Brasil, e me especializei na Itália, onde resgatei as origens de minha família. Logo após meu mandato como vereadora em Curitiba, fui convidada pelo ex-senador Edoardo Pollastri (in memoriam), para concorrer às eleições italianas. Me tornei, assim, a primeira ítalo-brasileira eleita pelo (sic) Parlamento Italiano. E isso uniu minhas duas paixões: a Itália e a política”.

Segundo outra fonte, o ‘staf’ da candidata Renata Bueno dispõe em seu arsenal de listas completas dos eleitores com e-mail e telefones dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Só de São Paulo são cerca de 126 mil nomes em planilha que, além dos demais dados pessoais de cada eleitor, contém duas colunas para telefone e duas colunas para e-mail. Segundo a mesma fonte, pelo menos a de São Paulo “pode ser a lista relativa aos eleitores do Referendo de 2016”.

Alguém com algum conhecimento dos trabalhos consulares, assegura que os dados contidos nas listas de Renata Bueno são “bastante compatíveis” com os do SIFC – “Sistema Integrato di Funzioni Consolari” (Sistema Integrado de Funções Consulares”, com alguma manipulação para servir às funções de propaganda eleitoral.

Para entender melhor o problema é preciso ter em conta que os consulados são obrigados a fornecer a todos os candidatos formalmente inscritos na disputa eleitoral uma lista completa contendo todos os nomes da área eleitoral, no caso, a América do Sul. Essa lista, entretanto, vem com nomes e endereços, entre outros dados, mas não incluem endereços eletrônicos, nem números de telefone.

Para facilitar o acesso aos eleitores, muitos candidatos contratam empresas especializadas para tentar obter o máximo de informações que lhes facilite o trabalho de “caça aos votos”, mas esse é, sempre, um processo moroso e muito caro, além de apresentar um percentual de acertos distante do razoável. No caso da lista de São Paulo em mãos da candidata Renata Bueno, segundo uma fonte de Insieme, “poucos são os nomes que não dispõem de telefone e de e-mail”.

A candidata Renata Bueno foi procurada pela Revista Insieme mas não retornou até a publicação desta matéria. Sua assessoria informa que ela se encontra “no interior, em campanha” e que iria entrar em contato com a candidata.

O também candidato Daniel Taddone relatou que durante esta semana “dezenas de parentes, amigos e conhecidos me comunicaram surpresos que receberam mensagens de e-mail das candidatas Renata Bueno e Helena Montanarini. Por minha conta perguntei a mais pessoas e percebi que possivelmente todos os eleitores do estado de São Paulo foram atingidos por uma metralhadora de spam eleitoral em flagrante violação da Legge della “Privacy”.

Para Taddone, “além desse já grave fato”, causa-lhe “particular curiosidade saber como tal lista foi conseguida”. Ele diz que “muitos me relataram que os endereços de e-mail utilizados não poderiam ter sido obtidos se não por meio das bases de dados consulares. Fica aí a incógnita”.

Taddone vai além e aproveita para alfinetar a adversária: “De qualquer maneira, é evidente o uso lamentável de um alto poderio econômico por parte da candidata Renata Bueno, que gasta rios de dinheiro em uma campanha que vende ilusões. A plutocracia da política brasileira mais carcomida fará qualquer coisa para manter sua poltrona garantida no Parlamento Italiano, onde em cinco anos o resultado apresentado foi rigorosamente nenhum”.