Sumiço dos processos trentinos: “Tiveram todo nosso apoio e colaboração, mas agora fingem que nem existimos”, diz presidente do ‘Circolo’ de Curitiba

Peça fundamental em todo o ‘procedimento trentino’ para o reconhecimento da cidadania italiana no período de 2000 a 2010, o “Círcolo Trentino di Curitiba” é, hoje, uma entidade alijada do processo por deliberação unilateral e injustificada do cônsul da Itália com jurisdição sobre os Estados do Paraná e Santa Catarina. Embora seja a única entidade capaz de informar os requerentes sobre dados essenciais dos processos “sumidos”, que podem interessar a milhares de pessoas, o ‘Circolo’ sofreu inclusive ataques que visaram denegrir sua imagem e boa reputação. “Tiveram todo o nosso apoio e colaboração, mas agora fingem que nem existimos”, diz a atual presidente da entidade, Fernanda Pelizzari Chemin.

Formada em administração e cursando Direito, Fernanda tem bem vivos na memória todos os passos desde o começo da década de 2000, com o advento da lei 379, pois foi a primeira funcionária contratada pela entidade que hoje preside. O ‘Circolo’ chegou à época a ter cerca de 20 funcionários que se encarregaram de informar requerentes, coordenar os famosos “juramentos” (o maior deles com quase 5.000 signatários), coletar e organizar documentos, produzir as famosas “pastas” e inclusive lançar no livro consular as informações exigidas.

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“Não perdemos um documento sequer”, afirma ela, lembrando que durante anos um funcionário pago pelo ‘Circolo’ trabalhava dentro do próprio consulado, “tudo para dar celeridade aos processos” que chegavam a Curitiba provenientes de todos os demais círculos trentinos dos dois Estados (deve-se recordar que a maior comunidade trentina fora do Trento está em Santa Catarina).

Na tele-entrevista que concedeu à Revista Insieme, além de narrar como as coisas aconteceram, Fernanda acrescenta informações importantes para se entender a situação atual. Por exemplo: se hoje os interessados têm que apostilar documentos e refazer alguns deles, com gastos suplementares decorrentes, isso acontece porque, à época, o consulado deixou de fazer a única coisa que lhe competia após receber as ‘praticas’ prontas e completas: carimbar os documentos.

Processos no Círculo Trentino de Curitiba em 25/08/2004 (Foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

Quando começaram as primeiras informações sobre a demora daquela “Comissão de Roma” na análise dos pedidos, teve início o segundo tempo, isto é, a fase da segregação e do boicote ao ‘Circolo Trentino di Curitiba’, que tiveram seu ápice com a chegada do atual cônsul. Alegando a lei da ‘privacy’, deixamos de receber informações tanto do consulado quanto de Roma, da tal comissão. A funcionária romana passou a responder pedidos de informações a diversas pessoas e inclusive escritórios de assessoria, “mas nunca atendeu sequer um pedido do ‘Circolo’”, afirma Fernanda.

Enquanto favoreciam quem estava levando vantagem com isso, ignoraram o trabalho voluntário de uma associação que, juntamente com as demais da região, desempenhou toda a coordenação e encaminhamento inicial, muitas vezes, a duras penas. “Nunca nos atenderam – diz ela – mas respondem prontamente algumas pessoas por aí”.

Fernanda lamenta o fato, pois se tivesse havido um pouco de consideração e respeito ao trabalho do ‘Circolo‘, teria havido um pouco de distinção nessa “bagunça toda, nessa baixaria – porque para mim isso é baixaria” que se estabeleceu na sequência. “Perdemos um pouco de credibilidade, mas não foi por não dar respostas concretas a nossos associados” e, sim, porque até o próprio consulado “nos acusou de estarmos fazendo trabalho de assessoria”, embora “nós tenhamos uma visão bem diversa, nós somos uma associação”.

Teve um período em que se acusou o Círculo Trentino de estar tardando o envio de processos ao Consulado. Fernanda explica também esta questão: Roma ordenou ao Consulado que não enviasse mais processos pois estava havendo acúmulo; e o Consulado brecou, aqui, como consequência, o recebimento dos novos processos durante algum tempo (segundo consta, por cerca de três anos). Os processos, todos prontos já, permaneceram assim esperando o protocolo do consulado. Novamente, segundo Fernanda, a culpa ou falha “não foi nossa” e, sim, das próprias autoridades italianas.

Sobre os processos sumidos, Fernanda diz que, em função do corte das informações ao ‘Circolo’, não se pode ter um número exato de processos que estão sem solução ainda. Calcula-se, segundo ela, que das cerca de 17 mil pessoas atendidas, hoje faltam respostas a “uns 600 processos”, envolvendo um número não sabido de interessados, uma vez que cada processo poderia abranger diversos núcleos familiares.

Explica que, inicialmente, os processos eram enviados a Roma através de malote, mas depois os processos passaram a ser digitalizados e, numa terceira fase, entrou o e-mail PEC (e-mail certificado). Mas, também segundo Fernanda, “o consulado tem cópia de todos os processos” e ele sabe dizer, sim, se voltou o ‘nulla osta’ (aprovação da comissão de Roma) ou não. Ela não acredita, entretanto, que atualmente existam processos engavetados no Consulado, “Alguns anos atrás, sim, tinha descompasso de uns dois ou três anos (…). Posso estar enganada, mas parece que o consulado de Curitiba hoje está em dia com isso”. Mais: “Se há alguma má vontade de trabalho nesse momento, isso está no Ministério do Interior”

A presidente do ‘Circolo Trentino di Curitiba’ manifestou-se favorável à iniciativa tomada pelo ex-presidente e hoje advogado Elton Stolf e, segundo informa, vai orientar os associados a encaminharem os pedidos de informação extrajudicial (‘difida’) ao Consulado da Itália em Curitiba.