A "taxa da cidadania" de 300 euros começou a ser cobrada no dia 8 de julho de 2014 e incide sobre todo processo de reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue. (Montagem/Insieme)

Passados exatamente quatro anos do início da cobrança da “taxa da cidadania”, transcorrido no último dia 8 de julho, continua um mistério para o público contribuinte a destinação dos recursos que o governo italiano devolve a cada consulado arrecadador. Da mesma forma, não existem dados para saber em que grau a entrada desses novos recursos no caixa do Estado possam ter contribuído para a melhoria do sistema e para a diminuição das filas de espera, que continuam longas e lentas.

Um rápido levantamento sobre a situação em cada um dos sete consulados italianos que operam no Brasil indica que o tempo médio de espera nas filas pode ter diminuído um pouco, mas, na média, ela ainda pode estar próxima dos 10 anos. É assim em Porto Alegre, segundo a conselheira do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’, Claudia Antonini, em cuja circunscrição estão sendo chamados inscritos no ano de 2008. A informação oficial, entretanto, é de que as filas, em terras gaúchas, deverão terminar em 2012.

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Em São Paulo, segundo observa o presidente do Comites do Recife, Daniel Taddone, estão sendo chamados os inscritos de 2006, mas “parece que o ritmo vai acelerar”. O consulado de SP, recentemente, eliminou de seu site as tabelas de chamada, alegando a lei da ‘privacy’ e instituiu o chamado dos inscritos exclusivamente através de e-mail.

Ao que consta, a circunscrição consular em melhor situação seria a de Belo Horizonte, onde, conforme os relatos obtidos por Insieme, “todos os que fizeram os pedidos até 2017 serão chamados até o fim de 2018, quase zerando a fila. A partir de janeiro de 2019 tudo será feito pelo ‘Prenota Online’, como no Rio, criando provavelmente o que eu chamo de ‘cittadinanza a numero chiuso’ (cidadania a número fechado)”, como explica Taddone.

Entretanto, o sistema implantado no Rio de Janeiro é de eficácia duvidosa, pois “quem ganha na loteria do agendamento tem a cidadania reconhecida, quem não, amarga uma fila fantasma”, observa Taddone. Isso porque “em tese não há fila; a pessoa agenda no ‘Prenota’ e é chamada alguns meses depois”. Entretanto, para o cidadão normal, como ocorre com a requisição de passaportes no resto do Brasil, agendar é praticamente impossível. Vai daí que, as pessoas recorrem a serviços privados ‘especializados’, e, então, “um agendamento para cidadania pode custar mais de 3.000 reais”.

No Recife, também segundo Taddone, “estão começando a chamar 2011, mas o ritmo me parece bom. Todavia, estimar um prazo para quem entra hoje é puro chute”. Em Brasília, segundo Daniel Laguna, administrador do grupo Facebook “Contra as filas os Consulados Italianos no Brasil”, a considerar-se o andamento atual, “teríamos uma espera de nove anos”. “A embaixada – explica Laguna – não convocava quase ninguém e ganhou um valor insignificante [da parte] dos 300 euros. Por ora, a taxa segue inútil para ajudar a resolver o problema”.

Em Curitiba, segundo o conselheiro do Comites PR/SC, advogado Elton Diego Stolf, a espera hoje está em torno de oito anos. “Estão esperando quem entrou em 2012; pois são seis [anos], mais dois [anos] do prazo”, explica ele, acrescentando que “quem entra agora também tem essa referência, se não convocarem mais pessoas”. Há um número grande de pendências também na área dos trentinos (na verdade, descendentes de imigrantes outrora pertencentes aos territórios italianos que integravam o Império Austro-Húngaro).

De todo o dinheiro arrecadado com a taxa dos 300 euros no mundo inteiro (outro segredo mantido a sete chaves), uma parte (30%, segundo uma emenda à lei original) precisa ser devolvida aos consulados de origem. Entretanto, para o Brasil, segundo se sabe, sobre uma arrecadação estimada em mais de 16 milhões de euros (equivalentes a mais de 60 milhões de reais) no ano passado, vieram após as eleições somas importantes: 407 mil euros para São Paulo, 382 mil euros para Porto Alegre, 295 mil euros para Curitiba, 168 mil euros para Rio de Janeiro, 115 mil euros para Belo Horizonte, 21 mil euros para o Recife e sete mil euros para Brasília.

Mais recursos haviam sido referidos durante a legislatura anterior, mas, ao que consta, nada de novo aconteceu – nem antes, nem depois da mudança de governo na Itália, que há pouco mais de um mês tem o senador Ricardo Merlo num cargo importante dentro da estrutura do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional.

É com base em informações anteriormente alimentadas pelo governo italiano (inclusive a de que os recursos da taxa da cidadania poderiam ser destinados integralmente aos consulados) que o deputado Fausto Longo acaba de fazer (a data é de 26/06) uma interpelação ao governo italiano. Ele quer saber, por escrito, do Ministro das Relações Exteriores “de que forma os recursos arrecadados no processamento do reconhecimento da cidadania italiana estão sendo distribuídos e utilizados”.

Longo quer saber também “se o Ministro questionado pretende fornecer detalhes sobre a aplicação do parágrafo 622 do artigo n.º 1 da Lei de Estabilidade para 2016, esclarecendo quais foram os critérios para a distribuição e, por via de consequência, os destinatários dos fundos atribuídos para 2016 entre as diversas representações diplomáticas, e se não considera útil continuar no caminho tomado em 2016, tomando iniciativas para alocar fundos adicionais para melhorar a atividade das representações diplomáticas e consulares”.

O ex-senador e atual deputado Fausto Longo (foto Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

A seguir o texto (que traduzimos) de sua interpelação, na íntegra: “Ao Ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional. Para Saber, dado que:

– com o artigo 5-bis do Decreto-Lei n. 66, de 24 de abril de 2014, convertido pela lei n. 89, de 23 de junho de 2014, foi introduzida uma disposição que modifica o regime de recursos arrecadados pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional como contrapartida ao reconhecimento da cidadania italiana;

– especificamente, o parágrafo 1 insere o artigo 7-bis na seção I da tabela de direitos consulares, anexada ao decreto legislativo n. 71, de 3 de fevereiro de 2011, a serem recolhidos em embaixadas e consulados no exterior, tendo em vista os inúmeros serviços por eles prestados;

– o artigo 7-bis em questão introduz, na tarifa consular, o direito à cobrança pelo tratamento do pedido de reconhecimento da nacionalidade italiana a pessoas adultas, fixando o montante de 300 euros;


– o relatório técnico do governo relativo à questão informava que os atos de reconhecimento da cidadania italiana tiveram um crescimento exponencial nos últimos anos, o que tornaria irracional manter a gratuidade da prática administrativa relacionada. De fato, as operações de reconstrução da cidadania “iure sanguinis” são altamente complexas, especialmente nas Américas, onde o processo pode se estender até além de seis gerações;

– o imposto adicional acima mencionado deveria levar a uma melhoria, em termos de aceleração do procedimento administrativo para o reconhecimento da cidadania ou, em geral, na qualidade dos serviços consulares prestados aos usuários;

– uma parte dos fundos chegou aos consulados, mesmo que não haja prestação de contas desses recursos;

– a Lei de Estabilidade de 2016 (Lei n.º 208 de 28 de dezembro de 2015) estabeleceu, no artigo 1.º, parágrafo 622, uma dotação de 2 milhões de euros para 2016 a favor das representações diplomáticas e escritórios consulares, destinada, entre outros, à assistência às comunidades de italianos residentes na circunscrição consular de referência;


– isto porque, há tempos, percebia-se a necessidade de mudar os critérios da gestão financeira dos escritórios italianos no exterior, prevendo a possibilidade de que a cobrança de taxas consulares poderia se transformar diretamente em fundos operacionais para cada escritório diplomático e consular, de tal forma que pudessem ser reinvestidos localmente e financiar diretamente muitas das atividades das instituições diplomático-consulares, desde o pessoal, sobrecarregado pela quantidade de trabalho acumulado, até as sedes que necessitam de manutenção, e as atividades de assistência às comunidades de italianos ali residentes;
– com efeito, os recursos do parágrafo 622 destinam-se, em particular, aos seguintes tipos de intervenção: manutenção da propriedade, atividades institucionais, por iniciativa da representação diplomática ou escritório consular e assistência às comunidades de italianos residentes na circunscrição consular de referência;
– O Ministro das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional ‘pro tempore’, Gentiloni, em um pronunciamento na Câmara durante o “período de perguntas” , em outubro de 2016, declarou: “Nós conseguimos, nos últimos dois anos, deixar uma parte das receitas das novas emissões de documentos nas redes consulares e conseguimos (…) fortalecer nossa atividade. É possível que os recursos adquiridos por cada consulado permaneçam, entre aspas, em casa, ou seja, que todos os consulados possam mantê-los? É uma discussão estamos fazendo com o Ministério da Economia e Finanças e acho que é um debate sensato”:

De que forma os recursos arrecadados no processamento do reconhecimento da cidadania italiana estão sendo distribuídos e utilizados;
Se o Ministro questionado pretende fornecer detalhes sobre a aplicação do parágrafo 622 do artigo n.º 1 da Lei de Estabilidade para 2016, esclarecendo quais foram os critérios para a distribuição e, por via de consequência, os destinatários dos fundos atribuídos para 2016 entre as diversas representações diplomáticas, e se não considera útil continuar no caminho tomado em 2016, tomando iniciativas para alocar fundos adicionais para melhorar a atividade das representações diplomáticas e consulares.”