O advogado italiano Marco Mellone. (Foto cedida/Insieme)

Oficiais do Estado Civil de Municípios italianos não podem se opor às inscrições, transcrições e anotações legais decorrentes de cidadania italiana ‘iure sanguinis’ reconhecida em juízo, mesmo que a decisão de primeiro grau esteja ainda pendente de recurso ou não tenham transitado em julgado. É assim que entende o Tribunal Ordinário de Gênova, ao julgar recurso interposto por uma cidadã que teve negada, por parte do Oficial de Estado Civil de Gênova, a transcrição ordenada pelo Tribunal de Roma.

A decisão é recente (tem a data do dia 25/02/2022) e foi proferida nos autos do processo 767/2022 V.G., em que atuaram as juízas Marina Pugliese (presidente), Valeria Ardoino e Anna Bertini (relatora). O advogado italiano Marco Mellone, que atuou no caso, classifica a decisão como “uma boa notícia para os descendentes de italianos que buscam a cidadania italiana através da via judicial” e informa que a rejeição do comportamento que vinha sendo adotado pelos municípios italianos não teve sequer a manifestação do Ministério do Interior.

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Ainda segundo Mellone, “este precedente pode ser também uma arma para contrastar a estratégia do Estado italiano que vislumbra desmotivar os interessados à cidadania italiana através de recursos na segunda instância”. Como se recorda, há cerca de dois anos a ‘Avvocatura dello Stato’ tem se empenhado em recorrer, em nome do Ministério do Interior (mas também do Ministério das Relações Exteriores) das decisões da justiça de primeiro grau, invocando inclusive a antiga tese da Grande Naturalização brasileira, que havia sido sepultada pela Suprema Corte ainda no começo do século passado.

Ao enviar cópia da sentença a Insieme, Mellone (conhecido autor de obras jurídicas sobre cidadania italiana) classificou-a como “muito interessante e importante”, explicando como os casos vinham ocorrendo: “uma vez obtida a sentença favorável que reconhece a cidadania italiana, muitos municípios (‘Comuni’) italianos costumam negar a transcrição dos documentos nos registros cíveis (e portanto param o procedimento burocrático que leva ao passaporte italiano) quando não existir a prova de que a sentença seja definitiva (ou seja, que não houve recurso)”.

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“Isto gera – prossegue Marco Mellone – um forte atraso na execução da sentença porque podem passar muitos meses antes de obter a atestação de trânsito em julgado emitida pelo Tribunal. Mas principalmente isto impede aos que foram reconhecidos cidadãos italianos pelo Tribunal de primeiro grau de exercer todos os direitos relacionados à cidadania italiana quando a sentença for apelada pelo Estado italiano na Corte de segundo grau”.

O jurista observa ainda que, como se sabe, o Estado italiano está apelando frequentemente e o processo de segundo grau pode demorar até três anos. Durante este período de tempo, quem ganhou o caso na primeira instância fica “sem documentos italianos” e portanto “sem direitos relacionados à cidadania italiana” justamente porque muitos municípios não executam a sentença sem a prova da definitividade da sentença de primeiro grau”.

Mellone, que é PhD pelas Universidades de Bologna e Strasburgo, disse ainda que “nunca concordei com esta atitude dos municípios e do Ministério do Interior porque, pela lei italiana, a sentença que reconhece a cidadania italiana é imediatamente executiva (independentemente do recurso do Estado)”. Além disso, acrescenta que “o Tribunal de Roma, quando reconhece a cidadania italiana manda o município transcrever os documentos dos interessados e o município deve cumprir com essa ordem”.

Para o jurista, “afortunadamente, o Tribunal de Genova (e também o Público Ministério concordou) reprovou a tese dos municípios e do Ministério do Interior e estabeleceu de forma claríssima que:

• as sentenças de cidadania italiana por direito de sangue são imediatamente executivas sem necessidade de aguardar o transito em julgado;

• a decisão do ‘Comune’ de negar a transcrição nos registros cíveis é ilegítima e pode provocar um prejuízo a quem foi reconhecido cidadão italiano. De fato, foi o que aconteceu com uma minha cliente que foi reconhecida cidadã italiana, mas que perdeu uma oferta de trabalho importante (pela qual era necessário o passaporte italiano) por causa da decisão do município de não transcrever sem o trânsito em julgado.

• Mandou para o município transcrever imediatamente os documentos nos registro cíveis, sem o transito em julgado”.

Segundo Mellone, a decisão do Tribunal de Gênova não foi apelada e o ‘Comune’ de Gênova transcreveu depois os documentos sem trânsito em julgado. Ele conclui: “Portanto, os que foram reconhecidos cidadãos italianos pelo Tribunal de primeira instância poderão utilizar este importante precedente jurisprudencial para obter imediatamente a transcrição dos documentos nos registros cíveis italianos (e, portanto, depois, o passaporte), sem necessidade de aguardar o trânsito em julgado (principalmente se a sentença for apelada, a definitividade pode chegar somente vários anos depois)”.