Ao observar que os “dogmas” da administração pública italiana na área da cidadania “vão, pouco a pouco, caindo”, o advogado Marco Mellone informa sobre mais duas decisões recentes que “declaram a ilegitimidade de decisões administrativas que pretendem negar a imediata executividade das ordens judiciais proferidas pelos Tribunais italianos na área da cidadania italiana iure sanguinis”.
A ilegitimidade é declarada “mesmo se a lei italiana (e a própria ordem judicial) estabeleçam exatamente o contrário”, explica Mellone, ao comemorar o resultado obtido em favor de um grupo de descendentes de italiano emigrado para a América do Sul.
Nas duas decisões, que são do Tribunal de Savona, Região da Ligúria, confirma-se assunto já precedentemente afirmado pelo Tribunal de Gênova na decisão de 25.02.2022, ou seja, “que o oficial de estado civil italiano deve realizar as transcrições sem necessidade de pedir o transito em julgado da decisão que reconhece a cidadania italiana”, explica Mellone.
As decisões referidas são: a primeira, de 14/06/2024, tendo como magistrados Alberto Princiotta (presidente), Silvana Bianchi (relatora) e Erica Passalalpi , e a segunda, de 04/07/2024, em que atuaram os magistrados Alberto Princiotta (presidente), Marta B. Vaccara (relatora) e Erica Passalalpi. Uma das ações teve como patrono o próprio advogado Marco Mellone.
“Trata-se de notícia muito importante e extremamente atual – explica o advogado italiano, que é PHD pelas Universidades de Bologna e Estrasburgo –, já que a obtenção do trânsito em julgado está se tornando cada vez mais complicada”, com vários Tribunais italianos negando a emissão do trânsito em julgado sem a prova do pagamento do imposto de registro da sentença favorável.
O problema é que, para pagar este imposto, “é preciso primeiro que outro órgão do Estado italiano, a Agenzia delle entrate (equivalente à Receita Federal brasileira) calcule o valor do imposto e esta operação pode levar tempo variado”, segundo explica Mellone. Além disso, “para pagar dito imposto, é preciso o interessado ter um Codice Fiscale (similar ao CPF brasileiro) e isto pode obrigar os descendentes a abrir um procedimento administrativo paralelo no Consulado para obtê-lo, com ulteriores complicações e atrasos”.
Sobre isso, Mellone dá a conhecer recente comunicação do Tribunal de Brescia que convida os advogados, “com vistas a uma colaboração proveitosa, eficiência e eficácia dos procedimentos administrativos, a solicitarem o mais rapidamente possível à Agenzia delle entrate a atribuição do Codice Fiscale dos recorrentes maiores de idade residentes no exterior que não possuam o mesmo, para que este Escritório possa, uma vez depositado no processo telemático o código fiscal atribuído, transmitir à Entidade Financeira a sentença para o devido registro”.
O comunicado informa “que tal procedimento é condição necessária para que esta Secretaria possa emitir o certificado de trânsito em julgado da sentença (para os subsequentes cumprimentos de transcrição junto ao Escritório de Estado Civil dos Municípios)”.
“A fase da execução da sentença que reconhece a cidadania italiana pode se tornar um pesadelo burocrático”, calcula Mellone, aduzindo que, “por sorte, estas sentenças aplicam um princípio que evita todas estas complicações” – o princípio enunciado nos artigos 702 ter (e 282) do Código processual civil italiano, “ou seja, que as decisões judiciais são imediatamente executivas, independentemente da sua definitividade”.
Diz ainda Mellone: “Portanto, embora a decisão que reconhece a cidadania italiana foi apelada, o Oficial de Estado Civil deve transcrever os documentos e não pode obrigar o interessado a aguardar o tempo todo do apelo (até 3 anos) sem poder exercer os direitos relativos à cidadania italiana”.
“Foi exatamente o que aconteceu no primeiro caso analisado pelo Tribunal de Savona (decisão proferida no dia 14.06.2024) em que um grupo de descendentes de um italiano emigrado ao Sul América foram reconhecidos cidadãos italianos pelo Tribunal de Genova que ordenou a transcrição dos documentos. Mas o Estado italiano apelou a decisão e, portanto, o oficial de estado civil negou a transcrição dos documentos, alegando que a decisão não era definitiva. Mais precisamente, o Oficial de Estado Civil alegava que não podia cumprir com a ordem judicial emitida pelo Tribunal de Gênova, sendo que “ele era vinculado às instruções do Ministério do Interior italiano”.
“O Tribunal de Savona – continua Mellone – afirmou a ilegitimidade dessa decisão, sendo que ela não se baseia sobre nenhuma fonte normativa e, muito pelo contrário, fere especificas normas processuais previstas pela lei italiana. Além disso, essa decisão – o Tribunal de Savona afirma – pode provocar um prejuízo ao interessado já que impede ao cidadão de exercer os direitos ligados ao status de cidadão italiano. De fato, os requerentes tinham interesse a exercer imediatamente ditos direitos (por exemplo, para trabalhar na Italia sem restrições ou necessidade de obter visto)”.
“O mesmo raciocínio – prossegue o advogado italiano – se encontra no segundo caso analisado pelo Tribunal de Savona (04.07.2024). Essas duas decisões não foram apeladas e foram ambas cumpridas pelos respetivos Oficiais de Estado Civil através da transcrição dos documentos nos registros cíveis italianos (embora esteja pendente o recurso do Estado italiano na Corte de Apelo)”.
“Estas sentenças representam outro exemplo de como os “dogmas da administração na área da cidadania italiana” vão pouco a pouco caindo. Já a Suprema Corte italiana recentemente afirmou que a prova da filiação (e, portanto, da transmissão da cidadania italiana por direito de sangue) pode ser realizada de qualquer forma, não sendo necessário um documento específico (certidão de nascimento) ao contrário do que afirma pela Circular k28, do Ministério do Interior”.
“Agora estas decisões do Tribunal de Savona declaram a ilegitimidade de decisões administrativas que pretendem negar a imediata executividade das ordens judiciais proferidas pelos Tribunais italianos na área da cidadania italiana iure sanguinis, mesmo se a lei italiana (e a própria ordem judicial) estabelecem exatamente o contrário”, conclui o advogado Marco Mellone.