“Não existem razões jurídicas válidas para que os Oficiais de Registro Civil no Brasil não se organizem para prestar um atendimento mais efetivo, mais célere e menos custoso para todos os descendentes de estrangeiros

Prezados leitores, muito bom revê-los! Retomamos no presente número nossa síntese sobre as ações de previstas da Lei de Registros Públicos (LRP). Dando sequência ao número anterior, discutiremos a retificação dos registros civis brasileiros segundo a sistemática legal pátria.

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Primeiramente, colocaremos nosso olhar sobre a seguinte questão: qual o real cabimento da ação judicial de retificação registral? É bastante comum, conforme sabemos, o encaminhamento de toda e qualquer solicitação de alterações registrais aos juízes – e esta é uma prática abusiva de boa parte dos Oficiais de Registro Civil, pois a LRP, após atualizações legislativas bastante recentes, prevê um papel subsidiário para as ações judiciais de retificação de registros, trazendo hipóteses de processamento das alterações registrais que antecedem a judicialização.

A rigor, um registro civil poderá ser alterado segundo quatro hipóteses distintas da LRP: a) por simples averbação, como, por exemplo, no caso em que alterados nomes e sobrenomes constantes no registro, seja pela ocorrência de um casamento, de um divórcio ou mesmo da alteração de nome em registro anterior da cadeia registral; b) de ofício, quando o Registrador tiver condições de, por conta própria, alterar os registros sob sua guarda para que se aproximem da verdade real; c) por requerimento do interessado, caso no qual são apresentados ao Oficial documentos idôneos a comprovar os equívocos alegados, abrindo-se no cartório, mediante protocolo, um procedimento administrativo de retificação e, por fim, subsidiariamente, ou seja, somente caso não seja possível a solução por nenhuma das vias anteriores, d) por ação judicial de retificação, proposta pelo interessado junto do foro competente.

É justo que os Oficiais não meçam esforços para resolver, pelas três primeiras vias, as alterações registrais que lhes sejam solicitadas ou, oficiosamente, aquelas às quais tenham conhecimento da necessidade, por outro modo. Os exemplos abaixo servirão para elucidar a questão: 

a) suponhamos que os italianos Giuseppe Mori e Giovanna Osellieri tenham se casado no Brasil e que em seu registro de casamento conste que José Mori casou-se com Geovana Osellieri e que esta, após o casamento, passou a assinar Geovana Osellieri Mori. Suponhamos que o primeiro filho deste casal (o chamaremos de Dante Mori) tenha sido registrado, no mesmo cartório, como filho de José Mori e Geovana Mori. Suponhamos que um descendente em linha reta dos italianos requeira ao cartório a alteração do registro de nascimento de Dante Mori, para que conste “filho de José Mori e de Geovana Osellieri Mori”. Neste caso, a ocorrência de um casamento (entre Giuseppe Mori e Giovanna Osellieri) deu causa à alteração de nome da genitora de Dante, que passou a se chamar Geovana Osellieri Mori; a requisição do interessado não corresponde a uma retificação de registro em sentido estrito, mas da necessidade de simples averbação do nome de casada adotado por sua genitora à margem do assento de nascimento do filho Dante; 

b) agora, suponhamos que o interessado tenha apresentado ao cartório as certidões italianas de nascimento de Giuseppe e Giovanna, traduzidas e apostiladas, indicando ao cartório que, embora constantes os nomes aportuguesados “José” e “Geovana” no registro de casamento, os nomes italianos dos nubentes são, com efeito, “Giuseppe” e “Giovanna”, requerendo a correção. Neste caso, aberto um protocolo e um prazo pelo próprio Ofício de Registro e conferidas a autenticidade e veracidade das certidões italianas apresentadas, mediante seu arquivamento na serventia, o próprio Oficial corrigirá os nomes dos nubentes no registro de casamento, sem necessidade alguma de intervenção judicial ou mesmo do Ministério Público; 

c) por fim, suponhamos que, junto com o requerimento apresentado para a correção do registro de matrimônio dos italianos, o interessado tenha indicado as referências (livros, folhas e termos) dos assentos de nascimento e casamento de todos os filhos do casal registrados na mesma serventia, apresentando, inclusive, certidões de breve relato que comprovam as referências indicadas: nesse caso, oficiosamente – e sem prejuízo da cobrança de taxas e emolumentos – este mesmo Oficial poderia corrigir os nomes dos italianos em todos os registros dos filhos do casal, pois plenamente disponíveis ao Oficial todas as ferramentas necessárias para que proceda as correções, sem necessidade da requisição de outros documentos ou da abertura de protocolos/processos administrativos distintos. Esta correção oficiosa, para todos os registros familiares sob a guarda de uma mesma serventia, poderia, inclusive, abarcar outros elementos essenciais dos registros indicados, como, por exemplo, a naturalidade dos pais italianos nos registros de nascimento e casamento dos respectivos filhos (art. 54, 7º e 70, 2º, da LRP) e as datas de nascimento e morte dos pais italianos nos casamentos destes mesmos filhos (art. 70, 2º, da LRP).

O hábito, infelizmente bastante comum, que possuem muitos Oficiais, de não aceitarem registros já retificados como prova e instrução dos pedidos de retificações administrativas subsequentes, bem como o terrível hábito de exigirem instrução múltipla destes pedidos com várias vias dos mesmos documentos, me soam profundamente ilegítimos. Na minha experiência, tenho visto não somente Oficiais se negarem imediata e veementemente aos pedidos de quaisquer alterações registrais pela via administrativa, mas, também, encaminharem para o Judiciário retificações administrativas requeridas com fundamento em registros anteriores da cadeia já corrigidos, inclusive judicialmente, mesmo quando os registros subsequentes da cadeia estão sob sua própria guarda, bem como exigirem para cada uma das retificações pretendidas o mesmíssimo conjunto de documentos instrutórios do pedido, muitos deles certidões extraídas dos registros do próprio cartório!      

Todavia, é importantíssimo registrar que não existem razões jurídicas válidas para que os Oficiais de Registro Civil no Brasil não se organizem para prestar um atendimento mais efetivo, mais célere e menos custoso para todos os descendentes de estrangeiros outrora radicados no país.

No próximo artigo, falaremos de forma mais sucinta e técnica sobre as retificações registrais, tanto pela via administrativa, quanto pela via judicial. Entretanto, para que o leitor não fique sem resposta quanto à questão levantada neste artigo, a respeito do cabimento da ação judicial de retificação, ensaiamos desde já a resposta: a via judicial somente deveria ser indicada quando houvesse dúvida objetiva sobre a identidade do registrado ou sobre as informações constantes nos registros que se pretendem retificar como, por exemplo, no caso de um italiano que tenha adotado prenome e sobrenome radicalmente diferentes no Brasil, de forma que somente uma robusta pesquisa genealógica, envolvendo documentos variados e diversos registros, bem como documentos de muitos outros descendentes e de colaterais pudessem indicar sua real identidade, origem e ascendência. Todo o resto, infelizmente, com as escusar à minha sinceridade, se reduz ao desconhecimento ou à falta de empenho dos nossos Oficiais.

  • Texto originariamente publicado na edição 265 da Revista Insieme.