O Tribunal Ordinário de Roma reconheceu a cidadania italiana ‘iure sanguinis’ a seis italo-brasileiros e, através da Advocacia do Estado, os ministérios do Interior e do Exterior recorreram, baseados na tese da Grande Naturalização brasileira. A I Seção Civel da ‘Corte d’Appello di Roma’ não apenas manteve a sentença de primeiro grau, como condenou a ‘Avvocatura dello Stato’ ao pagamento de 12 mil euros (correspondentes hoje a mais de 65 mil reais).
A decisão, tomada no processo 1950/20 Rg. pelos conselheiros Biagio R. Cimini e Lucia Fanti, seguindo o relator presidente Ettore Capizzi, foi conhecida no início da tarde de hoje e, incontinenti, ganhou destaque em dezenas de grupos das redes sociais, sendo comunicada à redação de Insieme pela advogada Claudia Antonini, ex-conselheira do Comites – ‘Comitati degli Italiani all’Estero’ de Porto Alegre, que há algum tempo se encontra trabalhando em Roma.
“Estamos muito felizes aqui em Roma, hoje se comemora!” – anunciou ela, seguindo para o escritório onde mantém sociedade com os advogados Andrea de Marchi e Silvia Contestabile, para a tele-entrevista em que anunciaram “a importante vitória”. Seus colegas em Roma sustentaram a defesa em segundo grau. Antonini disse que Estado italiano não conseguiu comprovar perante o tribunal que seus clientes ou seus ancestrais tenham renunciado à cidadania italiana, apesar da naturalização tácita e compulsória decorrente da chamada Grande Naturalização.
A decisão, que vem na sequência de sentenças em sentido contrário da mesma ‘Corte d’Appello’ de Roma foi imediatamente comemorada pelos principais advogados que atuam na área. Maria Stella La Malfa, por exemplo, postou em seu perfil no Facebook que “hoje, no total silêncio, é um grande dia de festa para os italianos e, em particular, para os italo-descendentes”.
“A ‘Corte d’Appello’ de Roma – disse ela – aceitou e acolheu as excelentes motivações dos advogados Silvia Contestabile e Andrea de Marchi , aos quais faço os meus cumprimentos e as mais calorosas felicitações, rejeitando as questões levantadas pela Advocacia do Estado sobre a Grande Naturalização, condenando-os também a pagar as despesas processuais. O meu pensamento vá para todos os meus compatriotas que emigraram por necessidade para terras distantes, consciente que o desejo deles não foi hoje negado”.
Segundo La Malfa, um outro processo em condições semelhantes teria obtido a mesma acolhida. Numa atualização ao post, ela escreveu que “são 2 procedentes a nosso favor! Parabéns para o colega [Antonio] Cattaneo também”. Durante a entrevista, Antonini se referiu a uma informação não confirmada de um segundo processo na mesma Corte.
Ao tomar conhecimento do fato, o advogado Cristiano Girardello, que tem criticado muito as últimas sentenças, (inclusive ele é o autor de uma Carta Aberta à juíza Budetta) observou que essas decisões demonstram que há divergência no entendimento dos magistrados da mesma Corte de Roma, uns acolhendo as orientações do Ministério Público e outros, mais independentes, julgando conforme dispõe a legislação.
Outra advogada – Andrea Ferreira – comemorou a sentença chamando-a de “decisão exemplar”: “Hoje temos que festejar, apesar da guerra da Ucraina, e agradecer a vitória merecida dos advogados desta família na ‘Corte d’Appello’ que rejeitou a tese estapafúrdia da Grande Naturalização que tem tirado o sono de muitos brasileiros”. Ela diz “esperar que a primeira Vara uniformize as próximas decisões neste sentido , como fizeram e continuam fazendo os juízes de primeiro grau”.
E prosseguiu: “Estamos muito felizes porque além de ser rejeitada esta tese esdrúxula, demonstra que podemos acreditar e ter fé no respeito ao direito, às leis, à jurisprudência e ao estado de direito”. Andrea Ferreira diz estar convencida que, após essa decisão, a ‘Avvocatura dello Stato’ diminuirà sensivelmente o número de recursos pois mesmo que apele para a ‘Corte di Cassazione’ , todos os apelos já em tramitação em segundo grau podem ter o mesmo destino, causando un grande rombo nos cofres do governo”.
Segundo Claudia Antonini, da sentença “debela definitivamente a tese da Grande Naturalização levantada pela Advocacia do Estado”, mas ainda assim da decisão cabe recurso. Entretanto se o Estado recorrer e perder, a condenação terá, no mínimo, um valor três vezes maior. Assim, a condenação à sucumbência imposta na decisão hoje divulgada deverá funcionar “como um freio ao Estado”. Até agora, nas sentenças que acataram a tese da Grande Naturalização, estavam sendo penalizados os recorridos. “Não se brinca com um assunto tão sério”, disse ela, observando que algumas decisões estavam baseadas em hipóteses, mas “esta mostra de maneira clara todos os argumentos que precisam ser considerados”
“Estamos muito contentes” – disse também a advogada Silvia Contestabile. “Temos muitos outros processos e esperamos que a Corte continue com este entendimento”. Para seu colega Andrea De Marchi, a sentença da ‘Corte d’Appello’ evidencia que aqueles imigrantes nunca renunciaram, de fato, à cidadania italiana, porque para fazer isso teriam que ter praticado um ato irrevogável de renúncia”. E isso foi reconfirmado pelo Tribunal.
NOTA
Em função de corretas observações de alguns leitores nas redes sociais, trocamos uma palavra no título da matéria que, inicialmente, dizia: “‘Corte d’Appello’ de Roma sepulta tese da Grande Naturalização”. De fato, sepultar significa, em sentido primário, enterrar, colocar fim (mas também ocultar, abafar, calar, camuflar, cobrir, disfarçar, dissimular, eclipsar, encobrir, esconder, guardar, mascarar, sonegar, tapar, etc). Embora a intenção fosse dar ênfase a uma decisão que contraria outras decisões da mesma Corte em prejuízo da grande comunidade ítalo-brasileira, a sentença anunciada na notícia não coloca fim à questão, como diz o conteúdo da própria matéria, pois da decisão ainda cabe recurso ao terceiro grau da Justiça italiana e, conforme já tivemos oportunidade de informar, também à Corte Europeia. Ela também não coloca fim à tese esposada pela ‘Avvocatura dello Stato’ italiano, anunciada solenemente na Abertura do Ano Judiciário de 2020, conforme pode-se ver aqui e cujo tema será abordado em próxima matéria que publicaremos aqui.
Aproveitamos a oportunidade para juntar à matéria o conteúdo da sentença 1494/2020, em que atua como advogado o já citado Antonio Achille Cattaneo, com conteúdo decisório semelhante à primeira sentença e onde o Estado italiano foi também condenado a pagar as custas processuais no valor de nove mil euros.