Luis Roberto Lorenzato numa imagem de 2005 (Foto de Desiderio Peron / Arquivo Revista Insieme)

“A mudança, ou a introdução do  ‘ius culturae’ no princípio jurídico existente do ‘ius sanguinis’ será uma fratura gravíssima nessa grande coluna da ponte Itália e, assim, haverá de cair, abrindo uma auto-estrada para o ‘ius soli’”, disse nesta manhã o deputado Luis Roberto Lorenzato (Lega), ao comentar informações publicadas ontem que atribuem ao senador Ricardo Merlo a proposta de estabelecer critérios culturais condicionantes no processo de reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue.

Lorenzato voltou a afirmar não ser de seu partido, a Lega, a iniciativa de proposta de mudança nas normas sobre a cidadania italiana limitando a transmissão do direito de sangue na segunda geração (o chamado ‘Decreto Salvini’) e observou que se o relacionamento da comunidade ítalo-brasileira com os consulados italianos “já é difícil, imagina como seria com um exame de língua e cultura italiana!”. Além disso, acrescentou o parlamentar, “nós falamos o talian” ou outros dialetos, assim como muita gente no interior da própria Itália.

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Para Lorenzato, deve estar havendo algum interesse por trás da proposta de impor algum tipo de “teste de italianidade”. Ele compara hipotéticas escolinhas de “formação de cidadania italiana” a auto-escolas e seus exames psicotécnicos para a obtenção da carteira de habilitação. O parlamentar voltou a eximir números (turismo, importações, consumo do ‘made in Italy’) para ilustrar a importância da comunidade ítalo-brasileira para a Itália.

Segundo o deputado, no decorrer dessa próxima semana vai acontecer em Roma uma grande reunião de parlamentares e lideranças partidárias da Lega para esclarecer a questão da proposta surgida repentinamente, e num contexto impróprio, propondo mudanças na transmissão da cidadania por direito de sangue. Ele garante que a autoria do texto não partiu da Lega.

A proposta contida no assim chamado ‘Decreto Salvini’, que desde ontem passou a ser o principal tema dos debates entre integrantes de grupos ítalo-brasileiros formados nas redes sociais, “é discriminatória e se parece com a visão de um filme da época do nazismo”, disse o deputado eleito pela América do Sul ao Parlamento italiano nas últimas eleições.

Há pouco, um abaixo-assinado foi publicado no site <change.org> por Andrea Lanzi, do “Comitato promotore per il miglioramento dei servizi consolari”, convidando ítalo-descendentes a protestar contra a restrição do direito ao reconhecimento da cidadania italiana até os descendentes de segunda geração.  “Aconselhamos – termina o texto do abaixo assinado pretensamente para assegurar direitos –  aqueles que, com a legislação atual, tem direito de reconhecer a cidadania italiana por descendência a enviar ao Consulado da própria repartição uma carta com aviso de retorno pedindo o reconhecimento da cidadania anexando copia até incompleta que comprove a descendência de um antepassado italiano”.

Comentando informações veiculadas ontem num site com estreitas ligações com o senador Ricardo Merlo, Roberto Lorenzato (ele nega que tenha sido procurado por alguém ou que tenha emitido as declarações nele publicadas) criticou: “estão muito mal informados ao dizer que existem italianos que pegam seus passaportes sem saber sequer onde fica a Itália. Nós somos os turistas italianos que mais gastam na Itália. Todo mundo sabe onde fica a Itália. Nós amamos a Itália”.

“É muita arrogância – prosseguiu o parlamentar ítalo-brasileiro -, é muito preconceito afirmar que nós temos um passaporte italiano e nunca estivemos no ‘Stivale’... olha que feio. A Itália é uma península maravilhosa, não é uma botinha, uma bota. Isso é papo de xenófobo, de racista, de preconceituoso. Milhares de brasileiros italianos – italo-brasileiros, ítalo-argentinos – vão todos os anos para a Itália ver seus parentes, fazer as férias… Em Firenze os cursos de italiano estão lotados de brasileiros e argentinos”.

Voltando à questão do direito de sangue sobre o qual alguns pretendem impor limitações, Lorenzato observou que  hoje temos uma lei 100% baseada no ‘ius sanguinis’ e “se você introduz o  ‘ius culturae’, ele torna-se híbrido, isto é, não é mais o princípio puro do ‘ius sanguinis’. Isso abre uma avenida para que pessoas, mesmo não sendo italianas, pleitear a cidadania italiana. É tão banal essa proposta. Nós que somos um país jovem, formado em 1860 por piemonteses, lombardos, vênetos, toscanos, gente das regiões do Lácio, do Abruzzo e de todas as outras, sem esquecer de ninguém até a Calábria e passando pela Sardenha e Sicilia – todos nós falamos nossos dialetos originários. Nós, inclusive, tutelamos o alemão no Aldo Ádige”.

Para Lorenzato, “é uma palhaçada esse ‘jus culturae’. É como pensar que todo mundo que assiste filme em inglês possa requerer a cidadania americana – um absurdo. Isso, sim, é um ato de xenofobia e de preconceito, criando italianos de primeira e segunda classe ou qualidade”.  Ele assegura que “se fizermos aqui no interior da Itália, entre pessoas menos escolarizadas, um teste de língua italiana, talvez não passem porque falam seus dialetos. Se perguntarmos quais foram as capitais da Itália, talvez alguns não vão saber… Turim, Firenze, Roma?” – pergunta ele.

Então, segundo Lorenzado,  “isso aí está parecendo a construção de mais um ‘bussines’ (negócio) – o ‘bussines’ do curso de italiano e do curso da formação cultural para preparar as pessoas para o exame. Está me parecendo a constituição tipo psicotécnico de auto-escola para tirar carteira de motorista. Parece que alguém tem interesse nisso, em fazer a gente de palhaço, em fazer como que nós tenhamos que nos preparar para fazer um exame”.

“Nós já temos dificuldades de relacionamento com os consulados – prosseguiu Lorenzato – que exigem coisas absurdas da gente, como certidão de inteiro teor, como se nós fôssemos todos bandidos, deixando tudo mais caro. Aqui na Itália praticam a lei da privacy, enquanto no Brasil nós temos que abrir todos nossos documentos, tudo para criar burocracia”.

“E agora – aduziu ainda – , parece uma cena de algum filme de terror da época do nazismo: você é obrigado a passar por um exame dificílimo de língua e cultura italiana… ninguém vai passar. Se documentos são rejeitados, se nós somos humilhados nas filas dos consulados, imagina uma prova de língua e cultura… A não ser que alguém ganhe alguma coisa com isso, montando escolas de língua e cultura italiana! Será que é esse o objetivo? A criação da dificuldade para vender a velha facilidade?”

Depois, falando de alguns preconceitos contra ítalo-brasileiros, o parlamentar se refere a dados do Enit sobre pessoas que têm passaporte italiano: “Os italo-brasileiros constituem o grupo que mais gasta per capita na Itália. Se qualquer pessoa for fazer uma pesquisa nos hotéis cinco estrelas de Roma, os primeiros somos nós, seguidos pelos japoneses em gastos na Itália. O segundo mercado da Ferrari no mundo é o Brasil. O segundo mercado para os helicópteros Agusta está no Brasil. O segundo mercado para vinhos no mundo é no Brasil. Com um detalhe: tudo no Brasil custa três vezes mais, pois tem o imposto de importação. Então nós somos o maior mercado da Itália no mundo”.

E finaliza: “Não se pode limitar sangue. Limitar geração. Limitação de direito tem um outro princípio, é uma coisa mais subjetiva. O ‘ius sanguinis’ é um direito objetivo, claro. É passado de pai, de mãe para filho, pelo sangue. Então, se você limita, não é mais ‘ius sanguinis’. As pessoas não entendem direito. Estão falando sem compreender o direito passafo pelo sangue”.

“Alguns estão escrevendo “concessão da cidadania” – observa -, quando  a cidadania é concedida para os estrangeiros (africanos, norte-americanos, asiáticos) ou que estão na Itália e pedem a cidadania por casamento ou porque moram na Italia. Nós dependemos apenas do reconhecimento. Somos italianos ‘ius sanguinis’, isto é, nascidos italianos no exterior. É diferente. Nós não obtemos [a cidadania]. Não somos “concedidos”. Nós nascemos [italianos]. Nós apenas demonstramos. Não nos tornamos italianos quando pegamos o passaporte e, sim, desde o dia em que nascemos”.