u CURITIBA – PR – No dia 20 de fevereiro de 2009, comemoramos 100 anos da publicação do Manifesto Futurista, composto de 11 “mandamentos”, no jornal francês Le Figaro, de autoria do escritor italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876/1944), marco inicial do movimento vanguardista das artes que propunha a rejeição de todos os valores das artes tradicionais. Como normalmente ocorre em movimentos desta natureza, não se pode dizer o exato momento que teria sido iniciado o Futurismo, mas pode-se dizer que já havia algo neste sentido no ar na Europa daquela época, tais como o Expressionismo e o ainda incipiente Cubismo, bem como algumas experiências de filmagens de Georges Mèliés, as esculturas de Medardo Rosso, as experiências fotográficas de Eadweard Muybrigde (homem saltando barreiras), o Divisionismo Italiano de Giuseppe Pellizza da Volpedo (“O Quarto Estado”–1901, sobre reivindicação dos direitos dos mais humildes, os trabalhadores braçais do campo) e Gaetano Previati (“A dança das Horas”-1899); os poetas simbolistas tanto apreciados por Marinetti e, de alguma forma, Gabriele D’Annunzio, poeta e excêntrico político, que atacava simbolicamente os escritos inspirados na beleza greco-romana, portavoz de um estilo “fin de siécle” quando suas ideias ainda se valiam da atmosfera do Risorgimento Italiano, período correspondente à segunda metade do século XIX e que mais tarde seria o protagonista da República de Fiume, uma tentativa de instalar um estado baseado em suas ideias na cidade de Rijeka-Croácia, preceitos absorvidos mais tarde pelo Fascismo de Mussolini. No campo histórico-evolutivo, também neste período, em 1905, houve a divulgação da Teoria da Relatividade de Albert Einstein (1879/1955); o nascimento da Ford no Estado do Michigan (1903), a General Motors em Detroit (USA) em 1908 e a sensacional, do ponto de vista Marinettiano, Travessia do Canal da Mancha por Louis Blériot com o aeroplano Blériot XI (1909), os primeiros tubos de neon e do primeiro motor a diesel para automóveis, ambos em 1910, para citarmos apenas alguns exemplos. O primeiro vôo de Santos Dumont em Paris foi em 1906. Era 1909, época turbulenta, início do século, período de grandes transformações que estavam mudando o mundo, como o advento da máquina, da energia elétrica, da velocidade dos automóveis, dos aviões; da violência da guerra (a Primeira Guerra Mundial viria logo depois – 1914/1918), do militarismo e ainda do aparente domínio do homem sobre a natureza. Fé no progresso e culto à força deviam ser expressadas de outras maneiras e para isso era necessária uma nova linguagem. O dinamismo era considerado princípio básico da vida moderna. A Itália experimentava um rápido crescimento econômico, sem uma política social adequada, o que resultou em greves e repressão, terreno fértil para absorção dos escritos de Karl Marx, a quem Carlo Carrà, um dos artistas futuristas, aderiu imediatamente, muito embora Marinetti tenha se filiado mais tarde (1919) ao Fascismo, regime que absorveu boa parte dos ideais futuristas. No manifesto o slogan era “Les mots en liberté”, “Liberdade com as Palavras” e levava em conta o design tipográfico da época, especialmente em jornais e na propaganda, mudanças que são percebidas até os dias atuais. Defendiam o abandono das regras de escrita, o fim da pontuação, uso da onomatopeia, destruição da sintaxe, verbos usados no infinitivo, abolição dos adjetivos e advérbios, fim das conjunções e fusão das palavras com imagens por elas indicadas. Marinetti não estava preocupado com as condições laborais das fábricas do norte da Itália, problema decorrente do desenvolvimento industrial, sendo que suas ideias visualizavam um super-homem-máquina, sem perturbações por memórias sentimentais, tais como Nietzsche no seu poema-prosa filosófico “Assim Falou Zaratustra”, publicado entre 1883/1885, leitura obrigatória de muitas artistas na virada do século, que previu a vinda de um “super-homem” que iria suplantar o comodismo burguês, sendo que o homem atual não teria nenhum futuro. Ambos atacam os valores burgueses, o Estado, a Igreja, a literatura e a ciência da época. “ 1 – Cantaremos o amor ao perigo, à energia constante e à ousadia…” Esta era a primeira fase do manifesto, uma defesa dos novos valores que estavam contaminado a sociedade de consumo que emergia a partir da segunda revolução industrial (a primeira havia sido no final do século XVIII no Reino Unido), agora com o motor elétrico e à explosão. “ 4 – Declaramos que a glória do mundo foi enriquecida por uma nova beleza: a beleza da velocidade…” … “ 7 – Apenas na luta existe beleza. Não há obra-prima sem aspecto agressivo…” … “ 9 – Glorificaremos a guerra – essa higiene única para o mundo –, o militarismo, o patriotismo, os feitos destrutivos dos anarquistas, as grandes ideias pelas quais se morre, e o desdém pelas mulheres…” Este caráter de vanguarda espalhou-se por todas as áreas, nas artes, na literatura e até na arquitetura, mas não somente, pois também havia intenção dos futuristas em reformar a vida moral, civil e política, anunciando uma nova poética e concepção de vida, sempre conforme os valores da civilização industrial que mudava rapidamente o mundo naquela época. O Futurismo pode ser divido em três fases, do momento da sua criação em 1909 até seu ocaso em 1920: a primeira, chamada heróica, de 1909 a 1915, cujo centro era Milão; a segunda, de 1916 a 1918, com interesses pelo teatro, cinema e política; e a terceira, de 1918 a 1920, de caráter sócio-político. A impetuosidade da linguagem, o tom de insulto e provocação, a mais marcante característica do movimento, a violência e a apologia da máquina aproximaram o Futurismo do Facismo, regime político que marcou a Itália na primeira metade do século XX. Mussolini fundou o movimento em 23/03/1919. Há quem diga que toda a audácia reformista terminou num conservadorismo quase reacionário. É o tom e a atitude agressiva que deram destaque ao Futurismo em toda a Europa e também em outras partes do mundo. Até mesmo no Brasil, através do Modernismo de Oswald e Mário de Andrade e nas manifestações da Semana de Arte Moderna de 1922. O mesmo pode-se dizer na poesia concreta, a partir dos anos 1950, com Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, cuja palavra chave era o experimentalismo. Enfim, na nossa Curitiba é possível citar uma figura que, poeta concretista, fez sucesso nacional com seus poemas musicados por artistas importantes e por livros como “Catatau” e “Distraídos Venceremos”. Trata-se de Paulo Leminski (1944/1989). É o caráter dessacralizador do Futurismo que inaugura a arte moderna como a conhecemos hoje e são suas contradições que ainda mostram a força do movimento que ora completa 100 anos. Vários conceitos expressos no manifesto estão vivos no ideário de hoje, que valoriza o autêntico, o original e o novo contra o banal, o trivial, o velho. Os ideais futuristas nos advertem sobre nosso próprio futuro, num mundo que ainda não compreendeu os limites da civilização industrial e de consumo diante da natureza e que não promovendo uma “revolução”nas suas ações poderá não ter futuro. Houve manifestações incontestáveis do Futurismo, na Sicília, na Russia, Ungria, Inglaterra e em Portugal. Mas também evidente reacionismo por décadas em relação ao movimento, especialmente na Itália, devido ao seu vínculo com o Fascismo e somente após 1970 vem-se abordando o tema a partir de novas perspectivas, apenas no sentido de valorizar a vanguarda histórica e da importância estética que o movimento proporcionou ao mundo. Este movimento é considerado por historiadores e críticos como uma das principais correntes artísticas surgidas na Itália no século passado. Foi um movimento de grande influência na cultura europeia colocando novamente a Itália no centro da discussão cultural da época. Personagens: 1 – Filippo Tommaso Marinetti (1876-Alexandria/Egito – 1944-Bellagio/Itália). Líder do movimento, filho de um rico comerciante, nasceu no Egito, fez seus primeiros estudos em Colégio Jesuíta e os superiores em Paris, onde publicou no Jornal Le Figaro, o Manifesto Futurista em 1909, mas também em Pádua e Gênova, onde se formou em Direito e viveu muitos anos. Não se limitou às atividades de literado, escritor e poeta: acima de tudo foi um agente cultural genial, pioneiro do que conhecemos hoje como indústria cultural, com o que manteve um grande patrimônio pessoal. Propunha a aniquilação definitiva de toda forma de tradição, anunciando a arte expressiva da era das máquinas e da velocidade. Suas teorias influenciaram a literatura, pintura, escultura, música, teatro, moda e arquitetura. Filiou-se ao Partido Nacional Facista em 1919 e até defendeu que a guerra seria o mais belo poema futurista. Foi autor de “Mafarka, o Futurista” (1910 – por causa deste livro sofreu processo em Milão por ofensa aos valores morais e à propriedade); “Zang tumb tuum” (relato da Batalha de Adrianopolis – 1914); “Guerra, única higiene do mundo” (1915); “Futurismo e Fascismo” (1924); “Novela com os lábios pintados” (1930) e “Poema não humano dos tecnicismos” (1940); 2 – Carlo Carrá (1881-Quargnento/Itália – 1966-Milão/Itália). Signatário dos manifestos da pintura futurista, teve atuação marcante no movimento. Entre seus trabalhos, destacam-se: Enterro de um anarquitas; A musa metafísica; Penélope e Canal; 3 – Umberto Boccioni (1882-Reggio Calabria/Itália -1916- Verona/Itália). Pintor e escultor, aluno de Giacomo Balla, também é um dos autores do Manifesto dos Pintores Futuristas (1910) e do Manifesto Técnico da Pintura Futurista (1910), no qual afirmava “a necessidade de revelar a sensação dinâmica eternizada como tal” e da multiplicação dos aspectos visuais. Considerado o precursor da arte cinética e também do uso de múltiplos materiais na escultura. Foi influenciado pelo cubismo nas suas obras e foi o criador das chamadas “linhas de força”, que dão mais vigor aos movimentos, produzindo continuidade no espaço. Morreu durante a 1a Guerra Mundial, da qual participou diretamente, em acidente com seu cavalo em Chievo/Verona; 4 – Giacomo Balla (1871-Turim/Itália – 1958- Roma/Itália). Pintor, sendo influenciado por Marinetti e seu manifesto foi um dos iniciadores do Futurismo. Entre seus quadros, destacam-se “Cão Atrelado” pela representação do movimento. Continuou fiel ao Futurismo ortodoxo até 1930, mas também o aplicou em composições abstratas: sensibilidade que se transformou no espaço empírico. 5 – Gino Severini (1883-Cortona/Itália – 1966-Paris /França). Igualmente adepto dos manifestos sobre a pintura futurista e seus quadros ganharam destaque, sobretudo as naturezas mortas, que são também representativas do Cubismo. 6 – Outros futuristas Fortunato Depero, Francesco Cangiullo, Anton Giulio Bragaglia e Enrico Prampolini foram outros futuristas de destaque, bem como o movimento chamado “Aeropittura”, foi uma tentativa de dar continuidade do movimento, décadas mais tarde de seu efetivo auge que foi entre 1909 e 1930.

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