Trentinos e julianos: para entender melhor o “descaso, a desídia e a inépcia” no caso dos processos “sumidos”. Uma pequena aula de história por Taddone

“Naturalização facilitada”. Este é o termo que seria mais adequado para explicar o que é a cidadania italiana através da Lei 379/2000, segundo explica o sociólogo e genealogista Daniel Taddone, em tele-entrevista exclusiva concedida para a Revista Insieme dentro da série que assinala o transcurso dos 20 anos daquele instrumento legal. Ao contrário do que até advogados estão dizendo por aí, aquela lei não tirou, mas concedeu oportunidade tardia de naturalização aos descendentes de imigrantes trentinos, julianos e outros provenientes de territórios uma vez pertencentes ao antigo império austro-húngaro.

“A cidadania através da Lei 379/2000 não é uma cidadania como a que decorre por direito de sangue” (‘iure sanguinis’), explica Taddone. É uma concessão do Estado, ampliando concessões anteriores de dois régios decretos de 1922 e 1923 e da própria Lei 91/1992. A partir de dezembro do ano 2000, ela teve prazo de vigência por cinco anos, prorrogado por mais cinco anos. Muitos dos cerca de 50 mil interessados em todo o Brasil que fizeram a solicitação ainda aguardam o pronunciamento do Estado italiano, e há notícias de solicitações “desaparecidas”, num estranho jogo de empura-empurra entre os consulados e uma comissão especial de Roma, responsável por verificar aspectos linguísticos e de pertencimento dessas famílias

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Toda a questão está vinculada ao chamado “Tratado de Saint-Germain-en-Laye”, celebrado em 10 de setembro de 1919, entre os Aliados vitoriosos e a Nova República da Áustria, ao final da Primeira Guerra Mundial, quando o Trentino, o Tirol Meridional e o Vale Canale passaram à Itália, assim como partes da Ístria e da Dalmácia, entre outras divisões territoriais europeias. Taddone, ao fazer uma longa exposição da história que precede o tratado, explica que o documento não tratou de questões de cidadania.

Segundo ele, quando aqui chegaram, os imigrantes provenientes daquelas áreas, não tivessem na sequência sido considerados brasileiros pela contestada “Grande Naturalização”, seriam, na verdade, apátridas. A exposição de Taddone parte dos precedentes históricos ligados ao Sacro Império Romano, ao Império Austríaco, ao ‘Risorgimento’ italiano e às Guerras de Independência italianas, à guerra austro-húngara, e à dissolução do império Austro-Húngaro, discorrendo sobre o chamado Trivêneto e a incorporação das duas “Venezas”, fatos do início do século passado quando passaram a fazer parte da Itália centenas de milhares de cidadãos de outras etnias.

Ao final, Taddone analisa alguns aspectos ligados à situação atual dos solicitantes que aguardam o pronunciamento do Estado italiano (através dos consulados), qualificando a demora como “descaso administrativo, desídia e inépcia”, comuns em toda a administração italiana com relação ao assunto, sem acreditar em má-fé nos casos de eventuais sumiços de pastas ou documentos, que, “embora triste, é também natural” em outras situações.