Jogada individual de Micheloni foi comparada a atitude velhaca por Fabio Porta.

“Todo mundo agora é o pai da criança”, filosofou o deputado Fábio Porta ao se dirigir ao aeroporto de Guarulhos em direção a Roma, no início da tarde de hoje, depois de tomar conhecimento da reação de euforia e propaganda gerada nas redes sociais com a notícia, na madrugada que passou, do engavetamento das propostas de restrição à cidadania italiana e aumento da “taxa da cidadania” de 300 para 400 euros.

A chamada “emenda Micheloni” levava a assinatura de quatro parlamentares de seu partido – o PD – Partido Democrático – mas, segundo Porta, eles entraram sozinhos na jogada e as coisas pioraram depois da reação de ítalo descendentes de todo o mundo. Foram advertidos – assim afirma Porta – que, caso mantivessem a proposta formalizada sem consulta prévia ao partido, receberiam o voto contrário de toda a agremiação política, o que os fez recuar.

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Enquanto isso, de Roma onde se encontra, informava a Insieme Walter Fanganiello Maierovitch, candidato a deputado nas próximas eleições italianas pelo partido “Articolo 1”, que na Itália já se considera Micheloni fora da próxima contenda eleitoral, pelo menos dentro do PD. Ele “não terá o seu nome confirmado para a reeleição pelo Partido Democrático, dado o estrago [causado] à imagem do Partido, por uma iniciativa considerada infeliz”, informa Fanganiello.

O que, de fato, funcionou, segundo a opinião de Fabio Porta, foi a reação até aqui jamais vista pelas redes sociais contra uma iniciativa parlamentar que pretendia restringir o direito à cidadania “ius sanguinis”. Abaixo-assinados, petições, mensagens duras, contatos pessoais, ameaças de boicote mundial ao “Made in Italy” e até xingamentos aconteceram desde que a emenda, mesmo descabida por ter sido incluída como um apêndice a matéria de natureza eminentemente orçamentária, tornou-se pública.

Independentemente de partidos, cores ideológicas, argumentos ou causas, “todo mundo fez a sua parte”, avalia o deputado Porta, dizendo-se consciente de que a reação manifestada por milhares ajuda, sim, o trabalho parlamentar de quem o pratica com seriedade. “Minha posição independe do partido”, volta a afirmar o deputado, para quem a grande comunidade ítalo descendente em todo o mundo é solução e não problema, é algo como “o petróleo para a Itália”.

Ele não perdoa, entretanto, a incoerência de algumas pessoas. E não faz segredo de seus nomes. Um deles é o da deputada Renata Bueno (Usei) que, nesta manhã, ainda com cara de sono, apressou-se a gravar vídeo sentada em sua cadeira no Parlamento para dizer, entre outras frases de impacto: “Como eu prometi, assim foi feito”. Como se ela, sozinha, tivesse esse poder que faz imaginar no vídeo, observa Porta.

Logo Renata que, segundo também observa Porta, por esses dias teve um vídeo, publicado originalmente pela Revista Insieme, reeditado para ressaltar o trecho em que defende abertamente a limitação geracional. “Se em público ela fala assim, é possível imaginar o que é capaz de dizer sem câmeras e microfones ligados”, sofisma Fabio Porta. O único dentre os signatários da “emenda Micheloni’ não filiado ao PD é Aldo Di Biaggio, com quem a deputada estabeleceu conversações políticas visando conseguir legenda para sua reeleição.


Outro que entra nessa lista é o senador Claudio Zin (Maie) que, à mesma época de Renata Bueno, também gravou vídeo para Insieme hipotizando para um futuro próximo, resguardados os direitos adquiridos, uma limitação geracional na transmissão da cidadania italiana. “Onde vai terminar essa histórica norma italiana de dar cidadania ao ‘totonipote’ de Napoleão?”, perguntava Zin.

“É muita cara de pau” de pessoas assim, incoerentes e sem limites no ato de fazer propaganda enganosa, raciocina Porta, convencido que é preciso atenção e cautela, pois, por enquanto, “apenas ganhamos uma batalha, não a guerra”. Esse assunto, segundo ele, deverá voltar quando o debate sobre o “ius soli” tornar à ordem do dia ou venham ao debate parlamentar também propostas específicas sobre o “ius sanguinis”. “Não vai ser fácil e devemos ficar atentos, muito atentos”, alerta o parlamentar.

Mas, para Porta, esse debate terá que ser feito à luz do dia, sem pressa e sem escamoteamentos; tem gente contra, e gente a favor em todos os partidos, ninguém pode ignorar isso, “a cidadania é o centro de tudo”. “O que não dá para aceitar – diz Porta – é que isso seja feito na forma de golpes, como esse que estava a caminho, numa atitude velhaca de quem não é capaz de enfrentar a discussão”.

O senador Fausto Longo, apresentando rosto mal dormido, foi outro que gravou vídeo nesta manhã para afirmar que “valeu a noite sem sono”. “Às 5h30min da manhã de hoje a comissão recebeu [a notícia da] retirada da emenda proposta pelo senador Micheloni, que também teve o extremo bom senso de avaliar os pró e os contra da emenda apresentada”, diz ele no vídeo.

Como Porta, também Longo faz um alerta: “Não é que esse assunto esteja esgotado do ponto de vista institucional, de governo e do Parlamento, porque essa questão da cidadania ainda vai ser muito discutida”. Mas “é importante – ressalta Longo – que nossa comunidade permaneça atenta, coesa, unida e deixe de lado essas questões de personalismos, de briguinhas eleitorais porque é um tema bastante sério que nós, todos, juntos, devemos enfrentar”. Longo, no mesmo vídeo, parabenizou o deputado Fabio Porta por seu trabalho de convencimento junto ao PD.

No Brasil, Salvador Scalia, ex-presidente do Comites – ‘Comitado degli Italiani all’Estero’ do Recife, se auto-contemplava às 5h53min da madrugada: “É pra valer, emenda retirada…” e, às 7h43min, meditava: “Surreal a maneira de como eu fui o primeiro a publicar o link…” Ele se referia a uma indecifrável informação com um amontoado de números e datas contendo matérias aprovadas, analisadas e excluídas na 

“Commissione 5ª (Bilancio) – Seduta n. 845”.

O presidente do Comites do Recife, Daniel Taddone, provável candidato a deputado nas próximas eleições italianas, gravou vídeo que circula nas redes sociais para dizer que “o mérito dessa retirada das emendas é de todos nós, das redes sociais, da mobilização. Eles perceberam que não iam conseguir mudar essa lei de forma sorrateira, de forma escondida.”

“Não é mérito meu, do fulano, do sicrano, do deputado xis, da deputada ípsilon – diz Taddone – , o mérito é de todos nós, de todos que se mobilizaram. E o importante é que nós aprendemos, nessa situação confusa, em que todo mundo ficou extremamente atordoado, que nossa voz pode ser ouvida. E a mobilização das redes sociais é muito importante”.

Segundo Taddone, o episódio serviu de “aprendizado para as próximas eleições. E nas eleições do ano que vem, as pessoas que não têm a cidadania [reconhecida], elas também vão poder participar, porque muita gente que tem cidadania reconhecida recebe a correspondência para votar e acaba não votando. Então vai caber a todos nós, com e sem cidadania, se envolver no processo eleitoral do ano que vem para fazer com que a voz de todos seja ouvida”.

Também Luis Molossi, coordenador do Maie no Brasil e outro provável candidato às próximas eleições, gravou vídeo para agradecer especialmente ao senador Claudio Zin e ao deputado Ricardo Merlo e, “especialmente, a todos meus amigos jovens que, nestes últimos dias, fizeram uma mobilização incrível, mostrando toda a força que temos no Brasil”. Importante é que “vencemos, conseguimos bloquear [as emendas], e estamos atentos; a luta continua”, diz Molossi, num agradecimento trilingue: “Grazie a tutti! Muito obrigado! Muchas gracias!”

Internautas como Fatima Martini, além de crítica direta aos parlamentares, reivindicam os louros da vitória: “Quando começamos a cobrar alguma posição do Porta e da Bueno sobre a emenda, fomos criticados pelos defensores, que diziam que eles não podiam fazer nada, tadinhos… São só deputados. Mas de filho bonito todo mundo quer ser pai, né? Já tá lá a deputada dizendo que “a emenda foi retirada, como prometi”! Ué! Se tivesse dado errado, ela não poderia fazer nada, mas já que deu certo, foi graças a ela! Viva! Ela é demais! Consegue tudo! Só não consegue fazer com que tenhamos um tratamento digno e uma fila de espera de menos de 10 anos. Só não consegue saber as intenções de um aliado antes de ele apresentar um texto pra ferrar com a gente. E me enervou vê-la dizer que a divulgação da emenda foi terrorismo. Não é terrorismo quando existe mesmo. E se é terrorismo é um terrorismo criado por seus aliados. Fala pro PD e pro Di Biaggio não mexer mais com a gente que daí ninguém fica histérico. Que ninguém menospreze nossa união porque aqui somos muito fortes. Por que não unir forças conosco em prol de toda a comunidade Ítalo-brasileira? Pra que sempre tratar nossas iniciativas como inúteis e depois se mostrarem como salvadoras da pátria? Política não se faz mais por baixo dos panos. Estamos bem atentos a tudo e tudo será divulgado e exposto à exaustão. E não adianta virem falar que não é pra ficar falando deles porque eu tô braba e não vou ouvi-los. Essa vitória é nossa, sim!”