A Suprema Corte sempre tomou posições ponderadas. Os ítalo-descendentes estão em boas mãos e existe confiança de que haverá uma decisão razoável. Mas é muito importante, nos próximos meses, uma mobilização jurídica sobre a ‘Corte Suprema di Cassazione’, pois “é importante que os juízes possam ter todos os elementos jurídicos, históricos e sociais necessários para tomar uma decisão correta”.

Esta é, em resumo, a posição expressa pelo advogado italiano Marco Mellone, autor de obras jurídicas sobre questões que envolvem a cidadania italiana ‘iure sanguinis’, ao comentar sobre o agendado julgamento para 12 de julho próximo de recurso que, além da tese da Grande Naturalização, envolve também o amplo conceito de renúncia tácita (ou não) da cidadania.

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Mellone falou com Insieme para anunciar, também, outra decisão inédita do Tribunal Ordinário de Roma (‘Sezione Diritti della Persona e Immigrazione’), estabelecendo, pela primeira vez (“pelo que eu saiba”) o direito das mulheres italianas que se casaram com estrangeiro antes de 27.04.1983 de transmitir a cidadania italiana automaticamente e imediatamente por matrimonio aos respetivos cônjuges”. Da decisão, lavrada não houve recurso segundo explica o advogado.

A DECISÃO – Segundo palavras de Mellone, até essa data (27.04.1983), “somente os homens italianos podiam transmitir por matrimônio a cidadania às mulheres. Não vice-versa. Após essa data também as mulheres podem, mas não é transmissão automática e imediata . O marido estrangeiro deve passar através de um procedimento administrativo em que ele deve cumprir com vários requisitos e o estado italiano pode negar a cidadania por motivos de ordem pública”.

 

“O Tribunal de Roma, com uma sentença muito bem argumentada, interpretou a lei italiana no sentido de que também as mulheres que se casavam com estrangeiro antes de 27.04.1983 tinham direito a transmitir a cidadania imediatamente por matrimonio. De fato, pelo Tribunal de Roma, a normativa italiana aplicável na época (Lei n. 555/1912) deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais que não toleram discriminações injustificadas entre mulheres e homens”.

“Em virtude dessa sentença, o cidadão não italiano (por exemplo, brasileiro) que se casou antes de 27.04.1983 com cidadã italiana (por exemplo, descendente de italiano emigrante) pode pedir o reconhecimento imediato da cidadania italiana, sem demostrar nenhum requisito e sem necessidade de passar através de um procedimento administrativo. Claramente, é uma sentença, vale para o caso concreto e não tem valor de lei. Mas é um precedente muito importante”.

Mellone diz que a sentença o deixa “muito orgulhoso, porque segue a tese que indiquei no meu livro “Cittadinanza italiana e donne cittadine: una discriminazione mai terminata” (no próprio titulo, fiz referencia a esta discriminação que perdura em alguns casos).

O CASO NO SUPREMO – Sobre o pronunciamento do Supremo marcado para ter início em 12 de julho próximo, Mellone discorre na entrevista como as coisas irão acontecer, com a reunião de todas as Câmaras Cíveis, a sustentação pelas partes e o veredito final que, segundo ele, não será tomado no dia 12 (o tempo para a redação e publicação do acórdão poderá ir de semanas a meses, já que o recesso da Justiça italiana é no mês de agosto).

Uma das observações que faz Mellone na entrevista é em relação à rapidez com que o assunto entrou na pauta, um procedimento incomum na instância máxima da Justiça italiana que, segundo já se informou aqui, poderia levar na média entre três e cinco anos. Da decisão em grau de recurso da ‘Corte d’Appello’ de Roma (a primeira a acolher a tese da Grande Naturalização brasileira, em julho do ano passado) ao agendamento do tema no Supremo não decorreu sequer um ano.

No recurso ao Supremo, interposto por ítalo-brasileiro que teve denegada sua cidadania ‘iure sanguinis’ pela Corte de Roma, e em que a ‘Avvocatura dello Stato’ arguiu com a tese da Grande Naturalização brasileira, discute-se também a questão da perda da cidadania italiana de maneira tácita, isto é, sem a necessidade de renúncia expressa da cidadania original por parte do cidadão.

Assim, segundo o advogado, dois são os cenários extremos que ele antevê para o julgamento: o primeiro, totalmente positivo para os ítalo-descendentes do mundo inteiro, em que a Suprema Corte rejeite qualquer tese baseada na perda da cidadania de forma tácita e não expressa; o segundo, no outro extremo, negativo para todos os ítalo-descendentes em todo o mundo, em que a Corte venha a admitir que o cidadão italiano pode, sim, perder sua cidadania de alguma forma tácita. Então, no meio desses dois extremos, analisa Mellone, poderão surgir outras possibilidades, com a Suprema Corte definindo critérios jurídicos sobre quando e como a perda da cidadania poderia seria admitida.

O advogado também explica aspectos de questões ligadas ao “direito adquirido” que, segundo ele, não é 100% e depende sempre da constitucionalidade de novas leis sobre a matéria. Entretanto, ressalva que os que têm sua cidadania italiana reconhecida por sentença transitado em julgado podem ficar tranquilos, assim também também como os que a tiveram administrativamente não têm muito com que se preocupar. “O Supremo não vai tomar uma decisão de forma instintiva”, diz Mellone, mesmo porque sua decisão, embora não tenha o “efeito vinculante” absoluto como ocorre no Brasil, terá peso importante nas decisões futuras de toda a magistratura sobre a matéria.

Segundo Mellone, na Itália o tema da cidadania “não é muito conhecido” mesmo entre os magistrados. O tema “é assunto específico para alguns advogados especializados e não chega com frequência à Suprema Corte” diz ele. “Então, é muito importante que todos os juízes da Suprema Corte tenham conhecimento de todos os elementos necessários para tomar uma decisão correta”.

Entre esses elementos, Mellone cita não apenas os de ordem jurídica, mas também aqueles históricos e sociais que precisam, inclusive, ser contextualizados, “pois estamos falando de coisas que aconteceram há cerca de 150 anos”, quando filhos de imigrantes não eram registrados nos consulados italianos para, assim, demonstrar seu interesse pela manutenção da cidadania original, porque foram para o interior, lugares distantes, e não tinham meios de transporte para chegar aos consulados que, por sua vez, também não tinham a organização atual. Em resumo, seria necessário afastar todos os elementos que possam aparentemente denotar “falta de interesse para com a madre pátria”.

Segundo Mellone, entretanto, “aqui na Itália já estamos nos preparando para dar o suporte jurídico para a Suprema Corte”.