Alberto Maier (centro) entrega carta ao senador Porta e ao deputado Longo. Preocupações com o "julgamento do século".(Reprodução foto Comites - 'Comitato degli Italiani all'Estero'-SP)

O comites – Comitato deli Italiani all’Estero de São Paulo é a primeira das sete entidades do gênero no Brasil a tomar uma posição pública a respeito da tese da Grande Naturalização brasileira, em nome da qual a Advocacia do Estado italiano vem sustentando, nos últimos anos, seus recursos para negar o direito de milhões de ítalo-brasileiros a ter reconhecida sua cidadania ‘iure sanguinis’. Três desses recursos deverão ser analisados por uma sessão plena da Corte Suprema de Cassação, marcada para o dia 12 de julho próximo, em Roma.

A manifestação do Comites SP foi feita no bojo de uma carta entregue dia 03 ao senador Fabio Porta (PD) e ao deputado Fausto Longo (Misto-PSI-Maie), que se encontravam em São Paulo para encontros políticos, e também enviada ao deputado Roberto Lorenzato (Lega) de forma eletrônica. “Esta importante decisão merece, segundo a vontade de toda a comunidade italiana no Brasil, um forte apoio dos parlamentares que representam os cidadãos que aspiram manter íntegras suas ligações com a Itália”, diz a carta assinada pelo presidente Alberto S. Mayer.

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“Sabemos – diz ainda o texto escrito em italiano – que as decisões da ‘Corte de Cassazione’ não estão sujeitas a pressões políticas, mas entendemos que um pronunciamento de vocês possa ser de grande ajuda”. A carta foi entregue em mãos aos dois parlamentares, segundo noticiou o próprio Comites que não comentou, entretanto, qual foi a reação deles.

Tanto Porta quanto Longo estiveram no início desta semana em São Paulo para reuniões de natureza política, visando as próximas eleições políticas italianas. Porta chegou a oferecer um “vinho de honra” na Sala das Colunas do Círculo Italiano de São Paulo, na noite do dia 3/05, para apresentar o vice-secretário do PD, Peppe Provenzano. Os dois estiveram também reunidos com Longo na condição de representante do secretário geral do PSI – Partido Socialista Italiano, Enzo Maraio.

Próximas eleições parlamentares italianas: Porta (PD) e Longo (PSI-Maie) em encontro político em São Paulo (Reprodução Facebook)

Do encontro participaram também Andrea Matarazzo, Eugenio Marino e José Messina, e a pauta, segundo postou Fausto Longo em seu perfil do Facebook, visou “o fortalecimento dos princípios e valores que regem a aliança entre o PD-PSI na defesa e na representação da comunidade italiana e ítalo-descendente sul-americana”. “Dignidade, trabalho e direito de ser feliz para todos”, escreveu ainda Fausto Longo em sua repentina reaparição.

A questão do “julgamento do século”, como vem sendo denominada a sessão plenária da Suprema Corte italiana do dia 12, foi tema abordado durante todos os debates e entrevistas com os candidatos que concorreram na eleição dos quatro representantes brasileiros junto ao CGIE – Consiglio Generale degli Italiani all’Estero, realizada em 9/04, em Brasília.

O tema da Grande Naturalização brasileira fez parte também da pauta de debates na eleição dos Comites, na esteira de um manifesto de uma das correntes – a ‘Italianità in Movimento’, que elegeu representantes em quase todos os Comites. Segundo a tese da ‘Avvocatura dello Stato Italiano’, todos os imigrantes (italianos ou não) que chegaram no Brasil antes da naturalização forçada decretada no alvorecer do governo republicano brasileiro, teriam renunciado a cidadania italiana e, portanto, seus descendentes não mais teriam direito à cidadania italiana ‘iure sanguinis’. Isso atingiria cerca de dois terços da grande comunidade itálica no Brasil.

Instalado o novo Comites de São Paulo, uma das primeiras propostas dos conselheiros ligados ao grupo do ‘Italianità in Movimento’ foi no sentido de a entidade se pronunciar formalmente a respeito do tema, proposta que teria sido acatada e apoiada por unanimidade. Embora alguns advogados que atuam na área da cidadania manifestem-se tranquilos quanto ao resultado do julgamento, outros juristas e estudiosos da matéria, como Marco Mellone, declaram-se com certas cautelas e recomendam, inclusive, ações e manifestações da comunidade diretamente interessada no assunto.

Além dos que seriam atingidos pelos efeitos do Decreto 58 A, de 14 de dezembro de 1889, que naturalizou todos os estrangeiros que se encontravam no Brasil no dia seguinte (15/12/1889), há o problema dos filhos de imigrantes até a data da edição da lei 91, de 5 de fevereiro de 1922. Isso teria a ver não apenas com ítalo-brasileiros, mas com todo ítalo-descendente no mundo inteiro e envolve o debate sobre a renúncia tácita da cidadania italiana.

Em função de apenas dois recursos da Advocacia do Estado vencidos em segundo grau (contra milhares de decisões em sentido contrário), o governo italiano, através do Ministério do Interior, distribuiu circular a todas as prefeituras sugerindo o sobrestamento dos processos de ítalo-brasileiros eventualmente inseridos no período da chamada Grande Naturalização. Isso acabou praticamente congelando os serviços de reconhecimento da cidadania italiana na via administrativa perante os Oficiais de Registro na Itália.

Para alguns advogados que se especializaram em questões de cidadania italiana e acompanham a evolução do chamado “obstrucionismo consular” na área administrativa, com a judicialização dos processos de reconhecimento da cidadania ‘iure sanguinis’, o surgimento da tese da Advocacia do Estado faz parte da mesma estratégia que procura diminuir a abrangência da legislação italiana, atualmente em debate no Parlamento.