CURITIBA – PR – “Para um país cheio de problemas como é a Itália este é só mais um triste capítulo”, afirma o consultor vêneto para o Paraná, Luis Molossi, ao comentar o episódio que envolveu o secretário de Estado para Fluxos Migratórios do governo da Região do Vêneto, Daniele Stival, e a Ministra da Integração da Itália, Cécile Kyenge – uma afro-descendente, na continuação de episódios de demonstrações racistas ocorridos na Península que ganharam destaque em todo o mundo.

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Stival, que esteve recentemente no Brasil (Santa Catarina e Rio Grande do Sul), postou em seu perfil no Facebook uma foto com inscrições consideradas xenófobas contra a ministra e o cancelamento de sua página seguido de pedido de desculpas não aplacou onda de pedidos de demissão dele do cargo, o mesmo ocorrendo com o ex-ministro Roberto Calderolli, atual vice-presidente do Senado italiano.

Sem falar em demissão, Molossi, que é advogado, observou que “se o Assessor Stival, num momento infeliz, deu vazão às idéias racistas e xenófobas que imperam em parte da Itália, momentos depois se arrependeu, cancelou o comentário e pediu desculpas a quem ofendeu”.

“Não tenho procuração para defender o “Assessor” Stival, nem compartilho ideais racistas ou xenófobos” – disse Molossi. “Todavia, também já devo ter postado algo infeliz e, provavelmente, já tenha cancelado outros, motivo pelo qual ainda não fui processado, nem civil, nem criminalmente”.

O assunto, protagonizado por integrantes do partido da Lega Nord, contrários politicamente à ministra Cécile, ganhou repercussão mundial e chegou a ameaçar a estabilidade do governo italiano montado precariamente sobre um “largo entendimento” entre PD – Partido Democrático e PDL – Partido do Povo das Liberdades, até então principais antagônicos da política peninsular.

Calderoli disse num discurso público em que criticava a atuação política da ministra Cécile que não podia olhar para a imagem dela sem que à mente lhe viesse a imagem de um orangotango. Stival, por sua vez, compartilhou imagem, que não é de sua autoria, em que a ministra negra aparece no fundo com as inscrições: “Estou profundamente indignado pelos termos ofensivos usados por Calderoli contra uma criatura de Deus como é o orangotango. É vergonhoso que se possa comparar um pobre animal indefeso e sem escolta com um ministro do Congo”.

Transcrevemos abaixo, na íntegra, a manifestação de Luis Molossi:

“Por conta dos compromissos ligados à Consulta Vêneta, cargo que ocupo pela Federação Vêneta do Paraná-FAVEP desde o final de 2009, tenho mantido inúmeros contatos político-institucionais, seja com o antecessor Oscar de Bona, como o atual, Daniele Stival, um expoente “leghista” (Lega Nord) que ocupa o cargo de Assessor para os Fluxos Migratórios do Vêneto-Itália, entre outras funções, desde 2010. Sua primeira visita aos Vênetos no Mundo ocorreu justamente em novembro/2010, quando veio a Curitiba, mas teve que retornar às pressas, dias depois, devido às inundações que castigavam o Vêneto naquele mês, deixando de seguir para SC e RS, como previsto na agenda.

Desde então foram dezenas de encontros, em várias partes do mundo junto aos nossos irmãos vênetos, o que me permitiu entender que se trata de uma pessoa preparada, culta, com as evidentes ligações com os pensamentos de seus colegas de partido “leghistas”, que sempre respeitei, embora não os compartilhe em boa parte, como ocorre numa sociedade moderna em que podemos divergir no campo das ideias, sem interferir na condução das coisas que interessam às nossas comunidades, que, de alguma forma, representamos.

Evidente que nós – descendentes de imigrantes que passaram toda a sorte de dificuldades e privações no novo mundo – temos no DNA um certo senso da diversidade que até pouco tempo era motivo de separação, de preconceito, como nos conta a história. Hoje falamos de mulheres que lutaram e chegaram ao topo dos direitos políticos e sociais até pouco tempo atrás não reconhecidos. No Brasil, onde vivemos, a diversidade nos permitiu construir uma nação livre. Somos um povo, militantes da solidariedade e, conquistados muitos avanços, temos obrigação de mantê-los. A diversidade nos une ao invés de nos separar.

A Europa, por sua vez, vive momentos de crise econômica e social: o ranço de preconceitos e até xenofobia ficam evidentes no momento que se perde o controle das questões econômicas e políticas, pois se pretende proteger os interesse do cidadão acostumado com anos de bonança e a culpa recai imediatamente nos estrangeiros, legais ou não, vistos como uma constante ameaça. A cobrança de soluções com relação às autoridades é diária e ninguém escapa: daí vem as instrumentalizações políticas de cada ato, de cada manifestação, como este que houve com o Assessor Stival.

Ele errou em dar importância, em compartilhar um comentário estúpido numa rede social sobre a Ministra da Integração Cécile Kyenge, que sequer merece ser repetido aqui, justamente porque deve ser esquecido, apagado da história. A responsabilidade civil e criminal destes comentários, sejam na imprensa escrita, na TV, rádio ou nas redes sociais, todos nós conhecemos bem e exigimos a devida punição. Se o Assessor Stival, num momento infeliz, deu vazão às idéias racistas e xenófobas que imperam em parte da Itália, momentos depois se arrependeu, cancelou o comentário e pediu desculpas a quem ofendeu, como se viu nas reportagens publicadas, o que repercutiu até nos grandes Jornais Corriere della Sera e no La Repubblica, por exemplo.

Este é o fato. Depois disso vi sua entrevista nos jornais regionais do Vêneto, em que deixa claro que se a poltrona que ocupa não estiver à sua altura, não haveria nenhum problema em deixá-la; que retirou a infeliz postagem algumas horas após tê-la compartilhado; que não fez nenhum comentário pessoal a respeito e que, tendo oportunidade, pediria desculpas pessoalmente à ministra. Não tenho procuração para defender o Assessor Stival, nem compartilho ideais racistas ou xenófobos. Todavia, também já devo ter postado algo infeliz e, provavelmente, já tenha cancelado outros, motivo pelo qual ainda não fui processado, nem civil, nem criminalmente. Quem sabe se falasse tantas bobagens como ouço de pessoas que ocupam cargos importantes por aqui não seria mais considerado? Para um país cheio de problemas como é a Itália este é só mais um triste capítulo.”