Frio Rovilio Costa numa imagem de novembro de 2005. (Foto Desiderio Peron / Revista Insieme)

O Talian é “é a única língua capaz de traduzir a nossa experiência migratória, cultural e familiar”, dizia Frei Rovilio Costa a Insieme, em novembro de 2006, ao gravar curtas entrevistas para um programa da Rai – Radio e Televisão Italiana. Três anos depois, num dia de Santo Antônio como o de hoje, morria o sacerdote editor que em vida escreveu cerca de 20 livros e publicou mais de dois mil títulos – maioria dedicada à imigração italiana no Brasil.

Hoje, 12 anos depois, Frei Rovílio é lembrado ainda como o grande patrono do talian que se vê oficialmente reconhecido como expressão de parte considerável da comunidade ítalo-brasileira graças à continuidade da luta por dezenas de seguidores. Além de dicionários e outras obras, recentemente, foi lançada recentemente uma gramática para “grandes e pequenos”, na tentativa de unificar parâmetros da linguagem que é ensinada nas escolas públicas de diversos municípios brasileiros, principalmente do Sul.

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Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Mestre em Educação e Livre docente em Antropologia Cultural, Frei Rovilio nasceu em Veranópolis-RS, de pais agricultores pobres e era o caçula de sete irmãos. Foi colaborador da revista Insieme praticamente desde a sua fundação, há 27 anos, convidado que foi para escrever um ensaio sob o título “O Italiano que Está em Você”. A proposta, apresentada ao religioso escritor polo editor da revista, deveria incluir uma análise antropológica, social e psicológica dos descendentes de imigrantes italianos.

Ao ficar doente, e para não interromper a série, solicitou a amigos que colocassem sobre o papel o que significava para cada um ser italiano. A série desde então tomou outra forma e, por decisão do religioso, passou a ser publicada também no jornal Correio Riograndense.

Para relembrar os ensinamentos de Rovilio, lincamos os vídeos que contêm a entrevista concedida em novembro de 2006, em Farroupilha, durante um encontro de radiodifusores do Talian. Neles, em talian, Rovilio fala da grande comiunidade ítalo-brasileira, sobre o Talian e sobre questões históricas que marcaram a comunidade italiana no Brasil, como a proibição de falar a língua.

Abaixo, transcrevemos um dos primeiros artigos da série “O Italiano que Está em Você” em que Frei Rovilio Costa procura definir a alma italiana: “O calor, o sangue, o ódio, o amor, a paixão, o apego, o orgulho, o trabalho, a beleza, a filosofia de vida, o deboche, a fé, a crença, a descrença, o anti-tudo … existirá no italiano como um todo conjunto, que se possa dizer: – Isto é tipicamente o italiano”. Confira

“É o bom bairrismo que faz a diferença, que estrutura a identidade, que é o antídoto à globalização inconseqüente, que faz as diferenças italianas se imporem na Itália e no mundo, porque cada italiano, em qualquer parte, se considera diferente e único”.

O processo de identidade se estrutura no contexto familiar, seja a família tradicional, organizada segundo padrões éticos, civis e/ou religiosos, seja a família como referencial de relações entre pais e filhos.

Identidade é um processo básico da personalidade, dividido em auto-imagem e auto-estima.
A auto-imagem se equivale ao auto-retrato, e a auto-estima, ao auto-conceito. Pela auto-imagem, alguém se configura como agradável, amável, simpático, ou… vice-versa. Pela auto-estima, alguém se avalia, se valoriza como inteligente, competente, incompetente.

A auto-imagem é auto-percepção; a auto-estima se refere a auto-étero-percepção. Na auto-imagem nos avaliamos; na auto-estima nos sentimos avaliados. Do sentir-se consigo mesmo e do sentir-se com os outros, resulta a identidade pessoal.

Haverá uma identidade, como auto-imagem e auto-estima étnica uniforme e única? Haverá uma identidade étnica italiana unitária? O que é mesmo ser italiano?

As etnicidades se definem por estereótipos, ou por peculiares definições identitárias?

Imagine-se alguém que se arrogue poder dizer: o Italiano assim se define.

Uma Itália unificada politicamente não corresponde a uma Itália unificada psicológica e existencialmente, como um todo demográfico semelhante.

A identidade pessoal tem bases na esturutra familiar e se expressa em consonância ou dissonância das circunstâncias sociais e ecológicas.

Em nossos textos, elencaremos possíveis fatores que diferenciem os italianos em geral e os italianos em particular, ou italianos entre si.

No geral, buscamos estereótipos nacionais. No particular, buscamos estereótipos regionais, provinciais, municipais, grupais (contradas) e familiares.

Se disséssemos que há só uma forma de amar, e que o amor de ontem é o mesmo de hoje, teríamos uma equação matemática do amor.

Assim, se dissermos que o italiano de ontem, do norte, do centro, do sul é o mesmo, teríamos uma equação matemática também. Mas, em ambos os casos, teríamos resultados frios de fria matemática, sem calor e sem sangue.

E aqui a primeira caraterísitica que apontaria do italiano, esperando a opinião do leitor:
– O italiano é um ser humano quente, vibrante, de sangue grosso, dividido em dois pólos – o de um grande amor, ou o de um grande ódio. O italiano brocha em sentimentos não existe.

E a conclusão e/ou interrogação que faria é esta: Haverá um italiano frio, comedido, matemático, sem qualquer exagero? Sem um grande amor? Sem um grande ódio? Será a neutralidade uma virtude italiana? Se existem baratas na Itália, terá o italiano sangue de barata?

O calor, o sangue, o ódio, o amor, a paixão, o apego, o orgulho, o trabalho, a beleza, a filosofia de vida, o deboche, a fé, a crença, a descrença, o anti-tudo … existirá no italiano como um todo conjunto, que se possa dizer:

– Isto é tipicamente o italiano.

Se eu perguntar, aqui no Brasil, a alguém: De que país você é? e ele me responder: sou Italiano, e fizer a mesma pergunta, na Itália, à mesma pessoa, ela me dirá: Eu sou romano, pugliese, calabrese, siciliano, vêneto, lombardo… Se fizer a mesma pergunta em Cremona, a pessoa poderá dizer-me: Eu sou de Ca’ de Sorresini…

Quando se diz que alguém é bairrista, se pensa em algo negativo. Ao contrário. É o bom bairrismo que faz a diferença, que estrutura a identidade, que é o antídoto à globalização inconseqüente, que faz as diferenças italianas se imporem na Itália e no mundo, porque cada italiano, em qualquer parte, se considera diferente e único. Por isto, existe o pesto genovese, o queijo de Parma e, além do infindo rol de bons vinhos, há o italiano que não se desapega do ex-familiar crinto, como o melhor vinho, porque ele se crê o melhor italiano do mundo.

Defina a sua forma de italianidade e emita sua opinião para eu continuar escrevendo.