Foi enterrado hoje, no final da tarde, o corpo do imigrante italiano Sante Serafino Botter, falecido na última madrugada vítima de um AVC. O corpo de “Nino” repousa no Cemitério Parque Iguaçu, onde aconteceu a despedida dos familiares e de um punhado de amigos. Ele deixa três filhos, seis netos e seis bisnetos e um livro com suas memórias, escrito de próprio punho e publicado em 2017, intitulado “Memórias de um Imigrante”, bilingue.
Nino Botter completaria 99 anos em 1º de novembro próximo, e já se preparava para comemorar o centenário de nascimento. Natural de Castelli di Monfumo, província vêneta de Treviso, na Itália, havia perdido a esposa Resi em 2013, naquela que ele próprio considerou “a prova mais difícil que Deus me deu”, “depois de quase 60 anos de felicidade”.
De empregado a empresário (foi o proprietário da antiga Cerâmica Klemtz, cuja área foi desapropriada para a barragem do Passaúna), Nino foi o último dos “Três Mosqueteiros” que formaram a capa da edição 142 (outubro de 2010) da revista Insieme, ao lado de Giuseppe Athos Vallicelli e Gian Luigi Corso. Embora em frentes ideologicamente confrontantes, eles lutaram durante a II Guerra Mundial e acabaram se encontrando em Curitiba, para onde imigraram em tempos também diferentes.
De trato afável, empático e discreto, Sante Serafino Botter era o filho caçula de uma família com cinco irmãos que, depois do período de guerra (alguns batalharam também na I Guerra), decidiu imigrar para outros países em busca de uma melhor condição de vida, que não se encontrava mais em seu país. Primeiro foi para a Bélgica, passou pela Holanda e, depois de retornar à Italia, decidiu imigrar para outro continente, chegando ao Brasil.
“Encarou – como consta da apresentação de seu livro de memórias – os desafios de se adaptar a uma nova cultura, pois acreditava ser a melhor opção para buscar o sustento e ajudar sua família. Com muito trabalho, honestidade e um sorriso no rosto conquistou tudo que havia planejado”. Enquanto pôde, todos os dias “Nino” ia para sua chácara, onde plantava e colhia frutas e verduras para proporcionar a seus descendentes e à instituições de caridade, entre elas o Pequeno Cotolengo, que inclusive ajudou a construir, doando material de construção.
Mesmo tendo vivido mais de 72 anos no Brasil, “Nino” morreu italiano: “Devido às leis brasileiras não obrigarem a naturalização, eu sempre quis manter a nacionalidade italiana. Minha esposa, minhas filhas e também meus netos possuem a dupla nacionalidade, italiana e brasileira. Todos têm orgulho da dupla cidadania e eu fico muito feliz. Eu nunca consegui e não fiz questão de perder o sotaque. Todo mundo acha uma coisa adorável, pois guarda o passado de uma pessoa, que é a sua história”, confessa ele em suas memórias.
Em sua vida, foi condecorado com a “Cruz de Guerra”, medalha de bronze de valor militar, “Cruz de Cavalheiro de República Italiana” e a medalha de ouro como “Trabalhador Italiano no Mundo”, da Câmara de Comércio de Treviso. Em 2016 ele recebeu também a “Medaglia della Liberazione”, concedida pelo Ministério da Defesa do governo italiano por ocasião do 70º aniversário da luta pela libertação.
Em sua epopeia imigratória, antes de estabelecer-se em Curitiba, Nino viveu em Joinville-SC e em Irati, no interior do Paraná. Mais confissões: “Eu tenho certeza de nunca ter enganado ninguém. Porém, fui enganado muitas vezes. Nunca tive nenhum vício: álcool, fumo, jogo e drogas. Sempre respeitei as ideias dos outros e posso também garantir que nunca fiquei feliz com a infelicidade dos outros. Trabalhei muito, demais! Até agora, ainda trabalho e não consigo parar! Tendo saúde, assim será até o fim da minha vida! Peço ao bom Deus que os meus descendentes sigam os bons exemplos para merecerem a sua benção!”.
“Nino” Botter, durante muitos anos, foi diretor do Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri, de Curitiba. Participava também, sempre ativamente até que pôde, dos encontros das quartas-feiras, constituído por imigrantes desde suas chegadas em Curitiba – hoje já com poucos integrantes originais.