Se há uma coisa positiva na esfera artístico-cultural com essa pandemia acho seja a quantidade de material que aparece na rede. Entre facebook, instagram, youtube existem centenas, milhares de publicações de shows, ‘workshops’, debates, exposições, etc. Mas o melhor é que muitos (não todos) abriram seus arquivos de anos de trabalho e produção artístico-cultural que antes eram mantidos, se não secretos, pelo menos, ocultos.
Grandes teatros americanos, russos e europeus, mas também pequenas companhias, artistas individuais, pequenos teatros. Todos, neste momento em que a arte e o teatro não se podem apresentar na cena real de um palco, sentiram a necessidade de mostrar o que, em todos estes anos passados na mais normal “normalidade”, produziram, pensaram, fizeram e que, talvez, não tenha sido visto tanto quanto merecia.
Percebe-se a falta de algo quando não está; enquanto está, é tão normal que esteja que nem percebemos.
Mas tudo isso deve fazer com que nosso mundo, nossa sociedade, reflita sobre a importância e o valor da arte e da cultura. Existem coisas que valem por sua materialidade, um carro, um vestido; outras que valem pela imaterialidade, uma amizade, um amor.
O mundo da arte e da cultura se enquadra nesta segunda categoria de valores: imaterial.
Uma emoção, um sentimento, uma vibração não tem peso, comprimento, cheiro, mas seu valor pode pesar mais dentro de nós do que uma pedra, pode ser maior do que uma grande distância e cheirar como um campo de flores, ou cheirar como um esgoto.
Todos nós sabemos que uma das nossas necessidades, nossa como seres humanos, é se relacionar, comunicar, fantasiar, imaginar, pensar, mas às vezes parece que esquecemos disso dentro do turbilhão do dia a dia. Mas, aí vem o mundo da arte e da cultura em nosso auxílio. Um livro, um quadro, um espetáculo, um filme, uma música, no meio do pior e desastroso momento da nossa vida, conseguem dar-nos um fôlego, um momento de serenidade. Tudo o que se chama “arte e cultura” é um espaço livre para sonhar, pensar no amanhã, um amanhã que pode ser muito diferente de hoje porque está cheio de tudo o que gostaríamos e que a vida não nos deu.
Um show nos faz pensar, rir, chorar, uma música nos toca o coração nas profundezas ocultas do inconsciente, um livro nos faz voar para lugares nunca antes vistos mas onde poderíamos viver, amigos dos protagonistas da história.
O espaço “arte e cultura” dá-nos tudo isso e todos nós sabemos.
Mas então, se sabemos, por que deixamos o tema “arte e cultura” ser sempre o último (ou um dos últimos) na escala de importância de nossa existência?
A lei que se preocupa com “arte e cultura”, neste momento de pandemia (Aldir Blanc), sai em agosto, 6 meses após o início do isolamento social e consequente fechamento de todos os teatros, salas de espetáculos, exposições, shows, etc. Dois meses depois, os Estados começam a promulgar editais com base nessa lei. Se tudo correr bem, em dezembro haverá resultados e os sortudos que tiverem os projetos aprovados terão os valores correspondentes. Mas 10 meses terão se passado desde o início da pandemia; como esses artistas, esses grupos, esses teatros, esses espaços terão sobrevivido?
Arte e cultura sempre têm duas faces. Uma é a dos artistas, que sempre e em todo o caso continuarão a existir porque pessoas que, no ideal da arte como vida, não podem perder-se por meras razões econômicas e, sobretudo, não podem perder a sua arte. O outro lado é o prático, concreto, medido em contas e contas. Aquele lado que precisa do público, das instituições, da sociedade. Aquele que produz aquela riqueza capitalista que é assim importante, neste nosso mundo, para determinar o valor, ou não, de algo.
Acesse a Internet, observe a quantidade de arte e cultura que a pandemia nos revela e lembre-se disso quando pudermos voltar ao normal.
Lembre-se disso e vá ao teatro, museus, galerias, salas de concerto, cinemas, compre um livro, compre uma obra de arte.
Faça com que a arte e a cultura vivam, porque sem ela até o ser humano morre.