“Se eu fosse Presidente da Itália, eu teria vergonha de governar um país que discrimina dessa forma as mulheres”. Assim, direta, é a linguagem da presidente do Comites – ‘Comitato degli Italiani all’Estero’ do Rio de Janeiro, Ana Maria Cani de Almeida, ao comentar o veto administrativo ainda imposto ao reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’ pela via materna em período anterior a 1948.

Empresária e funcionária de nível superior aposentada, Cani é candidata a uma das quatro vagas da representação do Brasil no CGIE – ‘Consiglio Generale degli Italiani all’Estero’ e não tem papas na língua para reverberar também contra a intromissão partidária no processo de indicação dos candidatos a representantes da comunidade ítalo-brasileira diante de sua expressão institucional máxima. Por isso, sua candidatura é, como diz, independente.

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A eleição acontecerá no dia 9 de abril próximo, em Brasília, durante uma ‘Assemblea Paese’ convocada pela Embaixada da Itália no Brasil. São eleitores os 120 conselheiros dos sete Comites que operam no Brasil, mais representantes de 49 associações italianas (cinco perderam o prazo de indicação de seus delegados) escolhidas pela embaixada. Além de Ana Maria, são candidatos até agora conhecidos Andrea Lanzi – RJ, Daniel Taddone – PE, Pasquale Pierrini – DF, Renato Sartori – SP, Stephania Puton – RS e Walter Antonio Petruzziello- PR, além de Silvia Alciati – MG, que pleiteia a reeleição.

O inconformismo de Ana Maria Cani em relação ao reconhecimento da “cidadania italiana pelo lado materno”, como é conhecido, se deve ao fato de a matéria já ter sido dirimida pela Suprema Corte italiana há muito tempo, sem que o Executivo tenha acatado tal decisão, obrigando ainda hoje os descendentes de uma cidadã italiana casada com um não italiano, nascidos antes de 1948, a recorrer à via judicial para o reconhecimento.

O governo não instituiu uma taxa ilegal de 300 euros sobre o direito de quem já nasceu italiano? Então por qual motivo não pode também admitir o que a Justiça vem invariavelmente repetindo em todos os processos que lhe são submetidos? – pergunta a candidata, observando sua estranheza diante do silêncio do próprio CGIE sobre a matéria.

Cani fala em movimentar Associações de Mulheres de todo o mundo contra a discriminação contra as mulheres italianas: “Afinal de contas, nós ficamos nove meses com aquele filho na barriga e não temos o direito de passar a cidadania para ele? Acho isso uma coisa inadmissível, inacreditável para um país que se diz de primeiro mundo”. Ela, entretanto, se diz aberta a “lutar, propor, mudar, conciliar, dialogar e, sobretudo, ter atitudes seguras e determinação para alcançar as vitórias”.

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Na tele-entrevista concedida a Insieme dentro da série que pretende expor as ideias de todos os candidatos, Ana Maria Cani fala de como os Capixabas conquistaram 11 das 12 cadeiras do Comites do RJ, analisa a atuação do Consulado italiano na região, expõe suas linhas de trabalho envolvendo cidadania, cultura e negócios (90% dos grandes empresários capixabas seriam de origem italiana, como diz) e, também, traça um perfil daquilo que seria sua atuação caso seja eleita para ocupar uma das quatro vagas que cabem ao Brasil no CGIE.

Descendente direta de imigrantes provenientes de Ferrara, na Emilia Romanha, e de Cison de Valmarino, no Vêneto, ela também conta um pouco de sua vida e de suas atividades profissionais. De uma família de 11 irmãos, espelha-se na fibra de sua mãe e confessa ter vivido uma infância pobre, em que renovava “um vestidinho a cada um ou dois anos e andava descalça”. A seguir, um texto-manifesto redigido por suas próprias mãos:

“Sou Ana Maria Cani de Almeida, servidora publica federal aposentada pela Universidade Federal do Espirito Santo. Apresentar-se a uma candidatura ao CGIE é necessário, antes de tudo, estarmos conscientes dos compromissos que vamos assumir e a disposição de trabalhar muito para que alcancemos os objetivos. Dizer aqui os objetivos do CIGIE, a historia de sua criação, os desdobramentos,  seria repetirmos o que todos sabem, e o que brilhantemente já foi colocado pelo nosso prezado advogado Dr. Pascoale Perrini.

Mas o que me fez ser candidata foi pensar no alcance que esse Conselho possa ter junto aos setores que geram os caminhos que  chegam a nos, por intermédio dos Consulados, dos setores organizados produtivos , indústria, comercio, agricultura etc.
Esta implícito que o Consulado é a representação que deve promover as ações que viabilizem os objetivos  do Estado Italiano.

Então temos os Comites, que são interlocutores entre a comunidade e o Consulado. E, acima, o Conselho. Temos visto muitas pessoas que são membros do Conselho há dois mandatos, portanto dez anos. Seria oportuno neste momento pensar em quem eleger. Será que  a atuação dos atuais Conselheiros foi satisfatória, gerou frutos? Promoveu discussões junto à Comunidade para levar propostas? Promoveu oportunidades de intercâmbios entre os dois países?  Promoveu a Cultura Brasileira na Italia e a cultura Italiana aqui?

Em Algum momento teve a preocupação de conversar com as comunidades do interior de nossos Estados? Divulgou os trabalhos de abnegados que, a exemplo de meu Estado, trabalham para manter as tradições italianas?  Esse povo que não desiste nunca! Que sua e tem tanto amor às suas raízes. Estou convicta de que o perfil dos membros do novo CGIE terá que mudar….Precisamos de cidadãos que tenham a capacidade de se indignar com esses serviços hoje oferecidos pelos Consulados… Precisamos de cidadãos que se colocam ao dispor da Comunidade para efetivamente trabalhar, propor soluções, questionar os desmandos, as regras impostas, desrespeitosas ao cidadão brasileiro.

Porque não falar em Cidadania Italiana?  Nos últimos anos o maior desrespeito que impuseram ao cidadão ítalo descendente que reivindica a sua cidadania foi a instituição da taxa de 300 euros para ter  o pedido de cidadania apreciado e eventualmente deferido. Ora se você nasce cidadão italiano,  porque tem que pagar uma taxa? Por que não se paga essa taxa na Italia? O filho é registrado e basta. Taxas ínfimas são pagas.
Em hipótese nenhuma esse (Direito – grifo original)  precisa ser pago. Absurdo, ilegal e imoral.

Mas minha grande tristeza é dizer que isso foi proposto por parlamentar eleito por essa comunidade brasileira. E lamento maior ainda porque desconheço qualquer outro projeto que  tenha sido feito por esse mesmo parlamentar que resultasse em beneficio para nós.
Esse é um fato que iremos lamentar para todo o sempre. Marcará nossa historia.

Bem e a aplicabilidade da tal Lei?  Em que momento o CGIE pelo menos fiscalizou que a Lei estivesse sendo cumprida?  Será que teve  a ousadia de questionar a aplicabilidade da Lei? Os recursos que cada consulado receberia ? Está tudo certinho? A infame Lei foi criada para melhoria do atendimento consular (grifo original).  A ver a situação em que estamos vivendo hoje com enormes filas e tudo o mais,  certamente é uma Lei  que deveria ser extinta. Uma vez que não cumpre os objetivos para os quais foi criada. Se não cumpre, deve ser extinta (grifo original). Como se comporta o CGIE  diante disso? Que atitude tomar?

Dentre tantas outras coisas, não posso me furtar a fazer considerações sobre a enorme tristeza que tenho em ver um Pais que esta entre os grandes da Comunidade europeia promover tamanha injustiça com as Mulheres. Penso meus avós vieram desse País.
Então elas carregam os seus filhos no ventre, por nove meses, mas as que tiveram seus filhos antes de 48 são indignas de passar  a cidadania. Sem falar naturalmente como muitos países tratam as mulheres,  alguns por outras crenças, não posso me permitir aceitar qualquer justificativa para tal.

O que o CGIE fez ao longo desses cinco anos? Nos quais inclusive, a própria justiça italiana não negou sequer um pedido de cidadania por linha maternal. Foi período profícuo porque  os Juízes se manifestaram  todos favoráveis. O que fazer nesse período, de profícuas sentenças a favor das mulheres? Desenvolver um belo estudo, condensar essas sentenças, e propor mudanças na legislação.

E ai vem a pergunta, da mesma forma como se propôs o pagamento da taxa, porque não se propôs acabar com essa discriminação? Não tenho ilusão de que a luta é fácil.  Mesmo. Tenho certeza de que é árdua e cheia de percalços mas temos que
lutar, propor, mudar, conciliar, dialogar e, sobretudo, ter atitudes seguras e determinação para alcançar vitórias (grifo original). Tenho força, sangue nas veias,  pensamento positivo, coragem e propostas.”