Discordando do acórdão da “Sezione Persona, Famiglia e Minorenni”, a Seção I Civil da mesma ‘Corte d’Appello’ de Roma acaba de publicar os motivos de uma decisão de 23/09 em que rejeita a tese da Advocacia do Estado Italiano baseada na chamada Grande Naturalização. A decisão decreta a improcedência do recurso sustentado em nome do Ministério do Interior do governo italiano.

O recurso é improcedente. Ressalte-se que o Conselho não ignora a orientação diferenciada expressa com a sentença 5171/2021 deste Tribunal – Seção de Pessoas, Família e Menores, mas não acredita que possa aderir a ela”, diz o texto da sentença proferida pelos juízes Corrado Maffei, Diego Pinto e Mariarosaria Budetta, depositado na ‘cancelleria’ da Corte com data de hoje, na conclusão do Processo 33184/2018 do Tribunal Civil de Roma, defendido pelo advogado italiano Antonio Cattaneo.

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Segundo fonte da revista Insieme, os cidadãos contemplados com a decisão seriam integrantes da família Menin, residentes no Brasil. São descendentes de imigrante italiano nascido no Brasil em 1894, cinco anos depois, portanto, do decreto 58-A/1889 do governo provisório republicano brasileiro que atribuiu a cidadania brasileira tácita, em forma compulsória, a todos os residentes estrangeiros que aqui se encontravam. Eles tinham sido reconhecidos como cidadãos italianos ‘iure sanguinis’ pelo Tribunal de Roma.

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Na decisão da vara cível da “Corte d’Appello” de Roma observa-se, entre outros argumentos, que “se a cidadania não deriva do fato voluntário do homem, mas é imposta por lei, não se pode presumir a renúncia à nacionalidade, mas é preciso ter provas claras e explícitas”. Isso tem muito a ver com o contexto brasileiro da época, quando boa parte dos imigrantes sequer teve conhecimento do decreto de naturalização compulsória.

A deliberação da Corte, deliberada pelo colegiado em junho de 2021 com sentença proferida hoje (08/10), precede à publicação de dois acórdãos da Seção de Pessoas, Família e Menores que recentemente acolheram a tese da ‘Avvocatura dello Stato’. Segundo a advogada Claudia Antonini, de Porto Alegre, ninguém sabe como esses dois recursos foram parar naquela seção, que “não é natural para a matéria apreciada”. Uma coisa é certa: depois de conhecida a decisão, “aumentaram e muito” o número de recursos em nome do Ministério do Interior italiano.

Ainda segundo Claudia Antonini, a produção de farto material de pesquisa e de argumentação jurídica por parte de advogados italianos e ítalo-brasileiros, deve contribuir para enfraquecer a tese da Advocacia do Estado italiano, ultimamente empenhada em fazer prevalecer um argumento há muito rejeitado pela própria Justiça italiana. Entidades ítalo-brasileiras encomendaram pesquisa sobre o assunto à luz do direito internacional que publicamos em italiano e em língua portuguesa. Na edição deste mês, a revista Insieme publica farto material jurídico sobre a questão. Um webinar bilingue foi produzido recentemente sobre o tema.

A decisão que acaba de ser conhecida está circulando com intensidade em alguns grupos das redes sociais e em páginas de advogados ou escritórios de advocacia, do Brasil e da Itália, que se ocupam de problemas ligados à cidadania italiana ‘iure sanguinis’. Além de Antonini – a primeira a passar cópia do acórdão a Insieme na manhã de hoje -, também o advogado Cristiano Girardello saudou a notícia como “positiva, mas insuficiente”, por  razões que ele explica:

“Até agora – disse Girardello – ninguém conseguiu explicar como uma seção incompetente julgou matéria a ela estranha – e quais as consequências jurídicas dessa incompetência no sistema processual civil italiano; ademais, as razões da sentença não esgotam todos os argumentos que vêm sendo manejados pela Avvocatura; por fim, a decisão alcança somente os interessados na causa concreta, de forma que milhares de pessoas com processos pendentes ainda poderão ser recorridas e, quiçá, terem seus processos distribuídos exatamente para a ‘Sezione Famiglia’, cujo entendimento é contrário aos interesses dos ítalo-brasileiros”. Por isso, afirmou o advogado, “é preciso continuar a luta, seja no plano acadêmico, seja no judicial”.

Já o advogado italiano Giovani Bonato, autor de extenso estudo publicado no último número da revista, escrevia para exultar: “Ganhamos em segunda instância!”. A advogada La Malfa também postava em sua página no FB: “Hoje é um bom dia para todos. A corte de apelo de Roma, ‘sezione I’, emitiu a sentença que rejeita a tese da Grande Naturalização. Parabéns ao colega Antonio Cattaneo pelo excelente trabalho e a todos nós advogados envolvidos!”

O próprio advogado da causa, Antonio Cattaneo, que reside em Milão, ocupou-se do assunto, replicando post de Daniel Laguna, do Brasil: “A corte de apelo de Roma, sezione I, emitiu sentença que rejeita a tese da Grande Naturalização no Brasil. Parabéns ao advogado Antonio Cattaneo pelo excelente trabalho!”

Segundo informações que circulam no meio jurídico, o Ministério do Interior estaria orientando os municípios italianos (há quem fale que a orientação é dirigida também aos consulados) a suspender ou retardar o serviço de reconhecimento da cidadania italiana ‘iure sanguinis’. Essa suspensão teria como finalidade aguardar o desfecho na via judicial, produzindo assim uma pausa no atendimento às filas da cidadania. A ação ministerial estaria sendo orquestrada em conjunto com a Farnesina, isto é, o Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional.

Uma postagem do internauta João Paulo Perim Zago na página “Contra as Filas dos Consulados Italianos no Brasil” (mais de 14 mil inscritos), advertindo não se tratar de um “post terrorista”, aborda exatamente desse assunto. “O impasse – segundo o post – reside na questão da jurisprudência sobre o tema, que possui decisões favoráveis (na seção correta) e desfavoráveis (na seção incorreta) na Corte de Apelação. O Ministério orienta que o pedido de reconhecimento seja suspenso para ser analisado em momento posterior, quando houver um entendimento consolidado da questão – ao que tudo indica, na ‘Corte di Cassazione’. O argumento usado é o artigo 97 da Constituição da Itália, que trata da imparcialidade e do bom funcionamento da administração pública”.

“E agora?”, pergunta o post, acrescentando a resposta logo a seguir: “prudência, para variar, é o que devemos ter. Fica claro que o uso da Grande Naturalização para prejudicar os descendentes é torpe. Todos os juízes da primeira instância estão ao lado dos ‘oriundi’, mas por um grande azar houve duas decisões contrárias na apelação por conta da seção errada – eram processos alocados na seção de família, e não de imigração”.

“Teremos que aguardar – prossegue o texto – a virada na própria apelação (de preferência com goleada) e, por fim, o tema retornar à ‘Cassazione’, onde desde 1907 existe o entendimento de que a Grande Naturalização do Brasil não poderia ser aceita pelo ordenamento jurídico italiano.

Enquanto isso, a todos aqueles que possuem documentação que esbarram neste argumento, a recomendação é: evite ir para a Itália. O melhor caminho, no momento, é a ação judicial. Até porque a porcentagem de recursos continua sendo baixíssima, na casa dos 1-2%”.

O texto postado arremata: “É chato? É. Teremos dor de cabeça? Teremos. Lamento por aqueles que passam sufoco no momento, mas é uma daquelas turbulências que iremos enfrentar. Em breve, o jogo irá virar. A Grande Naturalização foi uma vergonha, e seus parcos defensores no Estado italiano serão derrotados pela razão e pelo bom senso”.